domingo, 22 de novembro de 2009

Por ser crente e descrente, matricial e fiel, ferozmente a si próprio


Sobrenomes terminados em akis, aki, são originários da ilha de Creta, e foi esse texto sobre os sobrenomes gregos que recebeu o comentário da grega - para os gregos todos os filhos, netos, bisnetos, tataranetos até a vigésima sétima geração de gregos são gregos - que impressiona pelas excelentes qualificações de seu perfil e, mais ainda, pelo seu vasto conhecimento da boa literatura. Para você, leitora crítica e generosa, poesias portuguesas e a imagem típica grega da entrada de um kafenion, onde costumam tomar café não coado, jogar gamão, brincar com o kombolói entre os dedos da mão e trocar a sabedoria milenar, para agradecer sua presença sempre bem vinda e suas palavras da hora certa, do momento exato. Saúde e paz.

Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura

Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis

Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor

José Tolentino de Mendonça

*        *        *

aprende a falar – diz
a rosa: escreve de noite
e que o meu múltiplo sol
te guie inúmeros
os caminhos. põe-te numa sala
com a luz apagada
onde chegue acesa
a de uma outra, e
frágil,
ao papel que para ela
voltas. Então falas
das paixões, da pétala
que cai no interior
do coração
e navega na sombra do
sangue, de assombro em
assombro.

Manuel Gusmão

*        *        *
Os milagres acontecem
a horas incertas
e nunca estou em casa
quando o carteiro passa.

Hoje, abriu a primeira flor
e eu disse é um sinal.
Olho em volta: estou só
trago esta sombra comigo.

Ana Paula Inácio


*        *        *
Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás do moinho.

Somente as coisas tocadas
pelo amor das outras
têm voz.

Fiama Hasse Pais Brandão

*        *        *
A minha juventude passou e eu não estava lá.
Pensava em outra coisa, olhava noutra direção.
Os melhores anos da minha vida perdidos por distração!
Rosalinda, a das róseas coxas, onde está?
Belinda, Brunilda, Cremilda, quem serão?

Provavelmente professoras de Alemão
em colégios fora do tempo e do espa-
ço! Hoje, antigamente, ele tê-las-ia
amado de um amor imprudente e impudente,
como num sujo sonho adolescente
de que alguém, no outro dia, acordaria.

Pois tudo era memória, acontecia
há muitos anos, e quem se lembrava
era também memória que passava,
um rosto que entre outros rostos se perdia.

Agora, vista daqui, da recordação,
a minha vida é uma multidão
onde, não sei quem, em vão procuro
o meu rosto, pétala dum ramo úmido, escuro.

Manuel António Pina

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

Acabei me emocionando. Obrigada pela postagem. Linda, plena de poesia. Fiquei tão contente.
Você escreveu sobre a família grega e lembrei-me de uma postagem, do dia 23 de julho deste ano, quando mostro uma foto do meus bisavós gregos (ele era padre)e conto que os nomes se alternam, pois o bisavô era Gerácimos, igual ao nome de meu pai, enquanto meu avó era Yorgos, igual ao nome de meu irmão. Parece o filme Casamento Grego, todos ali eram Niko.
Depois que li sua postagem, em lugar de lembrar o avô materno português, fiquei lembrando do meu avô grego que jamais conseguiu dizer "ão" e a netinha chata ficava mandando ele repetir "João", mas não adiantava. Meu avô veio muito tarde para o Brasil. Tenho uma bandeira grega enorme, já escrevi muito sobre os 2Nobel de Literatura da Grécia, já traduzi um poema de Kaváfis. Não posso começar, do contrário não pararei.Beijo grande. Saúde e paz, também desejo: de meia grega para meia grega.