segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Reencontrar música

Revivi parte das músicas que meus pais gostavam e na minha meninice eu ouvia em casa. Sons tão diferentes: Callas, Chico Alves, rapsódia húngaras, óperas, Tom Jobim, Yehudi Menuhin, Silvio Caldas, Verdi, Elis Regina, Nelson Rodrigues, Nat King Cole, tangos, Doris Monteiro... Pensei sobre o mundo a ser resgatado, relembrado e apreciado.

Mudando de conversa onde foi que ficou aquela velha amizade, aquele papo furado todo fim de noite, num bar do Leblon
Meu Deus do céu, que tempo bom!
Tanto chopp gelado, confissões à beça
Meu Deus, quem diria que isso ia se acabar e acabava em samba, que é a melhor maneira de se conversar
Mas tudo mudou, eu sinto tanta pena de não ser a mesma, perdi a vontade de tomar meu chopp, de escrever meu samba
Me perdi de mim, não achei mais nada, o que vou fazer?
Mas eu queria tanto, precisava mesmo de abraçar você, de dizer as coisas que se acumularam, que estão se perdendo sem explicação e sem mais razão e sem mais porque
Mudando de conversa onde foi que ficou aquela velha amizade, aquele papo furado todo fim de noite num bar do Leblon
Meu Deus do céu, que tempo bom!
Tanto chopp gelado, confissões à beça, meu Deus, quem diria que isso ia se acabar
E acabava em samba, que é a melhor maneira de se conversar






Lá se vai mais um dia assim e a vontade que não tenha fim, este sol
É viver, ver chegar ao fim essa onda que cresceu, morreu aos seus pés
E olhar pra o céu que é tão bonito e olhar pra esse olhar perdido nesse mar azul
Uma onda nasceu, calma desceu sorrindo, lá vem vindo, lá se vai mais um dia assim
Nossa praia que não tem mais fim, acabou.
Vai subindo uma lua assim
E a camélia que flutua nua no céu






Cara de palhaço, pinta de palhaço, roupa de
palhaço
Foi este o meu amargo fim
Cara de gaiato, pinta de gaiato, roupa de gaiato, Foi o que eu arranjei pra mim
Estavas roxa por um trouxa pra fazer cartaz, na tua lista de golpista tem um bobo a mais
Quando a chanchada deu em nada eu até gostei e a fantasia foi aquela que esperei
Cara de palhaço, pinta de palhaço, roupa de palhaço

Pela mulher que não me quer, mas se ela quiser voltar pra mim vai ser assim
Cara de palhaço, pinta de palhaço, roupa de palhaço até o fim.

Conversa mãe e filho

Ah, filho, domingo você foi meio duro na nossa conversa durante a caminhada de volta do almoço. Você começou por citar um, dois infelizes gatos pingados, que não servem de parâmetro pra nada positivo ou favorável e seguiu adiante, com exemplos sem fim de vários casais conhecidos há anos: É isso que você quer, mãe? O jeito desse, o comportamento daquele, a situação desses, ficar como a tia Pafúncia, a tia Pirilampa... - todas casadas há décadas e sem perspectiva alguma de felicidade - e você descrevia exatamente o que vai por dentro da cabeça delas! Fiquei impressionada quando você relacionou, uma a uma, as piores pragas conhecidas ao longo de vinte e tantos anos de vida profissional e me fez imaginar o que seria conviver com determinados psicóticos pelo resto dos meus dias. Me assustou até, filho. Em resumo, você concluiu com extrema clareza e propriedade, que é muito melhor ser independente. Eu olhava para você, enquanto articulado você expunha suas ideias inéditas, e ora eu percebia uma certa aspereza típica do homem médio - não foi assim que eu criei você! - ora eu percebia um desencantamento com a vida a dois - também não foi assim que eu criei você! - e no tempo em que escrevo, reconheço a honestidade e a firmeza de suas palavras, além da certeza que você mantém, de que sua mãe é feita de matéria diferente e resistente à tudo, ou quase tudo. Entendi, filho. Concordo também. Embora não se trate de tema habitual, tampouco de fundamental importância, e tenha sido sua reação natural ao meu carinhoso comentário sobre um casal de idade, que na mesma calçada voltava de alguma igreja ou sinagoga do bairro, resolvi comentar agora, algumas coisas que você talvez ainda não tenha percebido sobre sua mãe: Tenho lentes cor-de-rosa e gosto delas, não para uso diário, senão eu estaria próxima ao retardamento mental, mas para momentos fundamentais da vida; acredito em determinadas coisas, filho, por intuição ou qualquer outra força interna que nos é soprada no momento de nosso nascimento; enquanto você amadurece cada vez mais, sua mãe - e não preciso comentar meu comportamento, tampouco minhas reações diante de determinadas situações ao longo de tantos anos, você as conhece muito bem - mantém a garota que sempre foi. Eu sei que vivemos fase passageira e inédita nossa, prévia à vida futura com novas pessoas que se agregarão à nossa dupla - pela primeira vez nas nossas vidas somos nós, com o cão a nos colocar em ordem. Pela primeira vez experimentamos conceito perfeito de liberdade. Amanhã, filho, o mesmo tema estará renovado em situações diferentes, complementares e bem realizadas. Não somos ilhas e não temos ideais exclusivos, filho. Há muitas pessoas que compartilham de nossas crenças e valores. Acredite.

domingo, 27 de setembro de 2009

Imaginação




Isto saiu do seu celular?
Mais essa, já não basta esse aparelhinho controlar sua vida?


Para a turma 'sem meu celular não sei viver', uma parte do futuro: Um holograma projetado sobre um cel 3D

Start fresh

O não ter que

Que graça tem acordar domingo às 5 horas da manhã? Toda a graça do mundo. Acordar com o silêncio do despertador, abrir os olhos, ver a formação das cores do dia, espreguiçar, sorrir, sentir paz, não ter obrigação, não ter nada a cumprir, o não ter-quê, escolher entre o sono retomado e o levantar, entre o aconchego e o iniciar, aconchegar o início de novo sonho. A liberdade simples, a independência do nosso tempo e das nossas atitudes, optar entre o silêncio e o falar, optar pelo permanecer, optar pela harmonia é tesouro sagrado pessoal e intransferível. É a plenitude inexplicável. É o ser.

sábado, 26 de setembro de 2009

Dual

Ele é anjo pleno de candura. Bobo de tudo, atrapalhado, bagunceiro, ingênuo, crédulo, fiel, brincalhão, mas mexa com os dele, mexa. É assim que surge a fera.

Imagem de Florenzo Maffi

Rapidelas

A coerência é necessária, o nexo entre ideias, ditos e ações é fundamental. A preservação da lógica, a bendita lógica, permite às pessoas o entendimento, o conhecimento, fontes fundamentais, base de pensamentos, comportamentos, relacionamentos, atitudes e soluções, responsáveis pelo desenvolvimento e pela harmonia. Melhor ainda o desenvolvimento em harmonia. No mínimo, devemos ser coerentes.

Tirei três pedaços de carnes diferentes do freezer e tenho seleção de ervas frescas, responsáveis pelo natural comentário da senhora que as colocou nos saco do supermercado: Que cheiro gostoso! Que frescor! Cozinhar nada mais é do que juntar as coisas certas na medida certa. Com a vantagem da variedade de coisas certas que existem à disposição e das coisas certas por descobrir. Cozinhar é um constante renovar.

São ideias paradoxais, antagônicas. Ora, como esquecer para ser livre e lembrar para evitar. Ou esquecemos e nos libertamos, ou nos lembramos, mantemos a vigilância e evitamos. Talvez a coisa toda não siga por aí. Quiçá (chega a ser engraçado lembrar-se do quiçá), possamos alcançar o esquecer especial, o esquecer mágico, responsável pela transferência do que deve ser esquecido, portanto evitado, para mundo distante, inexistente. O esquecer suave, paradoxalmente eficaz, responsável pela libertação plena.

Sim, está tudo dentro de nós, em compartimentos organizados de acordo com a vivência de cada um. Há os que demoliram as estantes, os casulos, ou o que quer que tivessem para organizar a bagunça interna e misturam tudo, numa salada cósmica sem fim e sofrem, coitados, ou são felizes e alienados. Sem dúvida está tudo dentro de nós. Você sente a energia, você sente a vibração, você percebe a intenção e para sentir você entra em sintonia. A fase da sintonia requer imenso cuidado para evitar que seu interior se projete na sintonia do outro e passe a vibrar na mesma escala. Cuidado. Para sentir entramos em sintonia o suficiente para entender intenções e em seguida emergimos para o nosso campo. Um mergulho rápido o suficiente, devidamente protegidos por escafandro imaginário. Percebeu? Entendeu? Sentiu o outro? Então, saia. Vá a algum lugar que lhe agrade, leia trechos de livros que lhe interessem, se alimente de forma saudável. Ouça música, mude o enfoque, reencontre a graça interna, o sopro divino que nos salva, a própria estima e regresse ao mesmo mundo, totalmente transformado por sua graça. Leveza e suavidade não são condições inatingíveis, ao contrário, estão dentro de nós.

Fluidez. Somos tão tolos ao desconsiderarmos a natural fluidez.

Às vezes a beleza cultuada é burra, plena de sacrifícios insalúbres e resultado duvidoso. Puxe Louis, puxe mais! É para você (seu idiota) que eu quero ficar cada vez mais bela.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O mínimo do máximo


ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga

ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa

Pasta, lamb, marble pestle and mortar

I cannot tell you what a difference having the right kitchen gear can make to your cooking. When you're properly prepared and have the right tools for the job, cooking is an absolute pleasure.
Jamie Oliver

Just a marble pestle and mortar. Not a big one, neither a small.
A non-porous marble pestle and mortar to avoid the strong smell that usually remains.



Jamie Oliver's recipes:

Barbecued lamb lollipops with spiked hummus and nuts

This is perfect summer food when you’ve got a few mates round – just pile it all on a board in the middle of the table and dig in! It’s good fun food and your mates will be blown away by the combination of lemony hummus, spicy harissa and crunchy nuts. This really is summer eating at its best – just don’t forget to serve up a few ice-cold beers on the side! Start by getting your barbecue going – it’ll need about 45 minutes cranking away until the heat has mellowed enough to cook your lamb chops. On a big chopping board roughly chop the thyme leaves. Bash the fennel and cumin seeds in a pestle and mortar with a good pinch of salt and pepper then sprinkle them over your chopped thyme on the board. Rub the lamb on the seasoned board so the spices stick to it. Once the chops are well coated, drizzle each with a little olive oil then pop onto the barbecue, turning every couple of minutes for about 8 to 10 minutes in total. Meanwhile, put your hummus into a bowl with a little squeeze of lemon juice and 1 tablespoon of harrissa. Mix well. Bash the toasted nuts and seeds in a pestle and mortar. Put your salad leaves in a bowl and dress with a good squeeze of lemon juice and a drizzle of extra virgin olive oil. Toss together. By this time your lamb chops should have had 8 to 10 minutes and be perfectly cooked. Press the meat with your finger - if it gives it’s medium rare, if it doesn’t it’s well done. Get yourself a big board and spoon your lemony hummus on to one side, top with the remaining harrissa and drizzle with extra virgin olive oil. Pile your salad and bashed nuts in separate plies on the board too, then stack your chops on the board, get your friends round the table and dig in.

Chicken and mushroom pasta bake (spaghetti tetrazzini)

I remember meeting a lovely old couple outside my parents’ pub and when they heard I was going to Italy they told me to make sure I cooked turkey tetrazzini – I hadn’t a clue what they were talking about and then, by chance, I saw a recipe for chicken tetrazzini in an old Italian cookbook and it’s great – really tacky but gorgeous! Here’s my version...
Preheat the oven to 200ºC, 400ºF, gas 6. Put your porcini mushrooms in a bowl and pour over just enough boiling water to cover them (approx. 150ml/5½fl oz). Put to one side to soak for a few minutes. Heat a saucepan big enough to hold all the ingredients, and pour in a splash of olive oil. Season the chicken pieces with salt and pepper and brown them gently in the oil. Strain the porcini, reserving the soaking water, and add them to the pan with the garlic and fresh mushrooms. Add the wine, with the strained porcini soaking water, and turn the heat down. Simmer gently until the chicken pieces are cooked through and the wine has reduced a little.Meanwhile, cook the spaghetti in plenty of boiling salted water according to the packet instructions and drain well. Add the cream to the pan of chicken, then bring to the boil and turn the heat off. Season well with salt and freshly ground black pepper. Add the drained spaghetti to the creamy chicken sauce and toss well. Add three-quarters of the Parmesan and all of the basil and stir well.
Transfer to an ovenproof baking dish or non-stick pan, sprinkle with half the remaining cheese and bake in the oven until golden brown, bubbling and crisp. Divide between your plates, drizzle with extra virgin olive oil and sprinkle with the rest of the cheese before serving.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Moinho de versos movido a vento



Pipas no céu entre pássaros de penas asas de papel

Andar. Andar sempre. Andar para exercitar o corpo e aliviar a mente. Andar para equilibrar a energia, exorcizar demônios, botar todo fel recebido para fora pelos poros. Andar para esvaziar a mente, colocar ideias em ordem, esclarecer sentimentos. Andar para chegar.
Às vezes me sinto tão cansada, fraca, sem fôlego, nem vontade, tudo parece pesado, mas forço as pernas, presto atenção no passo, nos buracos da calçada e, de repente, as pernas adquirem vida própria e a mente parte para outros lugares como se mente e pernas fossem de duas pessoas e o cansaço, a fraqueza, a falta de vontade somem, desaparecem como se jamais tivessem existido. O ânimo surge renovado. Depois da caminhada refaço a vida.
Ontem foi o dia mundial sem carro. São iniciativas válidas, ainda mais se existirem alternativas também válidas. Ouvi vários comentários. Para levar as filhas pequenas à escola uma amiga deveria pegar dois ônibus - dois ônibus lotados com as pequerruchas tão encantadoras quanto animadas. O comentário de um conhecido, que leva quinze minutos para ir de casa ao trabalho de carro foi mais enfático: Ônibus, metrô, algumas quadras a pé e assim continuaram as conversas durante o dia.

Na cidade de São Paulo a malha metroviária possui 61,3km. Paris, que é do tamanho de um bairro paulistano, tem 213 km de metrô. O metrô de Londres tem 400km, o de Madrid 284km, Tóquio 305 km e o metrô de Moscou tem 293km. O
metrô parece a melhor solução. Não adiantam campanhas ou ações governamentais para proibir a circulação de carros, se não existem soluções alternativas eficazes, muito menos segurança para caminhar.
Quarta feira da semana passada, na hora do almoço, um rapaz alto com um revolver automático na mão gritava com um senhor de idade avançada e exigia a entrega da carteira, do relógio, numa esquina da movimentada alameda Santos, poucos metros distante do postinho da polícia militar.

Andar sempre. Sem medo.
Poema de Alice Ruiz
Imagem de Doisneau

terça-feira, 22 de setembro de 2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

It don't mean a thing (if it ain't got the swing)




It's a put your hands over your ears erase your fear science

And so it happened I found myself
for the first time in two years
propping up the bar of the Three Tuns
in Borehamwood, not really
my local, only I’d not got
much choice, I was thinking
as I pulled out the only five-pound note
I’d seen all year, uncurling it
on oak like a revelation when
some bloke tapped my elbow
as they would in the days before
I changed my clothes
to white sheets, black shoes.
So where’re you from, love?

I presumed the startled look meant
he knew the place, so as he choked
on his third Guinness I recounted
how, barely an hour ago, I had
unveiled and crept below
the level of the hedge to avoid
setting off the lights, thereby
alerting the nuns who would
otherwise have had to summon
a committee to determine whether
permission should be granted
or not on this occasion; and why
I felt the need to leave the grounds
at all. Why indeed, I thought, as I
tiptoed back to aforesaid hedge
in the only pair of heels

I’d kept. Exactly when
they took against me was
hard to say as I’d scrubbed
enough floors in my time and
cooked a hundred pies, picked up
all the leaves in autumn, one
by one, visited the elderly, sick
and dying, led vespers, sang and read.
The thought I might be,
well, writing a book was
a little troubling.

So when I tried to apply
to travel the two hundred and
sixty miles to spend one day
with my mother who was
dying in the hills, the Superior said
she must be really ill for you
to even think of asking.
When they finally voted me
out, in my own time, of course,
but preferably before the 4th,
I could think of only one reply
as to ‘whether I’d be able
to re-adjust without help’:
not in these shoes.

Queremos desabrochar de um jeito ou de outro

domingo, 20 de setembro de 2009

Atenta à ousadia das estrelas no alto

quando celan visitou heidegger, e passearam
pelo bosque antes da chuva, ao despedir-se escreveu
no livro da casa sobre a esperança de uma
palavra a vir no coração. e repetiu em todtnauberg,

dois anos antes de morrer, a referência obscura
à linha escrita nesse livro, de uma esperança, então, de que,
a um ser pensante?, de um ser pensante?,
viesse uma palavra no coração. no coração, no lugar onde

a palavra reconcilia por lá se encontrar desde antes,
esperadamente. ao coração, seria menos visceral.
ou já lá estava pronta a vir ou não valia a pena
fosse quebrado o silêncio em tanta expectativa.

as raízes do fogo e do sangue são as raízes
violentas do poema, no seu magma revolto de estranhezas
ou nalguma ténue chama azulando-se em sílabas
delicadas como asas. instalada no coração,

uma palavra, uma oferenda de música e plantas silvestres,
viria a irromper do orvalho, benfazeja, transportando
se não o esquecimento, a paz. uma palavra.
tudo o que celan pedia e não sabemos se obteve

e talvez ainda procurasse numa noite de abril, no rio sena.

* * *

o suporte da música pode ser a relação
entre um homem e uma mulher, a pauta
dos seus gestos tocando-se, ou dos seus
olhares encontrando-se, ou das suas

vogais adivinhando-se abertas e recíprocas,
ou dos seus obscuros sinais de entendimento,
crescendo como trepadeiras entre eles.
o suporte da música pode ser uma apetência

dos seus ouvidos e do olfato, de tudo o que se
ramifica entre os timbres, os perfumes,
mas é também um ritmo interior, uma parcela
do cosmos, e eles sabem-no, perpassando

por uns frágeis momentos, concentrado
numa ponto minúsculo, intensamente luminoso,
que a música, desvendando-se, desdobra,
entre conhecimento e cúmplice harmonia.

sábado, 19 de setembro de 2009

Tarde cinza toda azaléia arde em rosa

Achava duvidosa a beleza de Afrodite, a Vênus de Milos, um tanto gorducha para o meu gosto e jeito, com o nariz o queixo e os olhos gregos demais, os braços cortados por algum bárbaro sem qualquer noção ou emoção estética (qual seria a posição original de seus braços?), a figura feminina tão longe do que eu achava ser ideal. E hoje fico fascinada com essa escultura, a ponto de escolhe-la representação, imagem.

Poema de Alice Ruiz

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Mosaico

Pensei sobre meu atraso ao assistir Elegy há pouco, o mesmo em relação à peça de Clarice Niskier. Busco as datas das duas estréias, atualizo minhas leituras, assisto a outros filmes, troco mais palavras, mais energia e aos poucos, com calma, coloco a vida em dia. Seria impossível assistir Elegy no ano passado, assim como seria impossível apreciar a adaptação da alma imoral há dois anos. É impossível no vapt-vupt refazer mosaico tão precioso, com o pedaço de cerâmica da diuturna assistência à pessoa tão querida com Alzheimer, tampouco a concha da exumação do pai, o pedaço de mármore do enterro da mãe, o caco de vidro da tristeza do total desamor, o pedaço de pedra das mentiras descobertas, a lasca de cerâmica do câncer e o desenho do mosaico vazio dentro da gente, esquecido num canto para não atrapalhar a retomada, alguma retomada. Amorosamente as tesselas preenchem os vazios e o desenho adquire forma. Belíssima forma.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A alma imoral

Em novembro de 2007, minha amiga-mana, que mora no Rio de Janeiro, mandou de presente por sedex o livro A Alma Imoral de Nilton Bonder. Leitura benvinda, ideias aparentemente antagônicas e paradoxais, que em parte me lembraram algumas obras de filosofia devoradas com prazer pelo bom senso que propagavam.
Há no texto entendimento diferenciado sobre o certo e o errado, o bom e o correto, o correto e o justo, a obediência e a desobediência, a tradição e a traição e a alma, ao poucos, deixa de lado sua conceituação ligada à pureza, para assumir sua ousadia, sua capacidade de transformação.
Um tempo depois, Clarice Niskier estreou sua peça homônima no Rio de Janeiro, minha amiga-mana assistiu e telefonou para que eu não perdesse a apresentação dessa peça em São Paulo.
Há meses o monólogo A Alma Imoral está em cartaz no teatro Eva Herz, na livraria Cultura, e há meses eu ensaio minha ida, postergada por uma série de tentos que dou para colocar a vida no compasso querido. Na segunda passada, após o almoço, providenciei o ingresso e na quarta à noite eu fazia parte da platéia encantada com Clarice e com sua adaptação do texto de Nilton Bonder.
Clarice se apresenta como judia budista, para desespero de dona Léa, a quem a atriz responde através da peça com maestria.
Clarice Niskier passou a chamar minha atenção no filme Feminices (2005), de Domingos de Oliveira, pelo seu personagem Eugênia, desempenhado de maneira natural e convincente.
Hoje, no teatro, está uma mulher de cinquenta anos que se entrega, despojada, afetiva, generosa em seu ofício, emocionalmente envolvida com o texto, bem humorada nas piadas tipicamente judaicas, nua em cenário também nu, que tem como único figurino um tecido preto que utiliza de acordo com o texto e em muito se assemelha ao padrão da vestimenta grega clássica. A nudez de Clarice não é amoral, nem imoral, tampouco choca ou agride. Ela assume a própria alma essencialmente livre, plena de imoralidade sensata ao trair a tradição, ao transgredir para evoluir e nos transmitir a noção da perpetuação através da ruptura. Segundo o autor do livro “era importante que a nudez não fosse o objeto do olhar de todos e Clarice conseguiu. Ela reflete a ousadia do texto, cenicamente, com a nudez. E todos entendem.”
Do começo ao fim da peça ela fala conosco. No início, com todas as luzes do teatro acesas e antes do término da peça, entre uma parábola e outra que ela nos conta, ao atender, por meio de uma única palavra do texto dita por qualquer um de nós, a repetição das partes que mais nos interessaram. Um monólogo mais comunicativo do que muitos diálogos que, às vezes, insistimos em manter.
 
Toda a compreensão que temos dos outros deriva de nós mesmos. Quando nos identificamos com alguém e podemos aceitar sua forma de ser, significa que encontramos em nós mesmos elementos semelhantes ao outro. Identificamo-nos com os outros quando entendemos existir em nós as mesmas limitações, angústias e ansiedades que experimentam. Por esta razão, para que este mundo seja mais tolerante é fundamental que as pessoas se conheçam mais. O autoconhecimento é um dos movimentos políticos menos reconhecidos e computados nas análises das forças que transformam este mundo. A paz só é possível entre pessoas que se conhecem.

Nossa tarefa é procriar e também transcender a nós mesmos rompendo os limites. Ao transcender os limites, muitas vezes traímos a tradição e criamos a condição vital para a continuidade da nossa espécie. A alma imoral, seria a alma transgressora, traidora dos parâmetros existentes, que nos impulsiona para o futuro e alicerça a evolução.

Não existe tradição sem traição, assim como não existiria traição sem tradição, duas palavras com escrita e fonética tão semelhantes quanto são interligadas em seu significado mais profundo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Todas as letras

Feijão quer dizer feijão, não quer dizer abobrinha, tampouco jiló. Algodão não é pedra, águia não é elefante, nem andorinha. A gente pega um punhado de letras e com elas forma palavras para entender e ser entendido. Entendido?
A gente pega um punhado de letras e com elas forma palavras e pega um punhadinho de palavras e forma sentença curta, fácil de ser entendida, correspondida. Atendido?
Às vezes no punhado de letras, tal qual no punhado de feijão, aparece uma pedrinha, uma arroba estranha que não deveria estar, e as letrinhas se perdem no meio de algum lugar. Entendido? Atendido? Sentido?
Sentimento?
Tolinha, esse jogo de letras e palavras e sentenças não é problema seu. Não é.

Imagem de Thomas Farkas

Intuitivo e inconsciente integrados

Leio a theogonia da turma do Olimpo para compreender motivações, causas e efeitos e me encontro impregnada pela origem de tantas e tão complexas figuras. Mas hoje, ah! Hoje pensei em Perseu. Pensei em Perseu, na ajuda recebida de Pallas Athena e na engenhosidade do filho de Zeus para acabar de vez com a terrível Medusa. Hoje pensei em Perseu.

Eu amo a doçura do mundo

Nada contra qualquer figura geométrica, nem desconsideração pela estética do formato quadrado: rosto quadrado, cabelos, pés, mãos, cabeça quadrada, mas percebo e quero distância saudável de mentes quadradas.
Mentes quadradas lembram esfinges famélicas, sem o esforço da pergunta, que devoram vítimas incautas. Se perguntam algo, as mentes quadradas não querem ouvir resposta alguma e, muitas vezes, perguntam para disfarçar o próprio desconhecimento da resposta correta. Mentes quadradas sustentam corações quadrados, e esses, não consideram ninguém.

domingo, 13 de setembro de 2009

Elegy

Antes de escrever sobre o filme Elegy (2008), de Isabel Coixet, li textos, encontrei imagens e com alegria redescobri o jeito diferente, o pensamento distinto, a interpretação incomum que desde garota tenho e agora reutilizo para criar esta salada de palavras, ideias, sentimentos e percepções.
Começo pelo título equivocado no Brasil: Fatal. O que é fatal nesse filme? Acredito que seria pertinente a manutenção, ou tradução, do título original: Elegy, elegia, poema terno, triste, canção de lamento, manifestação
tão especial, a ponto de ter sua própria musa mitológica. Esse filme é um poema triste.
No texto divulgado num site bem conhecido encontrei a seguinte frase: “O filme retrata obsessão sexual entre professor e aluna”. Uau! Então, fatal seria a aluna voluptuosa e incontrolável chamada Lolita (sim, ai vai um trocadilho sem graça), sedutora do pobre, insatisfeito e infeliz professor de meia idade, ou, fatal seria o experiente professor atraente fauno inveterado, sedutor de todas as alunas ingênuas e 'semi-ingênuas'. A maioria das imagens publicadas enfatizam de forma vulgar a nudez de Penélope Cruz e em momento algum do filme há sequer uma faísca de vulgaridade.
David Kepesh (Ben Kingsley), sessenta e dois anos, famoso professor de literatura, apresentador de programas culturais televisivo e radiofônico, reconhecido e respeitado em Nova York, tem as características e o comportamento de um conquistador: Considera-se emoc
ionalmente imune, protege-se de eventuais investidas, cria o momento exato para conquistar sua escolhida, cuida de seu território, é fotógrafo diletante e mantém as imagens de suas conquistas, é charmoso, culto e desenvolveu seu procedimento padrão: Todo ano, ao final do seu curso, ele promove uma festa em seu apartamento e sempre termina com a ex-aluna escolhida em sua cama.
Para ele a beleza feminina deve ser contemplada e desfrutada como uma obra de arte. A coerência de seu comportamento está no único casamento desfeito quando ainda era jovem - logo, não existe a desgastada personagem da mulher que tudo sabe e finge não saber - e no filho, o médico oncologista Kenny Kepesh (Peter Sarsgaard), com quem não consegue se relacionar.
Seu melhor amigo - também conquistador, mas não tão bem sucedido - é o professor e poeta George O’Hearn (Dennis Hopper) e seu porto-seguro Carolyn (Patricia Clarkson), inteligente, na faixa dos quarenta anos, empresária bem sucedida, independente, dois casamentos, vive em outro estado e foi sua ex-aluna, com quem David mantém duradouro relacionamento sexual e de confiança. Consuela Castillo (Penélope Cruz) é a aluna que chama sua atenção pela beleza e distinção, o perturba e cativa pela intensidade emocional e autoconfiança que possui.
George o aconselha a acabar com essa relação e Carolyn com ciúmes se afasta.

Consuela e David estão juntos há mais de um ano e ela lhe faz um único pedido, simples e fácil de ser correspondido, mas ele se sente incapaz de atendê-la, baseado na conscientização da velhice, na diferença de idade entre eles, nas críticas que ele imagina receber e no ciúmes que ele sente. Magoada Consuela se afasta.
Alguns anos depois, George morre, David sofre e Consuela reaparece com um novo pedido e a notícia sobre sua enfermidade. O sofrimento de David durante o período de distanciamento de Consuela o torna mais humano e a doença dela o torna solidário.

Elegy é baseado no livro O animal agonizante (The dying animal) de Philip Roth, que prima pela sexualidade e sensualidade dos personagens ("hedonismo harmonioso"), entremeado por divagações sobre casamento, traição, ciúme, velhice, separação, fobias, morte e outras tantas que comumente compõem nossas vidas. A sexualidade em primeiro plano, os pensamentos e sentimentos em segundo lugar, inversão que Coixet com maestria realiza no filme.
Mês que vem ele volta para dizer que não me suporta. E no mês seguinte também. E no outro mês também. No final das contas, não perdi meu filho. O pai dele acabou finalmente se tornando um recurso valioso. “Sou eu. Abre a porta, me deixa entrar!” Kenny não consegue ver a situação em que está com auto-ironia, mas acho que ele compreende mais do que dá a entender. Então ele não compreende nada? Não é possível. Burro ele não é. Não é possível que esteja até hoje traumatizado pela infância sofrida. Ele vai ficar fervendo por causa disso o resto da vida. Mais uma entre tantas ironias: um homem de quarenta e dois anos de idade, ainda dependente da existência de um menino de treze, ainda atormentado por isso.

Meu caso com Consuela durou pouco mais de um ano e meio. Só voltamos a sair para jantar fora ou ir ao teatro umas poucas vezes. Ela tinha medo da imprensa, medo de parar na page six, e por mim tudo bem, porque sempre que eu a via tinha vontade de comê-la na mesma hora, sem ter que assistir a alguma peça antes.

As fotos. Nunca vou esquecer de Consuela me pedindo para tirar aquelas fotos. Se houvesse algum voyeur espiando a cena, ele ia achar que era uma coisa pornográfica. Porém era o que pode haver de menos pornográfico no mundo. Não esqueça que Consuela não é a garota mais brilhante do mundo. Porque, se fosse, as fotos seriam outros quinhentos. Nesse caso, haveria táticas em questão. A estratégia dela seria algo a se pensar. Mas, em se tratando de Consuela, há uma espontaneidade semiconsciente em tudo que ela faz, uma integridade, ainda que ela não saiba exatamente o que está fazendo, ou por quê.

O mínimo de lucidez a respeito do sofrimento banalizado por essa nossa época sedada pela estimulação grandiosa da maior de todas as ilusões.

O grande fim, embora ninguém saiba o que é, se é que é alguma coisa, está chegando ao fim, e sem dúvida ninguém sabe o que está começando. É uma comemoração entusiástica de algo que não se sabe o que é. Só Consuela sabe, porque agora conhece a ferida da idade. Envelhecer é inimaginável para todos, menos os que estão envelhecendo, mas agora para Consuela é diferente. Ela já não mede o tempo como os jovens, contanto para trás a partir do momento em que tudo começou.

Quebrou-se a ilusão, a ilusão metronômica, a ideia tranquilizadora de que, tique-taque tudo acontece na hora certa. Agora ela tem uma consciência do tempo idêntica à minha. Tenho que ir. Olha, eu não tenho tempo, tenho que correr!

De bordado à colcha de retalhos, minha colcha: Isabel Coixet é talentosa cineasta espanhola, diretora de My life without me (2003) e La vida secreta de las palavras (2005), ambos com Sarah Polley, ambos tocantes, sensíveis e tristes, mas não menos primorosos.
No primeiro filme, uma jovem mãe descobre que está com câncer, tem dois meses de vida e pela primeira vez prioriza suas vontades. O que parece um tema batido se transforma pela visão sensível, detalhista, intensa e equilibrada de Coixet.
No segundo filme, uma jovem solitária cuida de um homem acidentado. O Passado, segredos, vínculos, superações, solidão e amor são as forças que conduzem essa bela obra
trabalhada com muita sutileza por Coixet.

Refinamento

Abaixo o texto publicado no blog de Roberta Sudbrack, talentosa chef, famosa por ter sido 'importada' para Brasília pelo então casal presidencial, Fernando Henrique e Ruth Cardoso, e responsável por resgatar, com extrema competência, a cozinha e os ingredientes nacionais nos inúmeros banquetes e nas refeições diárias servidas no Palácio do Alvorada - quem não se lembra do bom humor presidencial logo após apreciar o famoso picadinho preparado por Roberta? Escrevo sobre a 'importação' dessa talentosa chef para Brasília, porque, à época, eu estava no Distrito Federal e um dos prazeres de minha mãe (e meu também, pelo encantamento que eu sentia pelos ternos, sábios e inteligentes comentários de minha mãe) era a leitura das receitas de Roberta publicadas nas notícias sobre a vida palaciana, seguida pelos comentários maternos sobre a correção dos ingredientes escolhidos pela chef, a competência de suas criações e a qualidade das refeições Sudbrack. Se minha mãe elogiava alguém, principalmente os talentos culinários, era para ser muito considerado.
O primeiro livro de receitas, ou melhor, o primeiro livro sobre gastronomia que comprei foi Uma chef, um palácio da editora DBA, em 2001, obra adorável e elegante pela qualidade, pelas receitas esplêndidas, pelas belas imagens de Sérgio Pagano e pela história de Roberta e as fotos de sua família: Ela já cozinhou para reis, rainhas e outros chefes de Estado e de governo, entre eles Fidel Castro, que levou na bagagem a receita de Brie gratinado com alho poró e vinagrete de fambroesa que provou no Alvorada. O rei Juan Carlos da Espanha também se derreteu em elogios, escritos de próprio punho, no verso do menu do banquete preparado por essa jovem chef gaúcha, nascida em Porto Alegre, autoditada orgulhosíssima, que costuma contar, com os olhos brilhando, que aprendeu a cozinhar devorando livros.
Quanto ao sal - com a impaciência de portadora da 'genérica' síndrome de Hashimoto, que progrediu para pane geral, câncer e acabou por levar minha tireóide ao brejo - parem com esse absurdo em favor do sal refinado; parem de reger de forma tão equivocada a quantidade de iodo no sal comum, uma das causas do aumento de doenças da tireóide, e sequer pensem em proibir a venda da flor de sal.
A flor do sal vem da primeira e mais fina camada formada na superfície da maré salgada, durante a evaporação contínua. A extração artesanal da flor de sal é restrita a área reduzida e limitada a alguns meses do ano. Esse sal não sofre nenhuma transformação, além da secagem natural ao sol e contém 84 oligoelementos e micronutrientes encontrados no mar. O iodo orgânico contido no sal marinho não refinado oferece proteção ao nosso organismo.

O texto do blog de Roberta Sudbrack:
A flor de sal é um produto maravilhoso, uma pérola da natureza. Todo mundo sabe que eu sou fascinada pelas pérolas da natureza, por isso, há alguns anos atrás quando não se encontrava a flor de sal por aqui, eu trazia um estoque anual toda vez que viajava. Esse ano estive na França e pensei: “Não, não vou levar. Não precisa, agora somos um país desenvolvido, já temos acesso a esse tipo de ingrediente.” E não trouxe. Se alguém quiser saber qual é o meu nível de arrependimento basta me seguir no twitter: www.twitter.com.br/RobertaSudbrack. Estou fazendo até campanha: Salvem a flor de sal! Daqui a pouco vou ficar conhecida como a Chef das campanhas… Salvem o Mangarito! Salvem os quiabos! Salvem os maxixes! Enfim, a verdade é que o nível de arrependimento é enorme porque acabei de saber pelo meu fornecedor que não poderei mais comprar a flor de sal no Brasil! O porquê desse retrocesso? Uma lei de 1974 que determina que todo o sal consumido no Brasil receba uma quantidade a mais de iodo. Ora, adicionar iodo à flor de sal, um produto absolutamente natural e por isso mesmo sensacional, é que os franceses não vão! E nem devem! Vivamos nós sem a flor de sal e na onda do retrocesso… Ou, gritemos todos: Salvem a Flor de Sal!
Até

Comportamento outdoor


Surpresa cada vez mais encontro comportamento outdoor: Meu, sou, faço, fico, quero e divulgo o que vier à telha, não importa, nada importa. Comportamento outdoor para firmar condição, para firmar intento, para firmar status, para firmar sentimento que nunca precisou de outdoor algum para existir. Ao contrário, quando mais outdoor vejo, mais percebo o imenso vazio, o nada que se mantém outdoor.

sábado, 12 de setembro de 2009

Languor's whispers

I know I can’t mean
as much to you
as you me. I

don’t know. Your
meaning, your
meaning. Nothing

is secure, the idea.
Boundlessness.
Short of breath.

I know there’s who
and there’s… the idea,
the idea of who. I

don’t know. “I
don’t-feel-the-same-way” –
but you

trust me – entrust
confidences –
are right to.

A friendship of months
yet I kiss
as a friend,

almost a friend,
of years. I...
“try-to-keep-things-light”

and I hope.

* * *

*

Straps stripped,
tans’ stripes,
laps and lips, lush
soft locks.

Languor’s whispers
to longing, listening.

*

The release

of play and please,
quietly now allowed.

Two
perfects the crowd.

*

A lick, a life.
The lyric lazed within,
the link

of glow and glimpse,
the jewels
of just ourselves.

*

Lying in.

Lambency from shirk,
the glints
from whys and whines
(work), the shoosh
of sigh-by-sigh
drumming of the hum.

*

Friendless.

Hand-in-hand’s routine
routed, de-planned:
forwarder, franker, fresher,
serious leisure.

Louts – us –
dedicated layabouts,
blunt
and blameless (would-be).

*

Touch, and touch’s could-be
deep shallows, lap
and kiss, sense-sipping lips,
finger-tips.

*

The taste-sniff
sniff-taste
hear of here, the see

of near-bounded, no,
the near-boundless sea.

*

Touch, touch, touch.

Hopes, love, luck,
perfect just,
a right too much.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Ando um pouco acima do chão

Há quanto tempo você não chora um choro daqueles bem bons? Alguns anos, e não por falta de razões. Houve uma época em que se ia ao cinema e bastava aparecer uma criança castigada pelo destino e nossos olhos se enchiam de lágrimas. E se chorava também quando o final do filme era feliz, quando era infeliz; e se ia para o banheiro aos prantos quando na festa o homem que a gente achava que amava dançava com outra. Aliás, há quanto tempo você não chora nem por alguma injustiça ou maldade que fizeram com você? Ou vai dizer que a vida só faz te tratar bem?
Aprendemos a “segurar” quando levamos uma rasteira, sofremos a deslealdade de um amigo ou a traição do namorado, fingindo que a vida é assim mesmo, para dar uma de forte. Depois dos 35, não se chora nem quando se quebra a perna. Aprendemos a conter nossas emoções. Como os homens não choram, nós, mulheres, resolvemos nos igualar a eles, ficando tão duras quanto achamos que um homem deve ser – e alguns nem são.
Houve um tempo em que bastava que as mulheres chorassem para conseguir o que queriam – ah, bons tempos aqueles... Hoje, se uma mulher deixar transparecer alguma dor, mesmo que ele esteja fazendo as malas para deixá-la, o mínimo que vai acontecer é ficar falando sozinha. Homens costumam ter pavor a mulheres que se comportam como mulheres, a não ser naquela hora – aquela. Ou você nunca ouviu a frase “Ah, não vai agora dar uma de apaixonada”? Que vida!
O que um homem espera de uma mulher? Que ela seja quase como um homem, que entenda de economia, de política internacional, que se transforme em surfista, tenista ou golfista – segundo as inclinações dele, claro –, que tenha opinião sobre a seleção, seja independente financeiramente, e tão bonita quanto Fanny Ardant, tão feminina quanto Jacqueline Bisset, tão boa mãe quanto foi a dele, mas que na hora certa vire uma louca desvairada de desejo – por ele, claro. Simples, não?
Eles não sabem o que estão perdendo. Se tivessem um pouquinho mais de sabedoria, perceberiam que não há nada melhor do que um bom aconchego durante e depois de uma crise de choro. É preciso que as mulheres às vezes chorem, ou nunca poderão deitar a cabeça num ombro masculino, que é tão bom. Se ninguém mostra suas fraquezas, nenhuma relação pode existir, seja ela de amizade ou de amor – paixão é outra coisa. E as mulheres às vezes precisam de quem as console, só que os homens não sabem, já que elas não choram mais...

Danuza Leão


Imagem Bresson