quinta-feira, 22 de abril de 2010

O grande erro da mulher

É certo que algumas coisas mudaram, conquistamos mais ônus do que bônus e nos enganamos com a ideia de  sermos  livres, apesar do pensamento tacanho e provincial ainda limitar nossos comportamentos, inclusive os que deveriam ser simples e naturais.
Outro dia ao ler o texto publicado no blog 02 neuronios (“ela está almoçando sozinha? tadinha"), percebi que  passados vinte e cinco anos, muita coisa ainda não mudou.
Existe coisa mais corriqueira e banal do que apreciarmos sozinhas nossas refeições em algum restaurante? Nós, mulheres independentes, criadoras solitárias de nossas proles, trabalhamos bem mais do que os homens em prol da manutenção de nossos empregos (sim, enquanto o homem mata um leão por dia a mulher mata dois leões, além de consolar as leoas), ganhamos menos e com certa elegância conseguimos conviver em um mundo cuja essência é machista.
Em 1985, enquanto meu adorado pai, hemiplégico por conta de alguns derrames e com câncer na pleura, passava seus dias no hospital, era eu, findo o horário de visita sempre postergado mais e mais, quem saía do hospital arrasada, faminta e sem a mínima vontade de voltar para casa para não compartilhar com os meus a tristeza e a amargura sentidas.
Assim, após o dia emocional e fisicamente estafante eu ia ao restaurante Box, na rua Padre João Manuel quase esquina com a alameda Franca (lugar então decorado com aerofólios de carros da fórmula 1) para me alimentar, recuperar a energia e retirar parte da tristeza, antes de abraçar o meu lindo pimpolho. Eu ia ao Box porque era o restaurante corriqueiro dos meus tempos de namoro e casamento e porque lá, à época, por mais de uma década, os garçons conheciam a mim e ao meu ex-marido, e um daqueles garçons, não lembro seu nome, mas tenho seu rosto bem guardado na memória, sem que eu pedisse era o meu fiel protetor: Ele postava-se elegante e discretamente em pé, próximo à mesa da frente. Eu nunca fui incomodada, tampouco maltratada e salvo a atitude protetora e discreta daquele garçom, eu nunca me senti diferente.
Em Brasília, lá pelos idos de 1993, a coisa era bem triste. Almoçar ou jantar sozinha em algum restaurante frequentado pela côrte era o mesmo que tornar-se a moça amarrada na roda de madeira diante do experiente atirador de facas. No caso, ferozes atiradoras de facas, com excelente pontaria e olhar fulminante. O preconceito na Capital provinciana vinha da ala feminina.
Em 2010, é inadmissível que as mulheres ainda sintam-se intimidadas e constrangidas a frequentar sozinhas qualquer lugar público: Restaurantes, cafés, cinemas, museus... Não somos seres eminentemente gregários e dependentes, tampouco precisamos de duplas ou grupos para sobreviver socialmente. Ao contrário, temos nossos próprios gostos, saberes e bons momentos de silêncio são sempre benvindos e apreciados.
Pois lá fui eu, na quinta passada, após consultas no Hospital do Câncer e descarte de nova malignidade, almoçar em um restaurante quase grego, na esquina da rua Augusta com a rua Antônio Carlos. Eu estava em júbilo com o resultado negativo dos exames e quis apreciar uma bela porção de calamares fritos, acompanhados por um filê de salmão com legumes. O que mais combinaria com as lulas fritas do que uma bela e gelada cerveja grega, da região de Thessalônica? Detalhe: Eu não costumo beber por não sentir necessidade e, também, por que os medicamentos que tomo não combinam com álcool. Meus Deus! Ocorre que naquele momento eu vislumbrei somente duas alternativas para comemorar minha alegria: Dançar pela avenida Paulista ou brindar à saúde – orações e agradecimentos foram feitos depois. 
O educado garçom do lugar cometeu dois pequenos enganos: De cara chamou-me de “querida” (em troca foi tratado por senhor) e perguntou-me se eu tinha certeza que gostaria de tomar a tal cerveja. Ponto para mim ou para ele? Será que ele pensou: hum, essa moça não tem cara de quem bebe, por isso, devo protegê-la, ou, xi, essa moça ta diferente e vai me dar trabalho se tomar essa cerveja. Macacos e galhos em seus devidos lugares, a gentileza é muito legal em qualquer situação, aqueles foram os melhores calamares fritos que eu comi e aquela foi a melhor cerveja que eu bebi.
Subi a rua Antônio Carlos, atravessei a avenida da Consolação e feliz, voltei a pé para casa.

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

Fiquei com uma vontade danada de comemorar com você. Até abriria mão de ser sempre do contra (não beber, não comer carne, essas minhas fixações) e tomaria também uma cerveja. Depois, iríamos dançar na Av. Paulista, sim. Por que não? Minha capacidade imaginativa já está sonhando a cena.