segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A verdadeira lua-de-mel não acaba

Antonieta escreve uma longa carta, cuja finalidade é saber: -“Quanto tempo dura uma lua-de-mel?” – Darei a minha opinião a respeito. Acho justo, porém, tentar, primeiro, um resumo da história amorosa da minha leitora. Ela conheceu um rapaz, flertou com ele, namorou, noivou e casou. O namoro e o noivado constituíram algo assim como uma novela, um romance, ou certos filmes de amor. A própria Antonieta confessa: -“Durante o período em que fui namorada ou noiva, conheci uma felicidade sem igual. Não pensei, nunca, que alguém pudesse ser tão feliz”. Veio, depois, o casamento. E, com o casamento, a lua-de-mel. Na lua-de-mel, a mesma felicidade ou, se possível, uma felicidade ainda maior. E foi só. Porque, uma vez terminada a lua-de-mel, a vida matrimonial começou a sua rotina exasperante. Antonieta encontrou-se em face do que ela chama a “realidade”. E o que vem a ser esta realidade? A monotonia de dias e semanas que se parecem uns com os outros, que não diferem nada, entre si. A moça fez a si mesma – milhares de vezes – esta pergunta: -“Mas é isso o casamento? é isso o amor?” A própria experiência ensinou-lhe uma verdade, extremamente desagradável, ou seja: que o amor não sobrevive à lua-de-mel. “Eu tinha uma noção falsa do amor” – continua a missivista. “Pensava uma coisa, e é outra.”
Não, minha pobre Antonieta, você pensava uma coisa e era isso mesmo! Você está enganada, agora, e certa antes. Preliminarmente, você coloca muita mal a questão, ao perguntar – “Quando tempo dura a lua-de-mel?” O fato de formular esta pergunta, ou este problema de tempo, prova, simplesmente, o seguinte: que você nada sabe de amor, que você não conhece o amor. Você foi namorada, noiva e é esposa, tudo isso sem amor. Porque se o seu sentimento fosse verdadeiro, você saberia que a lua-de-mel não tem prazo. Na verdade, nós só sabemos quando ela começa e ignoramos quando acaba. Porque, na verdade, não acaba. Eis a verdade do amor: a lua-de-mel é eterna. Eu, você e outras pessoas é que pensamos o contrário, pensamos que a lua-de-mel se resume aos primeiros dias do casamento. Nenhum juízo mais falso e convencional, nenhuma idéia mais frágil e ingênua e que corresponda menos à experiência amorosa. Se houvesse uma medida para a lua-de-mel, poderia ser estabelecida nestes últimos termos:- “A lua-de-mel dura tanto quanto o amor”. E seria justo ou necessário acrescentar: “Mas o amor é eterno.” Esta última afirmação cria um outro problema: ”pode o amor ser eterno?” A maioria das pessoas acha que não. Acha que não existem sentimentos eternos. Perdão, existem, sim. Há sentimentos que nascem com a pessoa, que a acompanham até a morte.
E, para não ir muito longe, citarei um : o sentimento materno. A mulher já é mãe, antes de o ser; mãe, no plano psicológico, na sua afeição pelas bonecas e uma séria de outras manifestações ultraperceptíveis nas meninas, e por onde se revela a presença e a irradiação de um instinto maravilhoso. Até o último suspiro, a mulher gosta do filho, como no primeiro dia. Portanto, verificamos o seguinte: há, quanto mais não seja, um sentimento eterno. E, como isso, abre-se a possibilidade, pelo menos teórica, da existência de outros sentimentos eternos. Por que o amor não o será, também? Tanto mais que o sentimento materno e o amor dependem um do outro – pelo menos nos casos normais. Parece-me a mim fácil, muito fácil, amar, sempre, o homem que, além de ser o bem-amado, é o pai dos nossos filhos. Nós perguntamos: -“Quanto tempo dura a lua-de-mel?” Acho isso tão absurdo quanto esta outra pergunta:- “Quanto tempo dura o amor materno?” Ou: “Quanto tempo a mulher pode gostar do seu filho?” A boa amorosa é como a mãe perfeita – ama sem condições, não julga, e muito menos condenam a criatura amada. Portanto, Antonieta, acredite em mim: se a sua lua-de-mel acabou, é porque não era nem lua, nem de mel.”


("O consultório sentimental de Nelson Rodrigues" - Diário da Noite, 1949)

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