terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O que tentam dizer as árvores no seu silêncio lento e nos seus vagos rumores, o sentido que têm no lugar onde estão, a reverência, a ressonância, a transparência

Nada é como se abrisse
ou cintilasse
com a brisa correndo na negrura
E não é uma cúpula
ou umas estrias
noturnas
Porém há uma visão
quase
como uma haste tensa
que mal cintila
e é toda ela um surto
que se dissemina
dentro de si
E assim transmuta a sombra
com a sombra mesma
e por nós respira

*        *        *

Sílabas.
O álcool de Dezembro é frio e rouco.
O cigarro amargo. É um cigarro clínico.
Sílabas.
Com sílabas se fazem versos.

O tampo da mesa é liso.
Uma colher é uma forma complexa
familiar e deliciosa.
Um copo é nítido
como um criado sem servilismo.
Uma mulher condensa-se
no olhar do poeta.
Um corpo. Duas sílabas.
O dinheiro à justa. A gola da gabardina
para tapar a nuca
e os ouvidos.
Sílabas.

*        *        *

Eu vi o seu sorriso sob a sombra das folhas
e vi-o adormecer. Senti que mergulhava
em plácidas águas. Um tesouro
fulgurava entre as pedras e os limos.
Que tranquila a paixão, toda silêncio e luz!
Como um grande barco verde a folhagem navegava.
O coração do estio pulsava nas cigarras.
O sorriso do deus era um começo infinito.
O desejo no sono abria-se completo
numa corola de água, fogo e ar.
Os símbolos desfizeram-se em imediatas evidências.
Estávamos no seio da realidade ardente.

2 comentários:

Gerana Damulakis disse...

Leio bastante Antonio Ramos Rosa nos blogs de meus amigos virtuais de Portugal. Não tenho um livro dele, mas gosto muito dos poemas que encontro por aí.

Gerana Damulakis disse...

Veja que coincidência: acabo de receber um livro de poemas de um amigo baiano e a epígrafe é
"Entre o que vês e o que não vês a palavra é um caminho que se separa do mundo para que o mundo comece".
António Ramos Rosa