terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Folguedo popular

A seguir, parte do texto escrito por Arnaldo Jabor e publicado no Estadão, em 05.02.08

Não é a primeira vez que digo que o carnaval virou um tema para o mercado, para as empresas, para os pacotes turísticos; o carnaval virou um produto.
Eu tenho saudades da inocência perdida do passado. Lembro das marchinhas toscas que começavam a tocar nas rádios por volta de dezembro, lembro das fantasias bobas – legionários, piratas, caubóis – influenciadas pelos filmes americanos, lembro das escolas de samba a pé na Avenida Presidente Vargas, um bando de índios de bigode e penas de espanador, pintados de preto, seguidos pelas gordas baianas cobertas de balangandãs, a multidão olhando, apanhando dos cassetetes da PE, a temida Polícia Especial de boinas vermelhas e Harley-Davidsons. Os PEs baixavam o cacete nos populares, mas mesmo assim eram amados pelos espancados que neles viam leais e heróicos homens da lei. Dói-me ver a virtualização do carnaval de hoje, no Rio. O
carnaval oficial virou uma festa para voyeurs, turistas inclusive brasileiros na TV e arquibancadas, turistas de si mesmos. Hoje o carnaval chega pronto. Antes, era uma revelação; hoje ele esconde qualquer coisa. Falta um minimalismo poético nos desfiles de luxo. O carnaval foi deixando de ser dos foliões para ser um espetáculo para os outros; deixou de ser vivido para ser olhado. O carnaval virou uma ostensiva competição de euforia, uma horda de exibicionismos sexuais, uma suruba iminente sem o sensual perfume do passado. Carnaval sempre foi sexo – tudo bem – mas, antes, havia uma doce inibição no ar, havia a suave caretice, uma moralidade mínima, havia cortesia, havia clima de amor nos bailes e não a desbragada orgia sem limites. Hoje há algo de decadência, de compulsivo, uma alegria obrigatória. Hoje há os corpos malhados, excessivamente nus, montanhas de bundas competindo em falsa liberdade, pois ninguém tem tanta tesão assim, ninguém é tão livre assim. Falta celulite, falta maljeito, falta o medo, a ingenuidade, o romantismo, falta Braguinha, falta Lamartine Babo, falta Mário Lago. O carnaval de hoje parece uma calamidade pública musicada por uma euforia desesperada e disputada pelo narcisismo de burgueses e burguesas se despindo para aparecer na TV. Para descobrir um carnaval mãos puro, há que ir à Mangueira, às velhas-guardas, aos blocos-de-sujo das ruas pobres de Santa Cruz (ainda os há?); em suma, há que ir aos detritos que sobraram dos anos 40 e 50, assim como olhamos velhas fachadas entre prédios modernos...

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