sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O cão engoliu um gramofone

Todos que têm animais de estimação em casa sentem a mesma coisa, às vezes, de forma exagerada. Lembro que estranhei quando a dona da petshop, em Brasília, ao conversar com nosso cão, referiu-se a mim como “a mamãe” e ao meu filho como “papai”. Estranhei a idéia de ser mãe de um cachorro, ainda mais tendo meu filho como pai, mas é exatamente assim que as pessoas tratam seus animais. E os estragam como estragariam seus filhos, mimam como mimariam seus filhos, entopem de brinquedos, proporcionam alimento errado, se apegam e conversam como conversariam com seus próprios filhos – até melhor.
Fato é que este cão tem história. Ele é candango e acompanhou-nos em nossa volta para São Paulo. Meu filho apareceu com ele escondido e o cão foi causa da única resistência que ofereci a minha mãe, que não queria animais de estimação em casa. Numa sexta feira, há oito anos, quando voltei tarde do trabalho e olhei a cara do filhotinho e a cara do meu garoto – as duas assustadas e temerosas – resolvi que aderiria à campanha e o cão ficou. A primeira consulta ao veterinário foi hilária. Por sorte, o doutor José Carlos é muito boa praça, paciente, excelente profissional e não deixou de responder minhas absurdas perguntas. Naquele dia, aprendi o que eram carrapatos e o que são cães.
Meu filho comentou sobre o comportamento do cocker, que não se integra à família que o acolhe, mas a considera parte de sua própria família. Pois é assim que age este cão: Ele é o chefe e nós seus humanos agregados. Ele coloca ordem na bagunça, se impõem sobre os ânimos exaltados, arrefece a agressividade, impede brincadeiras duras, fica ao lado de quem mais precisa e exige que compartilhemos a refeição juntos – ele no chão, ao nosso lado, com seu prato de ração. Se meu filho me espera à mesa enquanto tempero a salada fresquinha, o cão vem até mim e late para que eu ocupe meu lugar e só então começa a comer. Faz parte do seu comportamento habitual ir onde estou, dar uma olhadinha para ver se está tudo bem, fazer o mesmo com meu filho e sentar-se no corredor a proteger os dois.
Foi este cão que não arredou patinha e ficou ao meu lado durante o tempo que minha mãe teve Alzheimer e não me reconhecia. Foi ele também, há poucos meses, a única companhia que tive no duro pós-operatório e no descanso do tratamento contra o câncer. Sua incansável dedicação é parte importante da minha cura.
No começo da semana passada, meu filho o levou ao veterinário perto de casa, e foi feita punção da pequena bolsa de sangue recém formada na orelha caída do cocker.
No final da mesma semana, o garotão voltou para casa com o cão anestesiado e prostrado em seu colo, após cirurgia que durou três horas. Seu comentário: Mãe, você não agüentaria ficar ao lado dele durante a operação, e confesso que me preocupei com os dois, afinal, é natural que meu filho esteja sensível a doenças e tratamentos.
Ontem à tarde, foi a minha vez de levar nosso cão para a mesma veterinária em busca de solução que, segunda ela, seria um pic seguido de pomada e curativo.
Pois o tal do pic representou cinco cortes com bisturi na orelha recém operada do cão e meia seringa de sangue sem qualquer anestesia. Fiquei na sala ao lado dele o tempo todo. O experiente funcionário da clínica que o segurava ficou bem cansado e emocionado. No curto intervalo que propiciaram ao cão para que sua dor e estresse diminuíssem, ele olhou para o rapaz que o segurava com carinho. Não sei se cães têm índole, mas afirmo que este cão tem índole muito boa. Voltamos para casa com a coleira elizabetana que deveria ter sido colocada depois da primeira cirurgia. Nosso cocker desnorteado e atrapalhado com aquela coisa a envolver sua cabeça. Por um tempinho o gramofone o acompanhará e eu não arredarei pé e ficarei ao lado dele, porque é assim que deve ser. Porque ele merece.

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