sábado, 20 de fevereiro de 2010

Nonsense

Te esperei na lua crescer
Ví cadeira boa sentei
Espirrei na tua gripei
Por ficar ao léo resfriei
Você me agradou me acertou
Me miseravou, me aqueceu
Me rasgou a roupa e valeu
E jurou conversas de deus
Aganjú
Quem sabe a labuta quitar
Sabe o trabalho que dá
Batalhar o pão e trazer
Para a casa o sobreviver
Encontrei na rua a questão
Cem por cento a falta de chão
Vou rezar prá nunca perder
Essa estrutura que é você

Dentre outras, tantas outras, ouço Bebel Gilberto

Preencho espaço, por assim dizer, com total e incompreensível nonsense. Gripe, não sei se é gripe. A coisa começa tão rápido, o mal estar é imediato, que não dá tempo de maturar, sentir todas as fases e se guardar. De madrugada os dois lados da garganta doíam, espirros e tosse vieram em seguida, nariz entupido, secreção em excesso, dor de cabeça daquelas. Boca seca e febre, tudo em poucas horas. Meu sistema imunológico deve estar em férias, pediu licença e saiu. Dormir? Quem consegue? Justo no dia que o despertador tocou bem mais cedo para cumprir procedimento estranho, no mínimo absurdo, e ir à município desconhecido, como? qual caminho seguir? cadê o telefone do ser a encontrar? Tudo começou errado, tão errado. A solução está aqui, ao lado. O normal, correto, justo, honesto está aqui, ao lado. É aqui que deveria ser. Nessas horas a internet é genial e oferece endereço certo, informa telefone esquecido, supre deficiências e incompetências, apresenta mapa para a chegada ao destino por mais errado que seja, por que lá, não deveria ser. O que fazer? Taxi para ir e voltar do outro lado do mundo não pego. Ônibus, metro, trem, caminhada, balsa e canoa nem pensar, não sem ter ideia do lugar, com febre, dor no corpo e na cabeça, tontura e mal-estar. Meu carro ainda não dirijo por conta dos tornozelos, os dois, mais essa. Aqui, somos dois adultos e o cão. A mãe sempre cuidou de tudo e, independente, garantiu a boa via aos dependentes até não poder mais. Como, de repente, tornar-se limitada, pedir arrego, mostrar-se tão fraca a ponto de permitir que o nonsense prejudique ainda mais? É o seguinte, garotão, por causa das pendências de terceiros preciso ir ao outro lado do mundo, você pode me levar até lá? A resposta: levar e esperar, né mãe? Engole. Engole com calma, porque o garotão ta mais do que certo, corre tanto para dar conta de suas responsabilidades, para cumprir seu papel e não pode perder tantas horas de seus afazeres por causa do nonsense. O super celular virou super GPS com voz de moça que orienta e tela que apresenta o caminho a seguir. Não sei quantas vezes ouvi a frase mudança de rota, além das orientações incompletas: siga dois vírgula quilômetros e vire levemente à direita e... e o quê? Longos minutos após, a tia (naquela altura a voz feminina era íntima amiga de infância de toda a família) recomeça: siga vírgula cinco quilômetros e vire levemente à esquerda e... Céus! Sabem quando eu chegaria sozinha no outro lado do mundo? Nunca. E o lá, o outro lado do mundo, erra de doer. Que bagunça, que coisa estranha, moço com pinta de dono daquele mundo – o do outro lado – ah, meu Deus! Falo com o moço que tem de cor seu discurso e não espera por novas perguntas. Puxa, tadinho, teve que sair do script e apelou. Não, não e não. Pode o nonsense tornar-se mais nonsense ainda? Em situações raríssimas, descobrimos que pode: esqueceram de preencher, assinar e carimbar o papel do jeito que deveria ser. O garotão me puxa de lado, tira minha angústia, relembra meu centro, me acalma e toma as rédeas. O moço negativo amolece e vai além de seus limites para suprir a deficiência e a incompetência alheia. De fato, ele passou por cima de regras claras e rígidas - deixou de lado o carimbo e a assinatura, deixo de lado o cálculo errado e eu também deixei. Fiquei tão grata ao meu filho, reconheço que ele perdeu horas preciosas de sua ocupação e sei que ele (e eu também) não tem qualquer relação com o nonsense, a ponto de envergonhar-me de pedir sua ajuda na próxima segunda, dia das "bobópsias", retirada de pedaços meus e a costura com pontos em três lugares diferentes e difíceis, pele e osso. Neste lado do mundo eu me viro.
Um dia e meio de cama, hoje, sai um pouco de casa.

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

Acontece. A gente, às vezes, precisa se permitir entrar no mundo do nonsense sem muita culpa.
O garotão é muito legal.