domingo, 5 de outubro de 2008

Loves

"Al love is born within love
grows larger in its belly
spreads into its space, inhabits it
desires permanence, lays claim to time
prevails, enjoys its superiority
and as soon as it is satisfied with its gains
another love is born in its belly
grows larger, spreads into its space
threatens to tear it to pieces.
But sometimes lovers stop
feeding on their adversaries’ flesh
and exchange stone likenesses
that remain unaltered within the surrounding decay
and coexist without pointless hostilities
more or less amicably, like the busts
of rival leaders in cemeteries."

Titos Patríkios

Imagem Norman Rockwell

sábado, 4 de outubro de 2008

A magia da sopa


"Se Deus me dissesse para escolher a comida que eu iria comer no céu, por toda a eternidade, eu não teria um segundo de hesitação: escolheria sopa. Camarão, picanha maturada, salmão à Dali, os pratos mais refinados: tudo me seria insuportável após umas poucas repetições. Mas não é assim com as sopas. Posso tomar sopa por toda a eternidade, sem me cansar.
Minha relação com as sopas é mais que gastronômica: é uma relação de ternura. Elas me reconduzem à cozinha de minha casa de menino, ao fogão de lenha, às tardes de inverno. A janta (janta, mesmo; jantar é coisa de rico) era servida às 5 da tarde. Ah! Uma sopa quente que se toma numa tarde fria é uma lareira que se acende no estômago. O calor, aos poucos, se espalha pelo corpo. Com umas gotinhas de pimenta, então, ele se transforma em suor, e se a gente não usa o guardanapo a tempo, as gotas de suor na testa acabam por cair no prato da sopa...
Para mim a sopa é um sacramento de intimidade: um objeto físico, presente, no qual vive uma felicidade que se teve, ausente. A sopa quente me transporta para outros lugares, outros tempos. Faço e gosto de sopas frias. Sopa fria de maçã, por exemplo, tem um sabor exótico. Agrada-me ao paladar. Mas falta a essas sopas sofisticadas o elemento sacramental: elas não me levam a lugar algum. Falta-lhes o calor para me reconduzir ao espaço de intimidade.
Sopa é comida de pobre. Sopa fina, creme de aspargos, creme de palmito, sopa gelada de maçã, é nobreza posterior. As sopas fundamentais se fazem com sobras. Sobra, é só pobre quem guarda. Sopa é comida de guerra, de fome, quando qualquer raspa de comida é bem precioso, que não pode ser perdido. Rico não guarda sobra. Não precisa. É humilhante. Sobra de rico vai para o lixo. Sobra de pobre vai para o caldeirão de sopa. As sopas fundamentais se fazem com sobras, destinadas ao lixo. A sopa é uma poção mágica por meio da qual o que estava perdido é salvo da perdição e reconduzido à circulação da vida e do prazer.A imaginação de Bachelard diz que a matéria também imagina. A água imagina arcos-íris. As sementes imaginam flores e árvores. O mármore imagina ‘Beijos’ (Rodin) e Pietás (Miguel Ângelo). O rios imaginam nuvens (Heládio Brito). As comidas também imaginam. O churrasco imagina espetos, facas, garfos: objetos fálicos, masculinos, infernais. O churrasco precisa de perfurações, cortes, dilacerações. As mandíbulas lutam com a carne. A carne resiste.
Já a sopa é mansa. Não é para ser comida. A colher é um côncavo, um vazio, o feminino. Nada é perfurado. O gesto é o de ‘colher’: a colher colhe, sem violência. Sempre tive implicância com uma etiqueta snob, para a tomação de sopa: que o delicado é tomar a sopa com o lado da colher, e não com o bico. Ora, ora - eu argumentava - por analogia a gente deveria comer comida sólida com o lado do garfo - o que não é possível. De fato. Não é possível. É que o garfo pertence à ordem dos talheres pontiagudos, perfurantes: entram pela frente. A colher pertence à ordem dos talheres discretos e modestos: entram pelo lado, mansamente...
Salvador Dali, quando menino, sonhava em ser cozinheiro. Preferiu a pintura e produziu suas maravilhosas telas surrealistas. O realismo, em pintura, se constrói sobre o pressuposto de que as coisas são aquilo que parecem ser, nem mais e nem menos. Os olhos, diante de uma tela realista, jamais experimentam a surpresa do impossível ou do impensado. O realismo confirma aquilo que os olhos comumente vêem. O surrealismo, ao contrário, acha que aquilo que os olhos comumente vêem é muito pouco: se olharmos com atenção perceberemos que as coisas são, ao mesmo tempo, o que são e também outras: elefantes se refletem nas águas de um lago como cisnes, cenários compõem o corpo erótico de uma mulher, o corpo de Cristo é transparente e através dele se vêem mares, montanhas e barcos. O realismo confirma o criado. O surrealismo recria o criado.
As sopas são a versão culinária do surrealismo. Tivesse realizado sua vocação primeira, Salvador Dali seria um especialista em sopas. Pois as sopas se fazem negando as coisas, na sua realidade natural bruta e transformando-as por meios das relações insólitas que o caldo torna possíveis. O caldo da sopa é o meio mágico que junta no caldeirão aquilo que, na natureza, nasceu separado. Creio ser impossível catalogar as combinações possíveis: fubá, trigo, batata, alho, cebola, nabo, cenoura, tomate, ervilha, ovo, abóbora, mandioca, cará, inhame, carne, peixe, galinha, mariscos, repolho, couve, beterraba, aspargo, palmito, feijão, arroz, queijo, azeitona, pão, maçã, abacate, temperos, pimentas, orégano, tandore - uma canja verdadeira não é canja se lhe faltarem algumas folhinhas de hortelã. E é preciso não nos esquecermos que sopa é a única comida que pode ser feita com pedra, como nos é relatado numa das estórias clássicas que se conta para crianças e adultos.
Gosto das sopas, ainda, por serem elas entidades do mundo dos magos, bruxas e feiticeiros. No mundo mágico não se usa churrasco. Magos, bruxas e feiticeiros fazem suas poções em enormes caldeirões de sopa, como é o caso de Panoramix, druida do Asterix e do Obelix, que prepara sua beberragem de força imbatível num caldeirão de sopa fervente.
Prefiro as sopas rústicas - e fazê-las me dá um grande prazer. A sopa de fubá em suas múltiplas versões, o caldo verde, a canja com hortelã, a multicolorida sopa de legumes: sopas são sempre uma alegria. As sopas rústicas dão permissão para se jogar nelas o pão picado. Haverá coisa mais feliz que isso? Reuno-me com alguns amigos, às 3as. feiras, para ler poesia, ao redor de um prato de sopa.
Uma última informação: sopas são remédios maravilhosos contra depressão. Quando a sopa quente, cheirosa, colorida e apimentada, bate no estômago, a tristeza se vai e a alegria volta. Não há melancolia que resista à magia de um prato de sopa..." (Concerto para corpo e alma, p. 69.)

Rubem Alves

Old fashioned way


The demon

"Out of the body
emerges the demon
out of the body
extend
tentacles which
grapple towards the
other body
to suck out glances,
embrace
limbs, quarry entrails,
out of the body
project saliva sperm
sweat-ducts
channels for the
instillation of vaginal
fluids
for the pincers to
open and close, the
joints
to function, and the
otherwise unpaired,
unworldly bodies
to engage like cogs
It’s exactly the same
body
that suckles and
nurtures and restores
some things
and sucks out and
milks and empties
others
and burns up yet
others like a jet of fire
reducing flesh and
bones to ashes
yet without ever
annihilating
memories and
fantasies.
Out of the bodies’
ashes
emerges the demon
again
as painters depicted it
in churches that
haven’t been
completely deserted
the demon with goat’s
legs
forked tongue, red
eyes, snake’s tail
a huge, inflated yet
smooth member
sexless, androgyne
that lurks in all of us
the dog squashed on
the tarmac
its bloody tongue
hanging out
like a red penis after
ejaculation
steaming guts gaping
open
quivering like an
insatiable vulva.
At any moment it may
emerge from within us
fly out of our mouths
with our kisses, our words
our food, our squeals
of pleasure and pain –
the demon we carry
all our years
in a gestation that’s as
endless
and brief as our lives.
At any moment it too
may
break free of us."

Titos Patríkios