Nada é como se abrisse
ou cintilasse
com a brisa correndo na negrura
E não é uma cúpula
ou umas estrias
noturnas
Porém há uma visão
quase
como uma haste tensa
que mal cintila
e é toda ela um surto
que se dissemina
dentro de si
E assim transmuta a sombra
com a sombra mesma
e por nós respira
* * *
Sílabas.
O álcool de Dezembro é frio e rouco.
O cigarro amargo. É um cigarro clínico.
Sílabas.
Com sílabas se fazem versos.
O tampo da mesa é liso.
Uma colher é uma forma complexa
familiar e deliciosa.
Um copo é nítido
como um criado sem servilismo.
Uma mulher condensa-se
no olhar do poeta.
Um corpo. Duas sílabas.
O dinheiro à justa. A gola da gabardina
para tapar a nuca
e os ouvidos.
Sílabas.
* * *
Eu vi o seu sorriso sob a sombra das folhas
e vi-o adormecer. Senti que mergulhava
em plácidas águas. Um tesouro
fulgurava entre as pedras e os limos.
Que tranquila a paixão, toda silêncio e luz!
Como um grande barco verde a folhagem navegava.
O coração do estio pulsava nas cigarras.
O sorriso do deus era um começo infinito.
O desejo no sono abria-se completo
numa corola de água, fogo e ar.
Os símbolos desfizeram-se em imediatas evidências.
Estávamos no seio da realidade ardente.
2 comentários:
Leio bastante Antonio Ramos Rosa nos blogs de meus amigos virtuais de Portugal. Não tenho um livro dele, mas gosto muito dos poemas que encontro por aí.
Veja que coincidência: acabo de receber um livro de poemas de um amigo baiano e a epígrafe é
"Entre o que vês e o que não vês a palavra é um caminho que se separa do mundo para que o mundo comece".
António Ramos Rosa
Postar um comentário