Este tema é complexo e divide opiniões. Tudo o que envolve o thánatos, a morte, é de difícil compreensão e aceitação. A morte é um dos grandes mistérios e para amenizar seu impacto buscamos informações em diversas fontes – todas baseadas em crenças – e comumente adotamos alguma fé. Ressurreição, reencarnação, ou, o simples fim, não compõem o diálogo proposto neste texto, mas, sim, a condição de escolhermos a morte, ou melhor, definirmos a nossa morte com o devido amparo médico e legal.
A palavra eutanásia é forte e paradoxal por unir o eu (milagre da vida) ao thánatos. Logo, raramente dissociamos da eutanásia o desamor, a desesperança e o desespero. Entendemos que a eutanásia agride e ausenta o eu-fiel do tempo, que não comandamos, e da vida, que não nos pertence.
O Estado pretende tutelar nossa existência, portanto, dentre outras ações consideradas delituosas a legislação proíbe a eutanásia. A intenção do legislador é proteger-nos contra a ação daqueles que poderiam nos impor dano de tal forma intenso e insuportável, a ponto de retirar a nossa vontade e capacidade de viver. Imagine uma criatura sádica e vil que, aos poucos, aniquila a auto-estima de sua vítima e a induza à própria destruição. Alguns doutrinadores qualificam esse procedimento de “homicídio disfarçado”.
No tempo da faculdade de Direito, mais ingênuos e inexperientes, discutíamos sobre a efetiva "indução ao suicídio" praticada pelo malfeitor ao dizer a vitima, criatura desesperançada em pé à beira do telhado: "Mais um passinho, um passinho só e todos os seus problemas acabarão." À época, desconhecíamos a extensão dos danos emocionais causados por terceiros.
Qual é a sua interpretação do artigo 122 do Código Penal Brasileiro? “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar auxílio para que o faça”.
Eis a minha constatação: Há dez dias meço palavras, conto letras e refaço frases para descobrir-me incapaz de demonstrar-lhes, de forma eficaz, o que penso sobre este tema e sobre o respeito pela dignidade e lucidez dos gravemente enfermos. Perseverança, superação e fé são conceitos constantes e fortes, que me fizeram oscilar a favor e contra a eutanásia. Concluo que cada situação merece análise e procedimentos exclusivos.
Assim, sugiro duas obras que deveriam ser assistidas, para que este tema não seja esquecido: O filme “A short stay in Switzerland”, 2009, de Frank McGuinness, com a primorosa interpretação de Julie Walters e “Mar adentro”, 2004, de Alejandro Amenábar, e a genial interpretação de Javier Bardem.
Para relembrar Julie Walters é uma das mais ativas atrizes inglesas e atuou em Billy Eliot (2000), Harry Poter, Calendar Girls (2003) e, recentemente, em Mamma Mia! (2008). Javier Bardem dispensa comentários. Ambos representam histórias e personagens reais: A médica Anne Turner e o pescador Ramón Sampedro. A BBC recebeu críticas pela apresentação de “A short stay in Switzerland”, o que me entristece pelo comportamento que ainda adotamos, ao deixarmos de lado assuntos que incomodam. O fato é que a vida não vem com manual de instrução e evitar o diálogo sobre temas difíceis não é a melhor solução.
Eu prometi que encontraria o texto dito por Bardem no final do filme. Cumpro a promessa: “Mar adentro, mar adentro, e na leveza do fundo... onde se realizam os sonhos... se juntam duas vontades para realizar um desejo. Seu olhar e meu olhar. Como um eco, repetindo sem palavras.
Mais adentro, mais adentro. Até mais além de tudo, pelo sangue e pelos ossos. Mas eu acordo sempre, e sempre quero estar morto para continuar com a minha boca enredada em seus cabelos.”
Um comentário:
Vi o filme espanhol.
Quanto ao tema: creio que é difícil optar por ser um deus e cancelar a vida. Pessoalmente não conseguiria seguir em frente, sabendo que disse sim para o fim de alguém, mesmo que esse alguém desejasse (porque até tal desejo, cuja realização vai depender do consentimento de outra pessoa, é um egoísmo - quem fica carregará o consentimento; duro, não é?).
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