Nada na natureza tem nome.
Como se de um jardim botânico
sem indicações precisas – em latim de preferência – se tratasse.
Lineu rir-se-ia da minha ignorância feliz –
deste conhecimento que complacente
se diverte no seu desconhecimento
Formas, cores, a ebriedade dos cheiros,
a insensata vertigem sensitiva de um bosque,
a atmosfera vegetal de uma estufa,
as flores como sexos – são sexos? – abertos
onde perante visitas mergulho.
Atônitos ficariam se soubessem que nada na natureza –
é “natureza” este voluptuoso jogo
de se desconhecer? – tem nome. Tudo é orgânico recorte
que o herbário não contém, desequilíbrio,
sonho do indecifrável que lento se putrefaz
perante a virtuosa ignorância classificatória
em mim se animando.
* * *
Escreverás sobre a sujeição dos animais.
Mas não hoje. Lembra-te de como se move
a pantera, ainda, na jaula sem literatura
que lhe legaram. Lembrar-te-ás. Mas não hoje.
Porque hoje é o dia em que as metáforas
despertam, a arca se abre, e a linguagem
se assemelha a uma invenção em aberto.
Uma vigília de metáforas preenchendo a noite,
como um Fogo-de-Santelmo que, eternamente,
a cobrisse, a si e ao seu manto e aos seus símbolos.
Hoje é o dia em que a noite se faz dia,
em que a linguagem celebra os animais
depois dos animais terem perecido,
mas sem que haja memória disso,
sequer nostalgia disso. Apenas linguagem,
apenas sentido e som a ressoar dentro
do sentido, sem que a hipótese de um princípio
se imponha, sem que a hipótese de um fim se imponha.
Haverás de despertar, tu também,
para a vigília das metáforas,
para o sonho da linguagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário