sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Almanaque

Ó menina vai ver nesse almanaque
Como é que isso tudo começou
Diz quem é que marcava o tic-tac
A ampulheta do tempo disparou
Se mamava de sabe lá que teta
O primeiro bezerro que berrou me diz, me diz
Me responde por favor
Pra onde vai o meu amor
Quando o amor acaba
Quem penava no sol a vida inteira
Como é que a moleira não rachou me diz, me diz
Quem tapava esse sol com a peneira
E que foi que a peneira esfuracou
Me diz, me diz, me diz que esfuracou
Quem pintou a bandeira brasileira
Que tinha tanto lápis de cor me diz, me diz
Me responde por favor
Pra onde vai o meu amor
Quando o amor acaba
Diz quem foi que fez o primeiro teto
Que o projeto não desmoronou
Quem foi esse pedreiro esse arquiteto
E o valente primeiro morador, me diz, me diz
Me diz um morador
Diz quem foi que inventou o analfabeto
E ensinou o alfabeto ao professor me diz, me diz
Me responde por favor
Pra onde vai o meu amor
Quando o amor acaba
Quem é que sabe o signo do capeta
O ascendente de Deus Nosso Senhor, Nosso Senhor
Quem não fez a patente da espoleta
Explodir na gaveta do inventor me diz, me diz
Me diz por favor
Quem tava no volante do planeta
Que o meu continente capotou
Me responde por favor
Pra onde vai o meu amor
Quando o amor acaba
Vê se vê no almanaque, essa menina
Como é que termina um grande amor
Me diz, me diz
Se adianta tomar uma aspirina
Ou se bate na quina aquela dor
Me diz, me diz
Me diz daquela dor
Se é chover o ano inteiro chuva fina
Ou se é como cair do elevador
Me responde por favor
Pra que que tudo começou
Quando tudo acaba.

Lua em sagitário

A hibernação emocional é fundamental para todos os seres que pensam, sentem, amam e se preocupam de verdade com os demais, em detrimento de seus próprios pequenos e feios umbigos.
Frear o tempo e o espaço, praticar o silêncio e colocar as coisas internas e externas no lugar é processo doloroso que deve ser praticado no tempo certo.
É impossível realmente viver sem deixar nossos pedaços por ai.
Este procedimento presume aparentes perdas e rupturas, que nada mais são do que libertações de confinamentos que nos foram impostos e que nós mesmos nos impusemos.
Não há regras claras, mas é imprescindível manter o respeito e fortalecer o amor.
Como tudo está ligado, a higiene emocional invariavelmente é acompanhada pela desintoxicação física. Afinal, somos um todo parte de outro todo.

Não sei o que isso significa, mas segundo li o dia de hoje seria invulgar, afinal acontece a cada quatro anos, graças a conjunção de vênus e netuno no signo de aquário e a lua em quarto minguante em sagitário.

Acordei outra e a mesma. A mesma sempre fui, só que havia me esquecido como era ser quem sou.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Seria este o verdadeiro sentido da vida?

Talvez, e por pouco tempo, possam justificar a busca por certo conforto e segurança, mas seria esse o verdadeiro sentido da vida? Não. Reduzir a vida a determinados objetivos e desejos é limitá-la, tornando-a insatisfatória e finita.

Neurônios

Neurônios coloridos e a trama cerebral

Afros-sambas

Abertura, Canto de Ossanha, Labareda, Tristeza e solidão, Canto da pedra preta, Canto de Xangô, Bocoxé, Canto de Iemanjá, Variações sobre berimbau, Samba do Veloso e Lamento de Exu são as encantadoras músicas do CD do mestre Baden Powell que ganhei há alguns anos, de um querido amigo - então executivo de um banco, que presenteou seus clientes com essa genial produção musical.
São regravações realizadas em 1990, para superar a técnica limitada das gravações originais de 1965. O violão do mestre é inigualável, além da participação especial do Quarteto em Cy. Recentemente li que o mesmo CD foi lançado para o público pela gravadora Biscoito Fino e garanto que vale sua aquisição.
Tenho curtido Baden Powell, Vinícius e Chico, por eles mesmos, e por Toquinho, MPB4 e Carlinhos Lyra. Criei o hábito de rever a trilha sonora de minha vida.

Ser bacana e normal

O que normalmente se dedica a alguém que se esforça para se recuperar de grave enfermidade, está sozinho, com receio e passou uma noite de cão? Carinho, cuidado, atenção? Coisas, sentimentos e ações realizadas exclusivamente em favor de quem se recupera? Sem interesses e quaisquer terceiras intenções? Isto é o normal e o habitual: Preocupação, solidariedade, atenção e amoroso carinho, em doses generosas, são os melhores medicamentos. O resto não existe.
Quanta coisa bacana e sincera para ser feita e dita, que faria tanto bem e deixaria o outro feliz e grato, renovaria a energia e recriaria saudável convivência: Você precisa de alguma coisa? Posso fazer algo? Quer que eu leve seu almoço? Seus medicamentos estão em ordem? Quando você fará seus exames? Quero ir junto. Venha! Dormir e tentar esquecer mais uma preciosa oportunidade desconsiderada.

Tomates

Às vezes, é necessário agir exatamente como Evelyn Couch (Kathy Bates) em Fried green tomatoes: Sou mais velha e o meu seguro é melhor.

Será que era só isso?

Nos últimos anos, subiu o índice de suicídio na população entre 40 e 64 anos. Por quê?

O "NEW YORK Times" de 19 de fevereiro publicou os resultados de uma pesquisa dos Centers for Disease Control and Prevention dos EUA (centros para controle e prevenção das doenças). A pesquisa mostra que, de 1999 a 2004, na população entre 45 e 54 anos de idade, o índice de suicídios aumentou, em média, 20% (31% entre as mulheres).No mesmo período, os suicídios de adolescentes aumentaram 2% e os de pessoas idosas diminuíram. Em 2004, nos EUA, 32 mil mortes foram oficialmente atribuídas a suicídio. Ampliando a faixa da meia-idade, constata-se que, dessas mortes, mais de 14 mil são de pessoas entre 40 e 64 anos. Segundo o "New York Times", o fenômeno não seria apenas americano: um estudo recente aponta que, em 80 países, as pessoas de meia-idade são as menos "felizes". As explicações são hipotéticas. Por exemplo, no que concerne às mulheres, desde 2002, diminuiu fortemente o uso da reposição hormonal na menopausa. Talvez o déficit de estrógeno tenha efeitos depressivos diretos ou indiretos. Também observa-se que pessoas de meia-idade são grandes consumidoras de antidepressivos. Talvez um uso vacilante dessa medicação (com interrupções brutais sem acompanhamento psiquiátrico) seja responsável por momentos de aflição irresistível. Mas é mais provável que, no caso, o consumo de antidepressivos seja apenas prova suplementar de que as pessoas dessa idade são especialmente "vulneráveis". Em suma, resta a pergunta: o que acontece, entre os 40 e os 64, que levaria ao suicídio mais indivíduos do que em outras faixas etárias? Sabemos que as adversidades desesperam os adolescentes porque eles têm dificuldade em enxergar um futuro possivelmente diferente. E imaginamos com facilidade que as enfermidades e o sentimento do fim que se aproxima possam levar alguns idosos a precipitar o desfecho. Mas adultos na plena força da vida? É claro, a meia-idade é a época em que os executivos que perdem seu emprego ficam no limbo -demasiado qualificados e já "velhos" para retomar sua carreira. Mas, nos exemplos trazidos pelo "New York Times", os suicidas de meia-idade não parecem ser vítimas de crises profissionais. Algumas observações:
1) Nas últimas décadas, mesmo nas fileiras de quem acredita em Deus ou na revolução futura, vem se impondo a vontade (ou a necessidade) de justificar a vida "por ela mesma". As aspas servem aqui para lembrar que ninguém sabe o que isso significa. Alguns pensam nos prazeres que eles se permitem, outros na satisfação de serem úteis ao próximo, outros ainda avaliam a qualidade estética de sua história ou valorizam a variedade e a intensidade de suas experiências. Seja como for, a vida deveria valer a pena pelo que a gente faz, pela própria experiência de viver.
2) Acrescente-se que, a partir dos anos 60, os adultos de nossa cultura começaram a se preocupar com a adolescência -ou seja, entre outras coisas, passaram a querer furiosamente que suas crianças se preparassem para elas serem "felizes" um dia (em todos os sentidos: sucesso amoroso e financeiro, êxtase, bom humor permanente).
3) Chegam hoje à meia-idade as gerações que cresceram esperando uma "felicidade" que daria sentido à longa "preparação" de sua adolescência e convencidas de que a vida deve se justificar por ela mesma. Os que fracassaram têm sorte: eles podem se dizer que a coisa não deu certo. Os que se acham bem-sucedidos esbarram, inevitavelmente, numa questão inquietante: "Então, é isso? Era só isso?".
Estreou na sexta passada "Antes de Partir", de Rob Reiner, com Jack Nicholson e Morgan Freeman. É a história de dois homens que aprendem que eles têm seis meses de vida, escrevem uma lista das coisas que gostariam de fazer antes de morrer e saem pelo mundo afora. Alguns críticos adoraram, outros acharam que os atores não salvam um roteiro em que as últimas vontades dos protagonistas parecem oscilar entre a obviedade (beijar a moça mais linda, pular de pára-quedas, fazer um safári) e a pieguice (reencontrar os que a gente ama de verdade, causar alegria na vida dos outros etc.). Para mim, é a própria trivialidade da lista dos dois amigos que faz o charme do filme. Na hora de bater as botas, diante da pergunta "Que mais poderia ter sido minha vida?", é tocante constatar que, no fundo, gostaríamos que tivesse sido mais do mesmo.

Texto escrito por Contardo Calligaris e publicado na Folha de São Paulo, em 28.02.08 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2802200832.htm

Ação

Enquanto se fala o que não deve e não se faz o que deve, reforça-se o maior e mais grave equívoco.

Livres, sem interesses e intenções

Ao invés de entender do seu jeito meio torto, tente enxergar a verdade: Existem pessoas que captam os melhores sentimentos das outras, ação e reação, desprovidos de qualquer interesse e intenção.

Tireóide e o meio ambiente

No Brasil, por cinco anos, a quantia de iodo adicionada ao sal foi excessiva; essa seria a causa da epidemia de tireóide ocorrida na época.

A tireóide é uma pequena glândula (15 gramas) situada na região cervical anterior. Produz dois hormônios (T4, T3) que são essenciais para que possamos "queimar" nossas gorduras e produzir o calor que nos mantém a 36,5ºC. A tireóide é essencial para a formação do colágeno (retardando o envelhecimento), para a beleza da pele e para a vitalidade dos cabelos; é indispensável para a fertilidade; é importante para manter o colesterol dentro do normal; e pode ser considerada como "a governante" do corpo humano, zelando para que cérebro, fígado, rins e coração funcionem direito. Mas a tireóide não pode sintetizar os seus hormônios se não houver a indispensável matéria-prima, que é o iodo. No Brasil (e em outros tantos países do mundo), praticamente não existe iodo no solo e na água. O iodo só será obtido se ingerirmos produtos do mar (peixes, crustáceos, algas marinhas). Mas tais alimentos, fáceis de serem obtidos na orla litorânea, não existem na extensa região interiorana deste imenso Brasil. Resultado: durante séculos, a população brasileira padeceu de carência crônica de iodo, gravíssimo problema que afeta a gestante, o feto, a criança, com conseqüências como deficiência mental, retardo de crescimento, dificuldades auditivas e aumento do volume do pescoço (bócio). A carência de iodo foi resolvida pela adição de iodo ao sal que todos nós consumimos. Está claro que a tireóide não funciona se não houver iodo, mas se estiver sob excesso de iodo pode apresentar sérios problemas. No Brasil, durante cinco anos, de 1998 a 2003, a quantidade de iodo adicionado ao sal foi excessiva (40 a 100 miligramas de iodo por quilo de sal). A ingestão exagerada de iodo desperta no organismo uma reação chamada de auto-imunidade, isto é, o sistema imunitário (que produz anticorpos) volta-se contra a tireóide, resultando em doença chamada de tireoidite crônica ou tireoidite de Hashimoto. Para comprovar esse fato, nossa equipe da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com auxílio da Fapesp, realizou, em 2003, inquérito epidemiológico nos municípios de Capuava, Mauá, Santo André e São Bernardo, constatando que, realmente, o número de pacientes com tireoidite de Hashimoto havia "dobrado", isto é, aumentado em mais do que o dobro do esperado, segundo avaliação feita em 1995. Tanto os habitantes próximos à zona industrial (pólo petroquímico) quanto os que residiam em área distante dez quilômetros desse pólo apresentavam o mesmo percentual de pessoas afetadas por tireoidite. O consumo nutricional de iodo estava muito aumentado em todos os municípios visitados. Concluímos que o excesso de iodo seria, sem dúvida, uma possibilidade muito forte de ser o agente causal do aumento dos casos de tireoidite de Hashimoto. Em outros países, como Grécia, Marrocos, Sri Lanka e China, o mesmo fenômeno já foi comprovado. Na China, em um período de observação de cinco anos, a população habitando região com excesso de iodo apresentou quatro vezes mais tireoidite de Hashimoto do que a de regiões com baixo teor de iodo na alimentação. Por outro lado, não há na literatura médica nenhum dado comprovando que produtos químicos que não tenham ligação com o iodo possam induzir à auto-imunidade que inicia a agressão à glândula tireóide. A meu ver, é altamente especulativa e possivelmente errônea a noção de que habitar nas cercanias de áreas industriais possa ter alguma relação com doença auto-imune de tireóide. É importante ressaltar que apenas uma parte da população é suscetível de desenvolver tireoidite de Hashimoto dentro de condições de excesso nutricional de iodo. Essas pessoas têm um perfil genético peculiar, o qual as torna mais propensas a ter moléstias auto-imunes. Os genes que são responsáveis por essa sensibilidade já foram parcialmente identificados. É freqüente, portanto, o fato de que doenças de tireóide ocorram de forma familiar. Felizmente, desde 2004, o teor de iodo no sal consumido pela população brasileira retornou a níveis adequados (20 a 60 miligramas por quilo de sal) e, nesses anos, a prevalência de tireoidite de Hashimoto voltou a ser o que se considerava como normal (3 a 8% da população, com maior prevalência em mulheres). Tal fato seria uma contraprova de que o excesso de iodo do qüinqüênio 1998-2003 seria o agente causal da epidemia de tireoidite crônica de Hashimoto observada naquela época. Não se justifica, portanto, a maliciosa interpretação de que a população que habita as proximidades de instalações industriais possa ter maior prevalência de doença da tireóide por conta de eventuais efeitos ambientais.

Texto escrito pelo médico endocrinologista Geraldo Medeiros Neto e publicado na Folha de São Paulo, em 28.02.08 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2802200809.htm

Locomotiva descarrilada

Lá vem a forte e grande locomotiva, com seu som tão característico: Força a barra, força a barra, força a barra, força a barra, força a barra, nada oferta e força a barra, nada oferta e força a barra, força a barra, nega apelos, rejeita convites, desconsidera oportunidades, nada oferta e força a barra, força a barra, força a barra e de repente passa veloz pela estação, desliga na cara do maquinista e some. Os trilhos, preste atenção nos trilhos...

Tudo em seu tempo certo

Nossa casa é a nossa mais clara extensão. Talvez mais do que a casa, as plantas e os animais de estimação que nela estão. Por isso, cão estressado é alerta para dono nervoso, planta murcha corresponde a dono de casa triste e por ai vai.
Nós, o ambiente e tudo que nele está, exercemos ação mútua, influenciamos, trocamos e absorvemos energia.
Outro dia, durante nosso habitual café, conversei com um amigo sobre minha mais nova mania de mudar todas as coisas da sala de lugar: Retiro móveis, coloco outros, troco os adornos, planto mudas diferente e crio novo ambiente. Assim, todos que freqüentam a nossa casa, tecem os mesmos comentários sobre o aconchego, a paz, a tranqüilidade e o abraço – este o mais carinhoso de todos – que a casa daria em quem nela entra.
A observação que ouvi desse amigo foi bem humorada e perspicaz, além de lembrar-me daquele outro canto, ali, no qual pouco entro, ajeito, bagunço e deixo de lado. Pois se tudo tem seu tempo certo, também tem sua razão de ser.
Poucas palavras para entender um universo: Minha mãe tinha forte presença, era adorada - principalmente pelo meu filho, centralizava todas as nossas atenções e dedicações e morreu em nossa sala diante de nós. Imagino que a morte inesperada de qualquer pessoa diante de nós é bem traumática, ainda mais da nossa mãe.
Semana passada, durante o jantar, pela primeira vez conversamos sobre o tema e meu filho comentou que havia retirado da memória determinado detalhe.
Descobri a razão do meu comportamento: Eu me lembro de tudo e, por isso, alterei várias vezes o espaço, exorcizei as lembranças tristes, purifiquei a morte e transmiti nova energia para o lugar. Tem que ser mulher para fazer isso, e carregar um conhecimento natural, herança longínqua, que o verdadeiro feminino materno conhece por intuição. Senti a leveza, encontrei o equilíbrio e parei com a mudança da sala. Agora, voltei-me para o canto deixado de lado e confesso que é bem dolorido mexer em certos papéis, correspondências, fotos, e-mails impressos e agendas. Como é o tempo certo, as coisas de minha mãe foram finalmente separadas com saudoso carinho e sei que farão pessoas felizes. Muitos papéis foram rasgados, livros limpos e arrumados numa ordem perfeita, bela e funcional que eu nunca havia experimentado antes - lembrar e descobrir alguns livros me proporcionou imenso prazer – fotos foram apreciadas e as agendas, ah, as agendas me deram uma mistura de alento com tristeza danada, porque constatei que há tempos o maior e mais marcante incômodo, a razão de minha maior tristeza, não era apenas intuição, mas realidade. Dói muito o persistente erro cometido por outrem. Catarses. Reaprendi comportamento inédito que por mim é praticado em favor do outro, apesar da vida inteira tê-lo negado para mim: Nunca fui complacente comigo, mas pela primeira vez trato-me com carinho e brandura, e permito que minha mente converse com meu coração apertado e amorosamente o aninhe a dizer: Ah, minha querida menina...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Carla Bruni - Quelqu'un m'a dit

Mário de Andrade

Aceitarás o amor como eu o encaro ?...
... Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.

Inusitada saída



Clone díspar

Enxerguei seu rosto, seus olhos e seu aparente desespero. Enxerguei sua imensa fraqueza, sua carência e a infinita insatisfação que você sente em todos os aspectos de sua vida, tudo o que o faz tão pequeno. Ouvi bem mais do que falei. Fui além e permiti que sua tortuosa linha de raciocínio me conduzisse através do seu labirinto. A solitária Ariadne e o aberrante Minotauro. Às vezes, mergulhar fundo no outro é a única maneira de saber o que vai por dentro. Mergulhar e emergir inteira, ilesa, sem mácula. Pela primeira vez usei um escafrando antigo, de cobre e cristal, para respirar melhor e evitar o contato com a sua ansiedade que tanto contamina. Experimentei algo inédito e com a intuição dosei a compaixão e a experiência; o bom e o ruim. Não sou e jamais serei solidária com a sua intenção, mas, apesar de tudo o ajudarei a sair dessa grudenta teia armada por você mesmo. Sair sem prejudicar ninguém e, quem sabe, no final, no recomeço, todos mais sábios e melhores. Mas não tente enredar. Enredar, enredar. Fico sem estar, me aproximo totalmente afastada. Aprendi a enxergar você.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Atores

Um anglo-irlandês, uma francesa, uma inglesa e um espanhol. Para eles foram as premiações mais significativas e merecidas do octogésimo Oscar.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Falta algo, alguém

Perder e não encontrar as chaves; bater o pé, a perna, o joelho, o cotovelo em algum móvel; escorregar e se estatelar no chão da cozinha; bater portas; ouvir o bater de portas; fazer sala e fingir fazer sala; desconhecer cantos, recantos e encantos do lugar inteiro e não se dependurar habitualmente nos lustres são claros sinais que gritam, urram, clamam, conclamam e exclamam: Algo, baby, não vai bem! Isto não está certo! Falta algo, falta alguém, falta fundamental pedaço.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Controlador convencimento

Convencer e controlar são duas ações distintas, cada qual com seu significado exato.
Convencemos, nos convencemos ou somos persuadidos a nos convencer e passamos a aceitar alguma idéia ou fato, baseados em razões e argumentos bem definidos e racionalmente fundados. No entanto, o convencimento também pode compreender o envolvimento e a atração, que dependem da atuação, da trama criada e da força dramática de alguém. Não é à toa que levar e induzir também são sinônimos de convencer.
Controlar-se, controlar alguém, algo ou alguma situação presumem o monitoramento, a contenção, o domínio e o exercício do poder. O controlador deve ser hábil, articulado e impedir a vantagem do outro. O controlador não consegue relaxar, desconhece a leveza e a fluidez natural da vida e sofre ao perceber a diminuição de sua capacidade de centralizar e manipular as situações e as pessoas.
O convencimento puro, baseado na razão, na correção e desprovido de qualquer interesse é instrumento válido para arrefecer a ignorância. No entanto, há os que se servem do convencimento maculado por seus próprios interesses para exercer o controle. Poucos conseguem enxergar o controle exercido através do tendencioso convencimento. Raros são os que compreendem o desgastante jogo de interesses existente em alguns relacionamentos, que primam pelo controlador convencimento. Infelizes são os que reconhecem a situação e ainda se esforçam em favor de sua manutenção. Dependendo da intenção, convencer se torna ato contínuo do controlar e esses dois verbos são incompatíveis com o amar e o confiar.

O mais difícil de tudo, pela sutileza e nuances tão envolventes, é percebermos quando o aparente controlado é quem de fato controla. Sem dúvida é um teatro extremamente cruel exercido com maestria por poucas pessoas.
Infelizmente, o correto significado de algumas palavras é desvirtuado. Deveria haver alguma regra gramatical para resolver essas situações.

Chuva bonita

A pergunta simples, impensável e mais divertida do dia: Quantas pessoas cabem na barraca de pastel da feira? Poucas a considerar o fogareiro e o panelão enorme, cheio de óleo fervendo. Já na barraca ao lado, que mais parece um puxadinho do caminhão no qual está acoplado o moedor de cana, a coisa muda de figura. E se a simpática dona Maria – ela pintou os cabelos recentemente, que passaram do grisalho neve para o castanho ruivo flamejante – organizar o povo, então, sobra lugar para mais dois além dos vinte que lá ficaram. Descobrimos tudo isso, com certa folia, durante a forte chuva de verão que nos pegou de surpresa. Se existem chuvas bonitas, a de hoje foi uma delas. Linda.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Lunar

Hoje teremos eclipse lunar. Chuva com eclipse lunar.
Será que isso explica como me sinto?
A lua afeta marés, partos, humores, pessoas.
Talvez eu esteja mais eclipsada do que lunar.
Sem dúvida, curta, curtíssima fase.


Esta imagem pertence ao blog Física na veia http://fisicamoderna.blog.uol.com.br/

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O charuto perfeito

Por que aprendi algo – pouco, muito pouco – sobre charutos se nunca fumei um e não acho tão interessante que mulheres fumem charutos ou cachimbos. Talvez algumas coisas mereçam continuar tipicamente masculinas.
Uma das imagens que tenho de meu pai é ele sentado em sua poltrona, a ouvir seus clássicos, com um cálice de Metaxa ou Courvoisier aquecido em sua mão e o Dunhill fumegante a exalar um dos melhores aromas do mundo. Abstraio tudo e me atenho a seu rosto. A expressão facial de meu pai era única.
Dizem que os melhores charutos estão em Cuba, na região de Pinar del Rio, seguidos pelos charutos da República Dominicana e pelos baianos fabricados no recôncavo. A produção de cada lugar é bem diferenciada: 104 milhões de charutos teriam sido produzidos em Cuba no ano de 2007, 570 milhões no Vale Cibao e quatro milhões na Bahia. Acho interessante que charuteiros, assim como os enófilos, viagem pelo mundo para curtir o melhor de suas paixões.
Pensar em charutos me faz pensar em tabaco e isso me remete a história familiar que esclarece uma parte do que sou. Meu bisavô tinha plantações de tabaco na região sul da Turquia, mais precisamente em Ismirna, e lá fez sua fortuna, criou família e firmou-se política e socialmente. Na primeira década do século vinte, comprou a segurança da família e todos migraram de volta para a Grécia, no famoso êxodo cristão que mobilizou um milhão e meio de pessoas. A pergunta então feita era simples: Você é cristão?
Estudei alguma coisa sobre Mustafá Kemal, posteriormente chamado Atatürk, e reconheço sua atuação naquele tempo tão difícil. Na Turquia, até hoje o idolatram. Meus sentimentos são mais refratários e em meio ao polêmico ambiente greco-turco, não deixo de perceber a ironia histórica do turco nascido em Thessalônica.
Quero aprender mais sobre a história do tabaco turco. A visão das plantações eu tive, assim como a mágica sensação de lá estar. Viajei pela Turquia inteira com o conhecimento interno, que não se aprende. Volto às coisas tipicamente masculinas: O futebol feminino me parecia um horror, mas hoje firmou seu espaço e é apreciado por muitas pessoas – ponto a mais para a quebra de barreiras e ponto a menos para os meus preconceitos. O mesmo acontecia com mulheres que jogavam bilhar.
Eu não pretendo aprender a jogar futebol, mas sinuca e bilhar jogarei com meu filho.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Diálogo empático

Agora que nos vemos amiúde.
Como? O que quer dizer amiúde.
Às vezes, os significados das palavras mudam sem que saibamos.
Mais, nos vemos sempre, com freqüência.
Sempre? Mais? Talvez em sonhos.
Ainda não aprendi a controlar meus sonhos.
Aliás, dizem que todos sonham, mas raramente eu me lembro
dos meus, sequer sei se sonho todas as noites.
Talvez o seu amiúde seja diferente do meu, do comum.
Será que existe algum clone meu por aí? Não pode ser.
Decididamente, o seu inusitado e limitado amiúde não mata a fome que
sinto de você.
Famélica.
Famélicos. Famélicos e insatisfeitos com a vida.
Ops, lá vem mais uma crise de narcolepsia.
Engraçadinha.

Com todo amor,
amiudamente sua.

A verdadeira lua-de-mel não acaba

Antonieta escreve uma longa carta, cuja finalidade é saber: -“Quanto tempo dura uma lua-de-mel?” – Darei a minha opinião a respeito. Acho justo, porém, tentar, primeiro, um resumo da história amorosa da minha leitora. Ela conheceu um rapaz, flertou com ele, namorou, noivou e casou. O namoro e o noivado constituíram algo assim como uma novela, um romance, ou certos filmes de amor. A própria Antonieta confessa: -“Durante o período em que fui namorada ou noiva, conheci uma felicidade sem igual. Não pensei, nunca, que alguém pudesse ser tão feliz”. Veio, depois, o casamento. E, com o casamento, a lua-de-mel. Na lua-de-mel, a mesma felicidade ou, se possível, uma felicidade ainda maior. E foi só. Porque, uma vez terminada a lua-de-mel, a vida matrimonial começou a sua rotina exasperante. Antonieta encontrou-se em face do que ela chama a “realidade”. E o que vem a ser esta realidade? A monotonia de dias e semanas que se parecem uns com os outros, que não diferem nada, entre si. A moça fez a si mesma – milhares de vezes – esta pergunta: -“Mas é isso o casamento? é isso o amor?” A própria experiência ensinou-lhe uma verdade, extremamente desagradável, ou seja: que o amor não sobrevive à lua-de-mel. “Eu tinha uma noção falsa do amor” – continua a missivista. “Pensava uma coisa, e é outra.”
Não, minha pobre Antonieta, você pensava uma coisa e era isso mesmo! Você está enganada, agora, e certa antes. Preliminarmente, você coloca muita mal a questão, ao perguntar – “Quando tempo dura a lua-de-mel?” O fato de formular esta pergunta, ou este problema de tempo, prova, simplesmente, o seguinte: que você nada sabe de amor, que você não conhece o amor. Você foi namorada, noiva e é esposa, tudo isso sem amor. Porque se o seu sentimento fosse verdadeiro, você saberia que a lua-de-mel não tem prazo. Na verdade, nós só sabemos quando ela começa e ignoramos quando acaba. Porque, na verdade, não acaba. Eis a verdade do amor: a lua-de-mel é eterna. Eu, você e outras pessoas é que pensamos o contrário, pensamos que a lua-de-mel se resume aos primeiros dias do casamento. Nenhum juízo mais falso e convencional, nenhuma idéia mais frágil e ingênua e que corresponda menos à experiência amorosa. Se houvesse uma medida para a lua-de-mel, poderia ser estabelecida nestes últimos termos:- “A lua-de-mel dura tanto quanto o amor”. E seria justo ou necessário acrescentar: “Mas o amor é eterno.” Esta última afirmação cria um outro problema: ”pode o amor ser eterno?” A maioria das pessoas acha que não. Acha que não existem sentimentos eternos. Perdão, existem, sim. Há sentimentos que nascem com a pessoa, que a acompanham até a morte.
E, para não ir muito longe, citarei um : o sentimento materno. A mulher já é mãe, antes de o ser; mãe, no plano psicológico, na sua afeição pelas bonecas e uma séria de outras manifestações ultraperceptíveis nas meninas, e por onde se revela a presença e a irradiação de um instinto maravilhoso. Até o último suspiro, a mulher gosta do filho, como no primeiro dia. Portanto, verificamos o seguinte: há, quanto mais não seja, um sentimento eterno. E, como isso, abre-se a possibilidade, pelo menos teórica, da existência de outros sentimentos eternos. Por que o amor não o será, também? Tanto mais que o sentimento materno e o amor dependem um do outro – pelo menos nos casos normais. Parece-me a mim fácil, muito fácil, amar, sempre, o homem que, além de ser o bem-amado, é o pai dos nossos filhos. Nós perguntamos: -“Quanto tempo dura a lua-de-mel?” Acho isso tão absurdo quanto esta outra pergunta:- “Quanto tempo dura o amor materno?” Ou: “Quanto tempo a mulher pode gostar do seu filho?” A boa amorosa é como a mãe perfeita – ama sem condições, não julga, e muito menos condenam a criatura amada. Portanto, Antonieta, acredite em mim: se a sua lua-de-mel acabou, é porque não era nem lua, nem de mel.”


("O consultório sentimental de Nelson Rodrigues" - Diário da Noite, 1949)

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Cineastas

O filme “Tropa de Elite”, de José Padilha, ganhou o Urso de Ouro do 58º Festival de Berlim e é muito provável que esse diretor consiga sucesso similar ao de Fernando Meirelles e Walter Sales. Em 1998, no mesmo festival, a atriz Fernanda Montenegro recebeu o Urso de Ouro de melhor atriz pelo encantador “Central do Brasil”, filme que depois da premiação alemã, ganhou outros quarenta troféus mundo afora, o que nos faz pensar sobre os reais benefícios desses festivais.
Li vários textos sobre o filme, ouvi comentários entusiasmados de amigos, mas reconheço que ainda não assisti “Tropa de Elite”, por estar em fase de recuperação e evitar o quanto posso quaisquer cenas de violência, físicas e emocionais. Assistirei a esse filme mais tarde, o que não me impede de acompanhar o noticiário.
O presidente o júri do festival berlinense deste ano foi Costa Gavras, um dos meus cineastas favoritos. A filha dele, Julie Gavras, também é cineasta, segue a mesma trajetória do pai, mas com o diferencial marcante registrado na sutileza e sensibilidade de seu filme “A culpa é de Fidel”.
No aeroporto de Tegel, Luiz Carlos Merten, do Estadão, encontrou o famoso cineasta e perguntou se ele não se importaria de virar o pai de Julie Gavras. A resposta foi imediata: “Que pai se importaria?” e o comentário complementar do jornalista: O sorriso não deixa margem à dúvida de que Costa Gavras é o pai feliz de uma cineasta talentosa.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Alguns bairros do mundo

Respeitadas as típicas diferenças entre turistas e viajantes, e suas escolhas dos melhores lugares do mundo, li um texto bem humorado sobre os bairros mais interessantes, que mereceriam ser conhecidos também por retratarem com fidelidade a essência de seus moradores. Cada lugar foi devidamente diferenciado consoante suas características diurnas, noturnas e gastronômicas: O Red Light, em Amsterdã; o Theater District, em New York; a Plaka, em Atenas; o Ginza, em Tóquio; Los Austrias, em Madri; a Havana Velha, em Cuba; o Belém, em Lisboa; o centro de Pequim; o Soho, em Londres; o San Telmo, em Buenos Aires. Desta relação retiro três, acrescento cinco e confirmo que qualquer lugar do mundo deve ser visitado na estação do ano correta, e isto é regra que jamais deveria ser desconsiderada.
Gosto de viajar e viver cada lugar, aprender e descobrir coisas novas e conviver com as pessoas. Viajar por viajar não me interessa e não me satisfaz.
Dos lugares citados, tenho a Plaka no coração. Está na área mais antiga de Atenas e fica bem perto da Acrópole. É muito charmosa, tem construções milenares, é colorida e plena de ruelas fechadas para o tráfego de carros. Tem igrejas, a ágora, lojinhas com quinquilharias, bons restaurantes e barzinhos, dança e monumentos erguidos para homenagear a música e o teatro, além de uma incrível vista da Acrópole iluminada. Imperdível.
Na Plaka se encontra a melhor parte do espírito ateniense que conhece o bem viver. Boêmio, alegre e feliz.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Folia experimental de São Valentim

Não importa o tempo, nem as opções corretas ou não, dignas ou não, justas ou injustas, desde que exista verdadeiro sentimento reinventamos a vida e resgatamos o que deve ser resgatado, para que nossa existência valha realmente a pena e para que possamos, por fim, remir nossas culpas, e as do outro, com justiça, leveza e bondade. O melhor caminho para o acerto de contas final e nosso firme e verdadeiro posicionamento diante de duas questões fundamentais: Você foi realmente feliz? Você fez os outros realmente felizes?
Sem máscaras, sem intenções, sem quaisquer interesses, compreender que nas pequenas coisas encontramos fonte certa para confirmar o quanto amamos.
Era para ser um jantar inesquecível e tornou-se uma folia experimental muito bem sucedida, com a possibilidade bem humorada de recorrer à pizzaria mais próxima, caso os temperos não correspondessem ao resultado pretendido. E quem disse que as coisas feitas com verdadeiro amor podem ser substituídas? Jamais. Pimentões vermelhos recheados com um bocado de delicioso mistério e o novo sabor se tornou realidade. Amoroso sabor. Esse foi o jantar de hoje. Faltou uma parte essencial. Por coincidência, era dia de São Valentin.

Nome e sobrenome

Os sobrenomes gregos são patronímicos, masculinos, referem-se à profissão, local de origem ou características e normalmente terminam com a letra s, que é a terminação grega masculina comum dos substantivos próprios.
Pelos sufixos podemos reconhecer a região das famílias: Os mais comuns poulos são do Peloponeso; idis, iadis e oglou, da Ásia Menor e do Mar Negro; akis de Creta; atos de Cefalônica; ellis de Lesbos; akos da Lacônia; eas de Messênia e anis da Arcádia.
Tem que ser filha de um verdadeiro e orgulhoso ateniense para entender o significado de algumas coisas.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Amoroso ser e estar

Eu te amo quer dizer exatamente isto: O pleno, permanente, livre e incondicional eu te amo. Raro este eu te amo.
Não é o apelo feito ao divino - faça de acordo com a Sua vontade - por que a sua um tanto desumana vontade ainda anda injusta, tendenciosa e desconsidera coisas fundamentais que deveria conhecer.
Também não quer dizer oba, a moça está sensível e derrubou uma parte do muro, abriu a concha, alterou a defesa, parou com a retranca – a moça se nega a jogar!
Em prol da natural simplicidade: Eu te amo quer dizer exatamente isto.
Nada menos e muito, muito mais.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Jantar

Jantar. Jantar. Deixe a máscara, retire a armadura, desista da espada, dobre a língua, freie a crueldade, desconheça as mentiras, controle as mãos, esqueça a arrogância, relaxe do teatro, jogue fora as artimanhas, refute os interesses, se desintoxique e não vulgarize, pelo amor de Deus não vulgarize. Deixe solto o sentimento, escancare o coração e não retenha o brilho desse olhar, a sensação gostosa do encontrar, a leveza de ser doar, nem o rubor dessa pele.

Esfinge

Decifrar a verdadeira intenção das pessoas, às vezes, não é tarefa fácil.
A dificuldade aumenta se as mentes e os comportamentos analisados forem confusos, inconstantes e inseguros. Sem dúvida, os s
inais díspares são desonestos porque induzem o erro.
Num momento o mar, noutro a terra, de um lado o universo e do outro o nada.
A confusão favorece a manipulação e para alguns manipular é essencial, tanto quanto o respirar. Sentem-se no poder, controlam as pessoas e as situações. Podre controle
Se optássemos por seguir a máxima da confiança, tão irrestrita quanto a verdadeira generosidade e o amor, posto que nada esperam em troca e nada exigem em seu favor, ainda correríamos o risco de sermos considerados idiotas.
Poucos são os que conseguem entender que o confiar é composto por uma força imensa, que desafia a razão e permanece. Alguns passam a vida inteira sem deixar de confundir a boa educação e bons princípios com tolice.
Leio e ouço muito sobre a falta de perseverança. Em verdade, as pessoas querem se poupar e descartam sentimentos e vidas. Simplesmente, desistem e deixam o que deveria ser para viverem no vácuo. Ao contrário das rígidas normas da física, que caracterizam o vácuo pela ausência de pressão atmosférica e pelo esvaziamento absoluto, garanto que ele pode ser muito pesado.
Saber o que se quer, merecer o se que quer e não prejudicar ninguém com o querer correto é o mínimo que se espera. Jamais será feliz a existência conquistada em detrimento do sofrimento alheio.
São regras básicas que a vida ensina e cobra. Cedo ou tarde, cobra. Esta é uma das poucas certezas que temos. Confiar e amar de verdade não são tarefas fáceis. Certos sinais e intenções deveriam ser legendados para o correto e fiel entendimento da platéia.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Todo o sentimento

Novo cel ring tone, true tone

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar e urgentemente
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro com certeza
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

Chico Buarque

Som

Beber líquido, morder torresmo e engolir palavras. Tudo tem seu som.

O cão engoliu um gramofone

Todos que têm animais de estimação em casa sentem a mesma coisa, às vezes, de forma exagerada. Lembro que estranhei quando a dona da petshop, em Brasília, ao conversar com nosso cão, referiu-se a mim como “a mamãe” e ao meu filho como “papai”. Estranhei a idéia de ser mãe de um cachorro, ainda mais tendo meu filho como pai, mas é exatamente assim que as pessoas tratam seus animais. E os estragam como estragariam seus filhos, mimam como mimariam seus filhos, entopem de brinquedos, proporcionam alimento errado, se apegam e conversam como conversariam com seus próprios filhos – até melhor.
Fato é que este cão tem história. Ele é candango e acompanhou-nos em nossa volta para São Paulo. Meu filho apareceu com ele escondido e o cão foi causa da única resistência que ofereci a minha mãe, que não queria animais de estimação em casa. Numa sexta feira, há oito anos, quando voltei tarde do trabalho e olhei a cara do filhotinho e a cara do meu garoto – as duas assustadas e temerosas – resolvi que aderiria à campanha e o cão ficou. A primeira consulta ao veterinário foi hilária. Por sorte, o doutor José Carlos é muito boa praça, paciente, excelente profissional e não deixou de responder minhas absurdas perguntas. Naquele dia, aprendi o que eram carrapatos e o que são cães.
Meu filho comentou sobre o comportamento do cocker, que não se integra à família que o acolhe, mas a considera parte de sua própria família. Pois é assim que age este cão: Ele é o chefe e nós seus humanos agregados. Ele coloca ordem na bagunça, se impõem sobre os ânimos exaltados, arrefece a agressividade, impede brincadeiras duras, fica ao lado de quem mais precisa e exige que compartilhemos a refeição juntos – ele no chão, ao nosso lado, com seu prato de ração. Se meu filho me espera à mesa enquanto tempero a salada fresquinha, o cão vem até mim e late para que eu ocupe meu lugar e só então começa a comer. Faz parte do seu comportamento habitual ir onde estou, dar uma olhadinha para ver se está tudo bem, fazer o mesmo com meu filho e sentar-se no corredor a proteger os dois.
Foi este cão que não arredou patinha e ficou ao meu lado durante o tempo que minha mãe teve Alzheimer e não me reconhecia. Foi ele também, há poucos meses, a única companhia que tive no duro pós-operatório e no descanso do tratamento contra o câncer. Sua incansável dedicação é parte importante da minha cura.
No começo da semana passada, meu filho o levou ao veterinário perto de casa, e foi feita punção da pequena bolsa de sangue recém formada na orelha caída do cocker.
No final da mesma semana, o garotão voltou para casa com o cão anestesiado e prostrado em seu colo, após cirurgia que durou três horas. Seu comentário: Mãe, você não agüentaria ficar ao lado dele durante a operação, e confesso que me preocupei com os dois, afinal, é natural que meu filho esteja sensível a doenças e tratamentos.
Ontem à tarde, foi a minha vez de levar nosso cão para a mesma veterinária em busca de solução que, segunda ela, seria um pic seguido de pomada e curativo.
Pois o tal do pic representou cinco cortes com bisturi na orelha recém operada do cão e meia seringa de sangue sem qualquer anestesia. Fiquei na sala ao lado dele o tempo todo. O experiente funcionário da clínica que o segurava ficou bem cansado e emocionado. No curto intervalo que propiciaram ao cão para que sua dor e estresse diminuíssem, ele olhou para o rapaz que o segurava com carinho. Não sei se cães têm índole, mas afirmo que este cão tem índole muito boa. Voltamos para casa com a coleira elizabetana que deveria ter sido colocada depois da primeira cirurgia. Nosso cocker desnorteado e atrapalhado com aquela coisa a envolver sua cabeça. Por um tempinho o gramofone o acompanhará e eu não arredarei pé e ficarei ao lado dele, porque é assim que deve ser. Porque ele merece.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Na época que estamos

Um dia destes, daqui a um tempinho, mais tarde são palavras que perdem lugar no meu vocabulário. Cada minuto de hoje é que vale. O amanhã, ninguém conhece.

Ninguém pode mandar no seu coração

Eu tenho, naturalmente, uma vasta correspondência. Digamos que já recebi três mil cartas ou mais. Cada carta contando um caso, um drama, um romance, uma tragédia. Pois bem. Se eu fizesse um balanço, verificaria que o problema mais comum é o seguinte: um homem e uma mulher que se amam, são loucos um pelo outro, têm certeza de um amor imortal, mas outras pessoas não querem. Então, a moça bebe as próprias lágrimas e diz ao seu eleito que sente muito mas... Pasma-me que assim aconteça, que existam pessoas que se submetem às injunções de terceiros, e que terceiros decidam de sua desgraça ou de sua felicidade. Há, também, os homens e as mulheres que chegam ao suicídio, porque os outros “não deixaram, os outros “não quiseram”. Mas, na hora do sofrer, na hora do chorar, na hora do morrer de paixão, de saudade, os outros não se mexem, ficam, de longe, assistindo, muito acima dos problemas, alheios ao sofrimento que causaram. Ótimo!
Agora mesmo, abro um envelope e leio uma carta que me chega de São Paulo, em um papel amarelo. É um leitor, e dá o seguinte pseudônimo: Teomar. Quais são as atribuições de Teomar? Apenas estas: enamorou-se de uma jovem, foi correspondido por ela. Até aí tudo bem. Com as melhores e mais claras intenções do mundo, ele propôs casamento à moça. Queria fundar seu lar, sua família, criar, para o seu amor, um clima normal, saudável, etc, etc. Aparentemente, não haveria motivo algum para drama. Mas houve. Pois se manifesta na base de uma argumentação absolutamente frágil, precariíssima, uma oposição. Vários defeitos de Teomar foram invocados, inclusive este: a idade. Ele tem, com efeito, 37 anos. Mas será isso um defeito, uma mácula, uma tara? Um indivíduo de 37 anos passa a ser, por isso, algum criminoso?
- Mas a moça tem dezessete, dezenove ou vinte anos.
Que importa? – pergunto eu. A diferença de idade, em si mesma, nada vale, a não ser quando é uma coisa imensa, esmagadora. De resto, é nesta altura da vida que o homem atinge a plenitude, em todos os sentidos. É a maturidade, a plena maturidade. Pode-se dizer a um homem, a título de restrição: “Não lhe posso dar a mão de minha filha porque o senhor está no apogeu?”
O “apogeu” é um defeito ou qualidade? Parece-me que qualidade.
Não acharam assim as pessoas ligadas à moça, que são contra o romance de Teomar. Mas isto não teria gravidade, se fosse uma oposição redutível, baseada em termos assim racionais:
- Nós somos contra, etc,etc. Mas, se você quer, paciência.
Que esperança! Ninguém quer que Teomar se case, em hipótese alguma. Ninguém admite uma transigência, uma conciliação. Não, não e não! Restaria uma atitude franca, desassombrada da moça. Mas ela fraquejou. Continua gostando de Teomar, continua escrevendo para ele. Mas, não aceita mais a idéia do casamento. Ele, então, me escreve. Poderia perguntar sobre o que lhe cabia fazer. Mas o que interessa é outra coisa ´é como agiria eu, no lugar de sua amanda.
- Muito simples, Teomar: eu ouviria as ponderações das pessoas. Se verificasse que eles não tinham razão, diria, simplesmente:
- Muito obrigada, mas caso-me assim mesmo.
Explicaria, aos mais recalcitrantes, o seguinte:
- Trata-se da minha felicidade pessoal, da minha felicidade individual, e não da de vocês. Eu tenho mais direito do que ninguém para escolher o homem que vai ser meu companheiro por toda a vida. Poderei ser feliz ou infeliz. Mas esta é outra face da questão que pertence ao futuro e eu não sou profetisa. Sei, apenas, que no momento serei felicíssima. Se vocês se opõem à minha felicidade, não devo escutar, nem levar em conta a quem deseja o meu sofrimento, a quem recomenda o meu sacrifício. Se gostam de mim, estarão a favor de um casamento que implica a minha felicidade. E, se estão contra o casamento, é porque não gostam de mim, e, nesse caso, para que dar atenção a inimigos?
Em amor, quando a própria pessoa decide,as possibilidades de ventura são bem problemáticas. E, quando terceiros interferem e resolvem, as possibilidade se reduzem a zero.


("O consultório sentimental de Nelson Rodrigues" - Diário da Noite, 1949)

Mentes, bolsas, interpretadores

Por dentro, mulher não é muito diferente de homem. Fora nas partes óbvias, em que somos convexos e elas côncavas, e em um ou outro detalhe, somos iguais. Anatomicamente, portanto, a mulher não tem mistérios para o homem. Ali fica o coração, ali o fígado, ali (onde mesmo?) o pâncreas... Igualzinho a nós. Não é verdade que elas têm glândulas secretas que a medicina ainda não se animou a examinar a fundo, como as que determinam o seu comportamento na direção de veículos automotores e em shoppings. Temos (mais ou menos) as mesmas glândulas.
Só duas partes da mulher continuam a desafiar a compreensão dos homens: sua mente e sua bolsa. Sabemos muito pouco do conteúdo de ambas e estamos constantemente nos surpreendendo com o que sai lá de dentro. E quando pedimos explicações, elas despistam.
O cérebro feminino não é biologicamente diferente, que eu saiba, do cérebro masculino e uma bolsa de mulher não deveria ser diferente de qualquer outro meio de guardar e transportar coisas, mas as surpresas se repetem. Tanto a mente quanto a bolsa femininas parecem ter acessos a mundos, mananciais, veios, supridores inacessíveis ao pensamento ou à mão do homem. De onde é que elas tiram aquilo tudo?!
É uma pergunta que nos atormenta desde aquele momento em que a Eva não só teve a idéia de comer a fruta proibida como produziu – de onde, meu Deus? – o canivete para descasca-lo e uma toalha para estender na grama, e nunca mais fomos os mesmos.

Li que um japonês inventou um aparelho que, adaptado à coleira, traduz o latido do cachorro. O cachorro late ou rosna e aparece numa telinha o que ele está tentando dzer para o seu dono. “Quero comida”, “Preciso fazer pipi”, “Trocar de canal”, “Gostei do seu cabelo assim”, etc. O mercado para a invenção é enorme, só a julgar pelos donos de cachorro que conheço. Finalmente eles vão poder não apenas falar mas dialogar com seus cachorros, trocar idéias, saber o que eles pensam da vida e dos homens. Há o risco, claro, da contestação inesperada. Do dono dizer “Senta” e o cachorro responder “Contextualiza”. Mas o interpretador de cachorros chega para preencher uma profunda necessidade humana. Gênio.

De acordo com a lógica que diz que com a invenção do fogo, inventaram o piromaníaco, cada nova técnica inaugura uma nova forma de loucura.
Como na jovem executiva, dinâmica, sem tempo a perder, chamada Jussara, que no outro dia teve o seguinte diálogo pelo telefone celular:
- Alô.
- Alô?
- Quem é?
- Eu.
- “Eu” quem?
- Eu quero falar com a Jussara.
- É a Jussara que está falando!
Ela jura que estava falando com ela mesma!E novas técnicas criam novas superstições. Muita gente acredita que as câmeras fotográficas digitais não apenas capturam a alma do fotografado como a transforma em microimpulsos que sobre e formam o cinturão eletrônico em volta da Terra, misturado com o ozônio. Velhas crenças, com o perigo mortal de comer melancia com leite antes de pular na piscina, ganham vida nova. Por exemplo, misturar tequila “Subcomandante Marcos”, pimenta e Prozac antes de pular na piscina. Mulheres com silicone devem passar pelos detectores de metais dos aeroportos de costas, senão os seios podem explodir. E o botox derrete. Guarda o Viagra numa cesta com ovos frescos por uma noite e fazer o sinal da cruz antes de ingeri-lo aumentam sua eficácia. Etcetera, etcetera.


Luis Fernando Veríssimo

Ano novo chinês

Ano novo chinês.

Tudo preparado com afinco,
amor e excelente energia.

Bem-vindo!

Claro

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida. Difícil é entender que somente uma vai te aceitar, te amar e te fazer feliz por inteiro.

Nelson Rodrigues

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Homem obediente

Céus! Como escrever cheia dedos, sem atingir suscetibilidades, mas é de lascar quando o homem obediente atende a entrada interruptiva e cheia de palavras da dona.

Milagre diário

Existe uma hora abençoada do dia, em que tudo se resolve, tudo é perfeito.

Dupla perfeita

Bem sei que ninguém em juízo perfeito escreve deste jeito, mas é inevitável.
Você olhou o câncer de frente, ou alguma outra enfermidade que lhe fez parar para projetar seu fim?

Você conviveu com qualquer doença, daquelas que as pessoas têm medo de dizer o nome, reagem acompanhadas pela ignorância de quem quer evitar a contaminação inexistente e perdem a naturalidade ao assumir a condescendente cara de dó misturada com o aliviado Deus me livre?
Você esqueceu o que é ser feliz e fazer os outros felizes?
Perdeu a noção do bem-viver?
Mantém e vive mentiras e teatros?
Desaprendeu o que é solidariedade e generosidade?
Desconhece o que é bom humor e alegria?

Não perde tempo com listas, por que as considera idiotas?
Desconsidera a fidelidade e a amizade?
Desacreditou o amor?
Então, assista a este filme. Assista.

The bucket list, escrito por Justin Zackham e dirigido por Rob Reiner, com Jack Nicholson e Morgan Freeman.

Jerônimo!

Traquejo malandro

O traquejo malandro para certas coisas é de doer.
Mudam os cenários e o comportamento atávico só faz repetir.

Enredar, enredar.
Tome tento, criatura.

Folguedo popular

A seguir, parte do texto escrito por Arnaldo Jabor e publicado no Estadão, em 05.02.08

Não é a primeira vez que digo que o carnaval virou um tema para o mercado, para as empresas, para os pacotes turísticos; o carnaval virou um produto.
Eu tenho saudades da inocência perdida do passado. Lembro das marchinhas toscas que começavam a tocar nas rádios por volta de dezembro, lembro das fantasias bobas – legionários, piratas, caubóis – influenciadas pelos filmes americanos, lembro das escolas de samba a pé na Avenida Presidente Vargas, um bando de índios de bigode e penas de espanador, pintados de preto, seguidos pelas gordas baianas cobertas de balangandãs, a multidão olhando, apanhando dos cassetetes da PE, a temida Polícia Especial de boinas vermelhas e Harley-Davidsons. Os PEs baixavam o cacete nos populares, mas mesmo assim eram amados pelos espancados que neles viam leais e heróicos homens da lei. Dói-me ver a virtualização do carnaval de hoje, no Rio. O
carnaval oficial virou uma festa para voyeurs, turistas inclusive brasileiros na TV e arquibancadas, turistas de si mesmos. Hoje o carnaval chega pronto. Antes, era uma revelação; hoje ele esconde qualquer coisa. Falta um minimalismo poético nos desfiles de luxo. O carnaval foi deixando de ser dos foliões para ser um espetáculo para os outros; deixou de ser vivido para ser olhado. O carnaval virou uma ostensiva competição de euforia, uma horda de exibicionismos sexuais, uma suruba iminente sem o sensual perfume do passado. Carnaval sempre foi sexo – tudo bem – mas, antes, havia uma doce inibição no ar, havia a suave caretice, uma moralidade mínima, havia cortesia, havia clima de amor nos bailes e não a desbragada orgia sem limites. Hoje há algo de decadência, de compulsivo, uma alegria obrigatória. Hoje há os corpos malhados, excessivamente nus, montanhas de bundas competindo em falsa liberdade, pois ninguém tem tanta tesão assim, ninguém é tão livre assim. Falta celulite, falta maljeito, falta o medo, a ingenuidade, o romantismo, falta Braguinha, falta Lamartine Babo, falta Mário Lago. O carnaval de hoje parece uma calamidade pública musicada por uma euforia desesperada e disputada pelo narcisismo de burgueses e burguesas se despindo para aparecer na TV. Para descobrir um carnaval mãos puro, há que ir à Mangueira, às velhas-guardas, aos blocos-de-sujo das ruas pobres de Santa Cruz (ainda os há?); em suma, há que ir aos detritos que sobraram dos anos 40 e 50, assim como olhamos velhas fachadas entre prédios modernos...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Dia chuvoso e fluidez

O começo do dia chuvoso poderia ter sido melhor, muito melhor.
Poderia ter curado muitas coisas que insistem em estar e feito um bem enorme, sem qualquer distinção.
O simples e o amoroso ao serem alterados, sem a fundamental generosidade, verdade e dedicação, deixam uma sensação esquisita, uma tristeza desnecessária.

Para superar o que deveria ser, mas não é, e o vazio que fica por dentro, somente a boa produção - foi um dia muito produtivo.
O final da tarde e a paz que flui da boa obra, teve seu toque de magia com o som aleatório que surgiu no momento exato. In a sentimental mood com Duke Ellington e John Coltrane, um cálice de bom vinho e carinhosa conversa concluíram o chuvoso dia com soberana leveza.

Quereres

Os quereres são tão fáceis, surgem do nada e somem como ondas. Injusta é a ausência de merecimento do que se quer por absolutamente nada fazer para merecer.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Folia carnavalesca

Bons filmes, boa companhia e quitutes
São as noites gostosas de carnaval
A mente calma vaga por lugar algum e adormece
Sem hora, sem normas, sem protocolos
Confortável tranqüilidade
O mundo pára

A vida pausa
O coração pulsa
A paz pulsa

Pincéis

Pincéis são instrumentos de terapia. Segurá-los com a força correta, direcioná-los com precisão, permitir que fluam e adquiram vida própria, ao mesmo tempo em que esvaziam nossas mentes e se transformam em extensões de nossos braços e mãos. Livres extensões.

Exposição

Com o tempo compreendemos que a necessidade de exposição e a auto-afirmação pública, nada mais são do que claros sinais de que algo não vai bem.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

The right thing to do

Hold me in your hands like a bunch of flowers.

Aroma de manjericão

Abri a janela e o vento trouxe o delicioso frescor e aroma de manjericão
dos vasos próximos. Certas sensações são indescritíveis.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Pátria interior

Exilem todos os monarcas,
Apaguem todas as fronteiras,
Baixem todas as bandeiras,
Rasguem todos os passaportes,

Queimem todos os mapas,
Esmaguem todas as bússolas,
Esqueçam todas as rotas,

Demolam todas as pontes.
Lavrem todos os caminhos,
Afundem todas as armadas,
Desmembrem todos os aviões,
Desmobilizem todos os exércitos,

Suprimam a noção de espaço,
Declarem a abolição do tempo.
Pois encontrei a pátria interior.

M. Daedalus

Yummy

Nenhuma imagem ou palavras conseguem descrever o sabor deste cordeiro assado com batatas que ficam coradas, com superfície crocante e o interior molinho.
Não dá para explicar a maciez, o aroma, o frescor da suculenta carne nem o bem que nos faz. Temperos poucos e certos para que o cordeiro não perca sua característica.
O prazer maior para quem prepara uma refeição, não é acertar na alquimia, mas observar o comportamento à vontade de quem aprecia. Quando os talheres são deixados de lado e os ossos, após estarem bem seguros nas mãos, ficam limpos sobre os pratos, vale verdadeiramente a pena.

Três letrinhas e vapt-vupt

O msn não faz parte das coisas que mais gosto. Acredito até, que pode faltar boa educação e gentileza em seu uso, quando várias diálogos são mantidos ao mesmo tempo, no longos períodos de silêncio que podem acontecer e nas despedidas que nem sempre são como deveriam.
No entanto, para alguns esse programa é essencial. Aliás, fico impressionada com os que mal acordam e já estão conectados, devidamente acompanhados pela série de desculpas para tal comportamento: Uso para trabalho, falo com clientes, trabalho com ele aberto e o tal do trabalho costuma ter um metro e setenta, dedos ágeis e disposição para tudo.
Por sinal, se alguém trabalha com o msn ligado faz tudo, menos trabalhar.
Às vezes, considero válido o msn para economizar telefonemas interurbanos – o que não impede que o trabalho, acima citado, esteja fora da cidade – e conversar com amigas que residem em outros estados, e só para isso.
Além disso, seu bom uso não é tão fácil, pois, para torná-lo um meio de comunicação eficaz, há que ter mente ágil, saber digitar rápida e corretamente e não permitir a queda do ritmo da conversa. A lentidão, ainda mais no msn, é muito ruim, e é difícil encontrar quem acompanhe cadência idêntica.
Mesmo assim, confesso que me diverti bastante no dia que reunimos quatro amigas – três de outra região – e fizemos a maior folia. Ah, também combinei com duas amigas, uma do Rio e a outra de Belo Horizonte, e ainda chamei um amigo em comum para conversa que ficou bem divertida. Mas é só.
Ultimamente, meu computador quando está ligado, mas não é utilizado e entra em hibernação, apronta duas travessuras: me deixa on line e depois perde a conexão sem fio. Acho meio complicado explicar que eu não estava on line apesar do aviso que meus contatos recebem
http://issixia.blogspot.com/2008/01/arte-de-exercer-pacincia-diante-do.html.
De qualquer maneira, incluo esse programa na lista crescente de necessidades dos homens e mulheres insatisfeitos http://issixia.blogspot.com/2008/01/o-homem-insatisfeito.html, bem ao estilo Madame Bovary descrito a seguir.
Casados, casadas, juntados, juntadas, compromissados e a garotada em geral fazem do msn uma festa, de arromba.

O texto abaixo foi escrito pelo Xico Sá em seu blog o carapuceiro, no dia 30.01.08 http://carapuceiro.zip.net/arch2008-01-27_2008-02-02.html

Miojo sentimental ou amor nos tempos no msn

Em cinco minutos, pronto, você está lá na maior das intimidades com a cria da sua costela. Tudo aquilo que demorava dias, meses, com as missivas ou flertes da vida real, virou coisa de segundos nesse outro plano.
É o amor nos tempos do Messenger... Tudo muito rápido, espécie de miojo sentimental, emoções baratas, 3,5 minutos, ferveu, fodeu!
Você nem carece pegar na mão, já vai direto pra cama, pra detrás da moita mais platônica. Não carece nem cantar Paulinho da Viola, olá como vai, quanto tempo, pois é, quanto tempo...
E não é coisa apenas desses moços, pobres moços. Minha amiga K., por exemplo, 55 anos, Madame Bovary dos tempos digitais, tem quatro amantes “fixos” virtuais, além do marido de carne, osso e ronco, como ela mesma diz. “Vou deixar um deles, pois não tem comparecido a contento”, solta a blague. Todos jovens, quase donzelos, meu Deus.
Antes bastava ficar de olho na chegada do carteiro, o bravo homem de amarelo, com o seu embornal de cobranças, boas novas ou lágrimas...
Amor e tecnologia... No princípio era apenas o bina, e matou o velho mistério do telefonema mudo e anônimo. Ofegante, a criatura, apaixonada, ligava só para ouvir a voz do obscuro objeto de desejo do outro lado da linha. Ou mandava uma música do Rei, de preferência a mais romântica: “Vou cavalgar por toda noite, numa estrada colorida...”
É, o telefonema dos desencorajados do amor, esse clássico das antigas, está praticamente enterrado.
Depois, chegou a telefonia móvel. Uma revolução na crônica de costumes. O fim de muitas desculpas canalhas. Tipo aquele homem que tomava um chá de sumiço e voltava, batom até no lenço d´alma, com os álibis mais inverossímeis desse planeta.
Outra alvissareira função do celular é fugir dos mal-assombros sentimentais. Você quer ir numa festa e sabe que aquele infeliz pode estar lá, serelepe, nos braços de uma “vagabunda” qualquer. Uma ligação e pronto, o amigo dá o serviço completo das assombrações. Pena que o mesmo aparelho também sirva para matar as surpresas, o friozinho na barriga, aquela coisa toda, lembra?
O amor nos tempos do MSN (Multidão Sem Ninguém, como decifra a hermanita Clarah). E o novo problema –amor & tecnologia- já está ficando velho, não adianta resmungos e muxoxos dos nostálgicos precoces, já está ficando velho, amigo, como se fosse um enigma grego, tipo assim decifra-me ou te deleto: como transformar uma tara platônica em uma trepada homérica?

O melhor restaurante japonês

Gosto muito da culinária japonesa e dos rituais para sua boa degustação.
Em São Paulo, cidade que tem uma quantidade considerável de restaurantes de comida japonesa, escolher um - o melhor - não é tarefa das mais fáceis.
Durante um bom tempo, considerei os seguintes pressupostos básicos: O sushiman ser japonês, mal humorado e não falar uma única palavra em português, como garantias básicas para os melhores sushis e sashimis.

Mas mudei radicalmente de opinião ao conhecer o melhor restaurante japonês e assim mantê-lo, durante anos, não importam quantos gostariam de ocupar esta posição.
Falo do Kinoshita, não só pelas iguarias espetaculares, mas pelo tratamento gentil, cordial e interessado que é dedicado pelos que ali estão, principalmente, pelo grande chef Tsuyoshi Murakami.
Testemunho com convicção a qualidade espetacular da cozinha kappo de Murakami e a especial atenção que ele e sua mulher ofertam, ainda mais, após ter presenciado em seu restaurante, cena inesperada e constrangedora protagonizada por companhia cujo comportamento inédito foi desmedido. A saia justa momentânea e embaraçosa só fez confirmar o traquejo do casal e a consideração que dispensam. O Kinoshita merece toda especial deferência e é, sem dúvida, o melhor restaurante japonês.
Sugiro o menu-degustação e todas as excelentes surpresas criativas que o acompanham, mas para isso, é necessário reservar.
Esse restaurante inaugura nova fase com sua mudança da rua da Glória para um belíssimo lugar na Jacques Felix.
Murakami associou-se a Marcelo Fernandes (ex- D.O.M e atual Mercearia do Francês) e juntos buscaram no Japão as louças e facas próximas da perfeição que são utilizadas. Lanternas japonesas de papel, bonsais, armações de madeira e bambu criam o ambiente ideal, sem esquecer da bela adega com vinhos de primeira qualidade e saquês especiais.
Lembro bem que ao se apresentar, Murakami recomendou que deixássemos a pressa na porta. Vale a pena conhecer um pouco mais da trajetória desse magnífico chef e ele a compartilha com seus clientes.

No Kinoshita resgatamos o verdadeiro prazer da excelente refeição e serviço.