segunda-feira, 13 de julho de 2009

Prenez soin de vous - l'interprétation des femmes


'Prenez soin de vous' - 'Cuide de Você' é a exposição de Sophie Calle - enorme sucesso na bienal de Veneza de 2007 - que reúne textos, fotos e vídeos nos quais 107 mulheres (além de duas marionetes e uma cacatua) interpretam e analisam, sob diversos pontos de vista, e-mail transmitido pelo escritor Gregoire Bouille e recebido pela artista. Esta foi a maneira que Sophie encontrou para dar forma à dor sentida pelo rompimento e pela forma do rompimento em si.

Para “esgotar” as mensagens contidas no texto e em seus subtextos, Calle solicitou que diversas leitoras, todas com profissões e especialidades distintas, mulheres estranhas e amigas, desconhecidas e famosas, adolescentes e adultas, dissessem o que entenderam sobre o e-mail recebido, que pôs fim a relação amorosa.

O desafio foi aceito pelas atrizes Jeanne Moreau, Victoria Abril e Maria de Medeiros; pela compositora Laurie Anderson; pela DJ Miss Kittin; por profissionais distintas: linguista, juíza especializada em direitos femininos, antropóloga, estenógrafa, consultora de etiqueta e protocolo, criminalista, especialista em codificação, designer, especialista em escrita Braile, criadora de palavras cruzadas, assistente social, jogadora de xadrez, psicanalista, oficial da inteligência francesa, historiadora, especialista em código de barras, contadora, sexóloga, diplomata, professora, jornalista, bailarina, entre outras, inclusive taróloga, mágica e clarividente.

"Recebi uma carta de rompimento.
E não soube respondê-la.
Era como se ela não me fosse destinada.
Ela terminava com as seguintes palavras: Cuide de você.
Levei a recomendação ao pé da letra.
Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão,
para interpretar a carta do ponto de vista profissional.
Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la.
Entendê-la em meu lugar. Responder por mim.
Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper.
Uma maneira de cuidar de mim."
Sophie Calle

"O que diferencia muitos dos meus trabalhos é o fato de que ele são, também minha vida. Eles aconteceram. Isso me distingue e faz com que as pessoas gostem ou desgostem intensamente do que faço. E por isso, que tenho um público além do mundo da arte." Sophie Calle

"Penso nela como uma contadora de histórias. O que é interessante é que sua vida e sua arte são a mesma coisa. Ela faz isso para se manter viva, para criar uma realidade para si mesma. É uma combinação rara." Paul Auster

"Seja ao fazer a crônica das memórias de uma infância erotizada ou de uma vida sexual adulta na qual fatos e ficções se misturam, Calle revela mais sobre as maquinações do desejo do que qualquer artista de sua geração." Ralph Rugoff

A obra de Sophie Calle despreza as fronteiras regulares ente ficção e realidade, público e privado, arte e vida. Literários na essência, ainda que usem meios diversos e tomem formas distintas, seus trabalhos nascem ora de exercício destemido de curiosidade sobre o outro, ora da vontade de transformar dores reais em uma sofisticada catarse. De forma recorrente, expõem a vulnerabilidade humana sob o desejo. Nascida em Paris, em 1953, Sophie é filha de um médico que colecionava arte e de uma jornalista especialista em literatura.

Eis algumas interpretações textuais:

Coloquei o texto na minha frente. Preferi ler as cartas.
Eu as embaralhei e as coloquei viradas para baixo. Depois, escolhi cinco cartas.
Organizei-as em forma de cruz e perguntei:
O que está por trás dessa carta?
Olhemos as cartas. Elas são desfavoráveis.
Um velho de capuz sozinho pela noite com sua lanterna.
Em sua solidão, não há muito lugar para o amor.
Essas não são as palavras de um homem feliz, por causa do eremita.
Atormentado por animais, ele tateia cegamente para tentar encontrar seu
caminho...

Morbidamente instável, ele é como um graveto ao vento.
Essas não são as palavras de um homem estável, por causa do louco.
A imperatriz
Ela controla a retórica.
Foi com a colaboração da imperatriz - protetora dos escritores - e a destreza que ele tem com a linguagem que ele conseguiu compor essa carta.
Lobos uivam para a lua em frente ao reflexo ilusório de uma mulher nua na água... Estamos entre mentiras e ilusões, entre o medo do espelho e a fascinação narcisística, entre a confusão e a complacência.
Essas não são as palavras de um homem sincero, por causa da lua.
Essas não são as palavras de um homem adulto e livre, por causa do enforcado.
Nenhuma das cartas fala de desejo, amor ou lembranças.
Em confronto com a confusão da lua, a distração e a poligamia do louco, o cansaço, a lassidão e o desinteresse pelos outros do eremita, o desespero
suidica do enforcado, ele tenta através da imperatriz fazer um último esforço para explicar. O que está por trás dessa carta é pior do que ela diz.
É a carta de um homem que está desesperado, ameaçado, que teve que fazer um grande esforço para conseguir dizer alguma coisa.
Maud Kristen, vidente.

1
Os latinos costumam se identificar no começo da carta, e não no final. Eu utilizei ignotus para traduzir X, que significa, como Harry Potter, aquele cujo nome não deve ser pronunciado - cuius nomen nen dicendum est.
2
Já que a palavra email obviamente não existe no latim clássico, eu adotei a tradução proposta no Lexicon Recentis Latinitatis, publicado pelo Vaticano.
3
Para traduzir "dizer o que tenho a dizer de viva voz", eu escrevo: "dizer, eu presente a você presente" fazendo um pasticho da famosa fórmula utilizada por Suetônio (A vida de Tito, VII) quando Tito deixa Berenice: Berenicen dimisit invitus invitam (ele a deixa contra a própria vontade e contra a vontade dela).
4
Quodam: para atenuar o que seria (o que é) a natureza exagerada da seguinte formulação feita pelo cavalheiro:"uma espécie de angústia terrível."
5
Tentei explorar o uso do poliptoto (repetindo a raiz currere: procurrere, praecurrere) para transmitir a metáfora do cavalheiro ("seguir adiante para tentar superá-la").
6
Hesitei na tradução de "a quarta". Eu deveria entender literalmente essa expressão e imaginar que o cavalheiro já tivesse outras três namoradas? Nesse caso, eu deveria ter escrito: ne fieres umquam quarta amica mea (= que você nunca se tornaria minha quarta namorada). Mas creio que as aspas nos levam a dar à expressão um sentido mais figurado (como popularmente se diz "ser apenas mais uma", ou "servir de estepe" ou "fazer parte do harém"). Para os gregos e romanos, o equivalente seria "ser o tritogonista" (o terceiro ator), aquele que tem o papel de "coadjuvante", digamos (os povos antigos os chamavam de "terceiros papéis": em latim, agere tertias partes). Para manter a alusão às quatro namoradas, escrevi: "representar os quatro papéis", que não existe na Antiguidade, mas que, sem dúvida, corresponderia aos nossos pobres "figurantes".
7
Entendo que "essa semana" tem um sentido um tanto vago (recentemente). Se realmente quer dizer sete dias, exatamente, poderia escrever: septem ante diebus.
8
Entendo perfeitamente que se trata de "procurar" pelo telefone (meio de comunicação que era obviamente desconhecido pelos latinos). Mas, em vez de buscar um equivalente no Lexicon Recentis Latinitatis, eu deliberadamente dei ao verbo "procurar" um sentido de afirmação de autoridade. Evocare é a palavra usada quando um general chama seus soldados para voltarem ao serviço (= ele os recruta). O cavalheiro procura suas amigas, que por definição estão à sua disposição, quase da mesma maneira que o dono assobia para chamar seus cachorros.
9
Devo admitir que eu não tinha certeza se "a doçura com a qual me trata" era objeto de "apreender" ou de "sentirei saudade." De qualquer maneira, a frase soa estranha. "Apreender a doçura" não é muito feliz, mas coordenar o substantivo "doçura" com uma série de verbos que são complementos de "sentirei saudade" ("deixar de ver...falar...apreender...e sua doçura - coisas das quais sentirei uma saudade infinita") me parece ainda mais sem sentido. Colocando de forma suave (e sejamos bem-educados aqui!), é um zeugma bastante ousado. Além disso, o cavalheiro está bastante atarefado com suas negações. Poder-se-ia dizer: "Sentirei saudade", "Sentirei saudade da maneira como você vê as coisas", mas qual o significado de "deixar de ver você... sentirei uma saudade infinita"? A linguagem popular usa esse tipo de frase às vezes, mas é absurdo e impossível traduzir para o latim. Então, tive que me afastar do texto para conseguir dar a ele um mínimo de coerência.
10
Essa sucessão de orações subordinadas (e muito relativas) está no texto. Sinto-me na obrigação de reproduzi-la, apesar de não considera isso muito feliz.
11
A irrealidade do passado, ou uma afirmação atenuada? Escolho a irrealidade.
12
Os latinos sempre terminavam suas cartas com uale (continue bem). E é um tanto interessante o fato de o cavalheiro ter repetido essa fórmula de despedida. Não posso deixar de pensar no selo com o qual Rodolfo lacra sua carta de separação à Emma Bovary, que carrega o dito: Amor nel cor.
Anne-Marie Ozanam, latinista

O inferno,
sem os outros

Amante rompe
e afirma que motivo
é respeito pelo
pacto inicial.
Honestidade ou covardia?
Sabrina Champenois, subeditora-chefe

Um jurista verá essa carta como a ilustração dos principais fundamentos do nosso direito civil, pois ela se refere à conclusão e execução de contratos.
O que é um contrato? É um acordo voluntário entre duas pessoas, cujo consentimento deve ser livre e ciente, para criar certa situação e organizar de forma precisa as regras segundo as quais ela funciona. Cada parte contratante entende que se beneficiará do contrato, mas, em troca, estará sujeita a certas obrigações.
O recipiente desta carta estabeleceu uma condição na conclusão do contrato amoroso com o remetente: a amante não deve se tornar a "quarta". Está claro que o amante achou essa condição um tanto severa desde o início. Entretanto, ele a aceitou, ciente de que, sem tal compromisso de sua parte, o contrato não teria sido concluído.
Após honrar o contrato por algum tempo, o amante está a ponto de quebrar essa cláusula fundamental do contrato, de forma irreversível. A parte cocontratante terá o direito de usar isso como base para pedido de rescisão, ou seja, anulação do contrato.
Então, por honestidade ou conveniência, o autor da carta antecipa a rescisão do contrato.
Um jurista também chamaria atenção para a extrema contratualização do relacionamento, pois não só as leis que regem o relacionamento foram precisamente acordadas, mas também as regras que regem a consequência do mesmo: o relacionamento amoroso não poderia ser seguido de amizade em hipótese alguma.
De maneira geral, esta carta ilustra claramente o fato de que a forma como uma relação amorosa é conduzida não é muito diferente da negociação e execução de um contrato de aluguel comum. Vinda de um jurista, tal afirmação não deveria ser vista como um sinal de cinismo; pelo contrário, ela expressa o interesse, a riqueza e a sutileza com os quais eles creditam os relacionamentos amorosos.
X, Juíza
...,
Há muito tempo você foge de tudo, em direção à sua própria destruição e, para mim, sua carta é a confirmação. Mas suponho que você saiba disso... Não há nada que eu ou qualquer "outra" possa fazer.
Eu poderia expressar incompreensão, tristeza, raiva. Eu poderia lhe dizer que apenas o fato de responder a essa mensagem seria demonstrar interesse demais. Eu poderia lhe dizer que teria preferido uma "boa conversa" (?) a essa prolixidade na qual você mergulha, como que para esconder sua evasão e as "razões" para ela.
...E...bem.
Não, eu nem cogito ver você. E você entenderá que eu queira manter a maior distância possível entre nós. Não haveria sentido em iniciar algo que seria apenas uma prolongação de nossas despedidas.
Rafaèle Decarpigny, escritora de cartas

O preto desiste.
O jogo não poderia ter continuado? Olhemos com mais atenção.
Ele é o rei preto. Ele é frágil, malprotegido por seus peões, exposto às ameaças das peças brancas. Ele não está em xeque-mate, ele não está sendo diretamente atacado, mas isso poderia acontecer em breve. Ele não o será: ele está deitado, o que significa que o jogo está perdido.
Com ele, as três outras: três torres. A torre, uma peça neutra. A segunda peça feminina, muito menos valiosa e poderosa do que a rainha. Pode-se ficar fascinado pelos peões, que têm o poder de se transformar; pelos cavalos, que podem se mover sobre as demais peças; pelo bispo; pela rainha, que tem o maior campo de ação; mas raramente pelas torres, com seus movimentos previsíveis, funcionais e eficientes, em linha reta.
Que tipo de jogador de xadrez diria que sua peça favorita é a torre?
Três torres, então, porque não sabemos nada sobre os movimentos neste jogo. Tudo o que podemos ver é a posição final. Três torres. Um cenário incomum, mas possível. Algumas decisões estranhas devem ter sido tomadas para se chegar a esse ponto.
Um peão preto, também: proteção frágil e mínima que talvez pudesse ter mudado tudo se tivesse tido a chance, se o preto não tivesse desistido do jogo prematuramente.
Em frente ao rei preto, está o rei branco. Ela. Seu alter ego. Diferente e semelhante. Aqui, o rei branco avançou no tabuleiro e está protegido por outras peças. Cavalos próximos a ele, bispo na longa diagonal: parece seguro. Mais à frente, peões que avançaram bastante. No xadrez, cada peão tem a esperança de evoluir; é a única peça cuja condição pode mudar! Aqui, os peões brancos avançaram juntos, como uma promessa de mudança. Será que eles assustaram o rei preto de tal forma que ele não consegue considerar sua permanência no confronto?
É a vez das peças pretas jogarem. A posição final não é clara. Ela mudaria, a cada jogada. Um jogo de xadrez não pode parar no tempo. Cada lado faz suas escolhas, às vezes de forma intuitiva, às vezes depois de pensar muito, sem conseguir calcular todas as consequências. Porém, é difícil não se arrepender dos erros cometidos quando se perde o jogo.
Dizem que nunca se deve desistir no jogo de xadrez. Que um jogo só deve acabar com o xeque-mate.
Aqui, a única saída teria sido sacrificar as torres pretas, mas não podemos saber qual seria a reação de cada lado.
O rei preto está deitado.
Nathalie Franc, jogadora de xadrez

Então, alguns meses depois, reli a carta de X. Foram meses nos quais eu mudei. Durante os quais compreendi muitas coisas. E tudo o que eu havia
escrito me soou absurdo.
Burro, cego e até perigoso, estava totalmente desprovida de lucidez.
Eu sequer tinha lido corretamente a palavra "angústia" na carta de X, e na frase "Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente", ele estava tentanto recuperar a virilidade, e eu não tinha percebido isso na minha primeira leitura. Se Sophie o tivesse amado tanto quanto diz, ela não teria convocado um esquadrão de mulheres para ajudá-la a superar. Ela teria tentado superar isso, é o que se deve fazer, mas não assim, cercada por mulheres.
Um grande esquadrão de mulheres, é isso o que somos, com nossos textos patéticos ou nossas interpretações, nossas performances, sentindo pena de nós mesmas ante o homem; o melhor é ir atrás dele e fazê-lo sentir-se insignificante.
Eu deveria ter dito isso a Sophie, e estou dizendo agora: cuidado essas mulheres reunidas. Evite-as. A maioria delas quer transformar os homens em mulheres, elas dedicam suas vidas a isso, o fato de serem mulheres as enlouquece, elas não podem aceitar. Elas não vão ajudá-la a se tornar uma mulher, uma mulher de verdade, ou seja, alguém que não tem nada, não tem mais palavras, não tem mais nada, nada de poder, poder sobre coisa alguma, uma mulher de verdade: boa e impotente. Elas não vão ajudar você, isso as deixa com raiva, o vazio, a falta. Elas não vão ajudá-la e continuarão dizendo "proteja-se", quando não há nada do que se proteger.
Você não tem nada. Você tem um vazio, você tem uma ausência, é só isso. Você é uma artista e isso não lhe dá poder, mas graça, sim, toda vez que vejo o seu trabalho, eu fico, não sei como dizer... fico emocionada e cheia de admiração. Mas mulheres reunidas, tudo o que elas querem é que os homens desapareçam, que virem fantasmas distantes. Ou que sejam escravizados, estejam à disposição, sejam sempre acessíveis e vivam de acordo com os seus discursos, que eles supostamente entendem perfeitamente. Elas não querem "largar mão", elas pensam que eles são como crianças, elas adoram falar sobre a "fragilidade do homem" - tão tocante, elas dizem - ou sobre eles "fugindo". O coro que você reuniu em torno dessa carta é o coro da morte.
Christine Angot, escritora

Sophie,
O título é um tanto descuidado.
Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último email. Ele deveria ter respondido imediatamente.
Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Frase desajeitada: pesada e deselegante.
Mas pele menos será escrito. E daí?
Como você pode ver, não tenho estado bem ultimamente. Coitadinho!
É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Não nos interessa; ele não deveria falar só de si.
Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Essas coisas deveriam ser guardadas para si. Ele não deveria exibir suas pequenas preocupações.
Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a "quarta". Que feio! A dama nunca deveria ter tido necessidade de impor condições. Ele próprio deveria ter feito essa oferta, e com a maior discrição.
Eu mantive o meu compromisso: há meses deixer de ver as "outras", não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas. Que grosseria mencionar novamente esses relacionamentos, e é um insulto ele sugerir que a senhora pudesse ser uma delas.
Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e "generoso", me aquietasse com seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. A frase malconstruída, e ele está falando com a pessoa errada: o amor não deveria ser usado como remédio para o mal-estar dele e a outra não está lá para curá-lo. Ao contrário, ele deveria estar cedendo, estar enaltecendo a outra, elogiando-a e respeitando-a.
Achei que a escrita seria um remédio, que meu "desassosego" se dissolveria nela para encontrar você. Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Nunca use expressões excessivamente egocêntricas e pomposas acompanhadas de "mim", "meu" e "eu", como em "meu desassossego" e "o estado em que me encontro".
Então, esta semana, comecei a procurar as "outras". E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Esses comentários são inúteis, ofensivos e humilhantes.
Jamais menti para você e não é agora que vou começar. Bom, mas ele poderia ter economizado essas enfáticas declarações de honestidade e todas essas justificativas que mal conseguem mascarar a tremenda falta de consideração que ele tem pela outra.
Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Certamente. Não se deve confundir amor e amizade. São duas áreas cujos conteúdos são bem diferentes.
Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B..., R...). Pobre vítima! e compreensível (obviamente...); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.
Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade (hipócrita), pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Que expressão mais estranha; mais uma vez ele faz de si próprio o centro de tudo.
Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei (exatamente, teria sido melhor se essa "maneira" tivesse sido bem diferente), desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá. Sublime!
Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro (comentário muito presunçoso. Além disso, esse tal amor que ele sente não é sinônimo de respeito nem de compromisso emocional, aparentemente).
E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez (de novo, o termo soa supérfluo e tem um tom repressor) como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único. Infelizmente, é impossível ficar contente com isso.
Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente. Sim, claro: culpe a sua mãe, o padre, o presidente, a Madonna, ter lido Don Juan, os tumultos na periferia e sei lá mais o quê.
Cuida de você. Finalmente, ele está pensando em alguém além dele mesmo.
Aliette Eicher, Condessa Von Toggenburg, consultora de etiqueta e protocolo

1 De um título para essa história.
2 Quem é o herói da história?
3 Qual é o elemento perturbador?
4 Como o herói quebra o pacto?
5 Como ele decide resolver seu problema?
6 Dê outro final para a história.
Laure Guy, professora de educação infantil

A primeira coisa que me chamou a atenção na carta de X foi ele ter optado por expressar sua decisão unilateral por escrito, como se estivesse preocupado que uma discussão ou confronto com a protagonista pudesse minar sua determinação de terminar o relacionamento que parece ser importante para ele, mas com o qual ele não consegue mais lidar.
Como em qualquer negociação conduzida segundo um acordo, os termos de referência são bastante claros: ser a única amante, e no caso de rompimento, deixar de se ver. Dada a violação das resoluções previamente estabelecidas e pelo fato de, devido a um tipo de angústia existencial, X ter começado a ligar para as outras e a vê-las novamente, terminar parece ser a decisão óbvia a ser tomada.
É de estranhar que X pareça sinceramente apegado à protagonista e perturbado com a sua decisão, porém, incapaz de renegociar novos termos de referência ou, podemos dizer, novas condições para o contrato amoroso.
Irremediável é o termo que melhor representa a situação na qual X se encontra, e que justifica sua decisão.
Leila Shahid, diplomata

O candidato tem um discurso intrincado.
Tenta ao mesmo tempo se explicar e se desculpar para evitar e para jogar a responsabilidade nos outros. Para ele, seria adequada uma posição na qual talento para escrita fosse bem aproveitado. Porém, sua admirável capacidade de dispensar - "Gostaria que as coisas tivessem tomado rumo diferente. Cuide de você" - poderia ser bem útil ocasionalmente para empresas que estejam passando por uma reestruturação... na esperança de que não causasse muitos protestos nos sindicatos...
Christine Cellier, headhunter

Eu a li e prestei bastante atenção nas palavras. Um homem está falando com uma mulher sobre os sentimentos dele.
Ele escreve para dizer que quer se separar dela. É bom, mas é complicado.
Tem umas palavras dífíceis: irremediável e farsa. Eu acho que ele a ama.
Ele diz que a amará para sempre.
Se ele a ama, eu não sei por que ele está deixando ela. Fala de divórcio.
Ele diz que está vendo suas outras amigas de novo.
Ele diz que gostava que as coisas tivessem tomado um rumo diferente. Isso quer dizer que as coisas não vão terminar bem. É triste.
Ambre, 9 anos e meio, estudante

Covardia ou sublimidade?
Eliette Abécassis, intérprete do talmude

Ativo total - Nunca deixarei de amar você - 344 000
Passivo total - Jamais poderia me tornar seu amigo - 344 000
Sylvie Roch, contadora

Ele se acha!
Anna Bougeureau, adolescente

Minha querida
Creio que ele realmente é, e sempre será, um homem letrado, e não um homem simples. Entendo sua tristeza e, apesar de tudo, não estou surpresa com essa carta que cheira a auto-obsessão.
Bem, em sua defesa, ele faz tudo apropriadamente: "desassossego" (não é mau), "farsa" (trágico), "irremediável" (solene)...
Ele certamente tem talento literário, e isso é uma bênção! Incorporar um Benjamin Constant e escrever uma carta de rompimento na qual a palavra principal, AMOR, é conjugada em todos os tempos do indicativo. Como diria Woody Allen: "Todos dizem 'Eu te amo.'"
Compartilho do seu desapontamento com tudo isso, mas não precisa fazer drama.
O seu "amor" durou apenas três ou quatro estações e vocês sequer chegaram a morar juntos. Se você tivesse ficado 25 anos com um homem e depois fosse trocada por uma garotinha por causa da crise da meia-idade, essa seria uma situação clássica, e muito mais dolorosa. Pense que o que você tem em mãos é o melhor tipo de carta.
Um músico teria dito que ouviu uma nota errada em seu coração. Um encanador teria falado que seus sentimentos estão vazando pouco a pouco, um eletricista teria mencionado um repentino "curto-circuito" e um representante de uma loja de eletrodomésticos teria recorrido ao fim da garantia.
Lembremos de antigos provérbios: "antes só do que mal-acompanhada", "há males que vêm para o bem", etc.
Linda, famosa e inteligente como você é, logo você encontrará alguém melhor. Falando em "levar o fora", lembro de quando eu era mais nova e tive que lidar com "Eu não mereço você". Depois, eu tive mágoas piores, mas eu me arrependo dos meus arrenpendimentos. Apesar da humilhação e da raiva, havia sempre uma necessidade de tirar o melhor da situação, o que eu certamente fiz. Você deixa, você é deixado, esse é o nome do jogo, e para você esse rompimento pode ser fonte de inspiração para uma nova obra de arte - estou errada?
Amo você
Sua mãe
Monique Sindler, jornalista, mãe de Sophie Calle

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