Ví cadeira boa sentei
Espirrei na tua gripei
Por ficar ao léo resfriei
Você me agradou me acertou
Me miseravou, me aqueceu
Me rasgou a roupa e valeu
E jurou conversas de deus
Aganjú
Quem sabe a labuta quitar
Sabe o trabalho que dá
Batalhar o pão e trazer
Para a casa o sobreviver
Encontrei na rua a questão
Cem por cento a falta de chão
Vou rezar prá nunca perder
Essa estrutura que é você
Dentre outras, tantas outras, ouço Bebel Gilberto
Preencho espaço, por assim dizer, com total e incompreensível nonsense. Gripe, não sei se é gripe. A coisa começa tão rápido, o mal estar é imediato, que não dá tempo de maturar, sentir todas as fases e se guardar. De madrugada os dois lados da garganta doíam, espirros e tosse vieram em seguida, nariz entupido, secreção em excesso, dor de cabeça daquelas. Boca seca e febre, tudo em poucas horas. Meu sistema imunológico deve estar em férias, pediu licença e saiu. Dormir? Quem consegue? Justo no dia que o despertador tocou bem mais cedo para cumprir procedimento estranho, no mínimo absurdo, e ir à município desconhecido, como? qual caminho seguir? cadê o telefone do ser a encontrar? Tudo começou errado, tão errado. A solução está aqui, ao lado. O normal, correto, justo, honesto está aqui, ao lado. É aqui que deveria ser. Nessas horas a internet é genial e oferece endereço certo, informa telefone esquecido, supre deficiências e incompetências, apresenta mapa para a chegada ao destino por mais errado que seja, por que lá, não deveria ser. O que fazer? Taxi para ir e voltar do outro lado do mundo não pego. Ônibus, metro, trem, caminhada, balsa e canoa nem pensar, não sem ter ideia do lugar, com febre, dor no corpo e na cabeça, tontura e mal-estar. Meu carro ainda não dirijo por conta dos tornozelos, os dois, mais essa. Aqui, somos dois adultos e o cão. A mãe sempre cuidou de tudo e, independente, garantiu a boa via aos dependentes até não poder mais. Como, de repente, tornar-se limitada, pedir arrego, mostrar-se tão fraca a ponto de permitir que o nonsense prejudique ainda mais? É o seguinte, garotão, por causa das pendências de terceiros preciso ir ao outro lado do mundo, você pode me levar até lá? A resposta: levar e esperar, né mãe? Engole. Engole com calma, porque o garotão ta mais do que certo, corre tanto para dar conta de suas responsabilidades, para cumprir seu papel e não pode perder tantas horas de seus afazeres por causa do nonsense. O super celular virou super GPS com voz de moça que orienta e tela que apresenta o caminho a seguir. Não sei quantas vezes ouvi a frase mudança de rota, além das orientações incompletas: siga dois vírgula quilômetros e vire levemente à direita e... e o quê? Longos minutos após, a tia (naquela altura a voz feminina era íntima amiga de infância de toda a família) recomeça: siga vírgula cinco quilômetros e vire levemente à esquerda e... Céus! Sabem quando eu chegaria sozinha no outro lado do mundo? Nunca. E o lá, o outro lado do mundo, erra de doer. Que bagunça, que coisa estranha, moço com pinta de dono daquele mundo – o do outro lado – ah, meu Deus! Falo com o moço que tem de cor seu discurso e não espera por novas perguntas. Puxa, tadinho, teve que sair do script e apelou. Não, não e não. Pode o nonsense tornar-se mais nonsense ainda? Em situações raríssimas, descobrimos que pode: esqueceram de preencher, assinar e carimbar o papel do jeito que deveria ser. O garotão me puxa de lado, tira minha angústia, relembra meu centro, me acalma e toma as rédeas. O moço negativo amolece e vai além de seus limites para suprir a deficiência e a incompetência alheia. De fato, ele passou por cima de regras claras e rígidas - deixou de lado o carimbo e a assinatura, deixo de lado o cálculo errado e eu também deixei. Fiquei tão grata ao meu filho, reconheço que ele perdeu horas preciosas de sua ocupação e sei que ele (e eu também) não tem qualquer relação com o nonsense, a ponto de envergonhar-me de pedir sua ajuda na próxima segunda, dia das "bobópsias", retirada de pedaços meus e a costura com pontos em três lugares diferentes e difíceis, pele e osso. Neste lado do mundo eu me viro.
Um dia e meio de cama, hoje, sai um pouco de casa.
Um comentário:
Acontece. A gente, às vezes, precisa se permitir entrar no mundo do nonsense sem muita culpa.
O garotão é muito legal.
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