quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Catar os cacos do caos como quem cata no deserto o cacto

O que você fazia quando o apagão aconteceu? Eu relaxava, chegara havia pouco do trabalho, tinha acabado de tomar banho e estava na cozinha a preparar meus remédios para acabar com a tosse e o chiado no peito. As lâmpadas florescentes apagaram, pensei que haviam queimado, olhei pela janela e imaginei algo no bairro, mas o telefone tocou e a coisa toda foi se ampliando para mais um apagão anunciado. É interessante perceber os caminhos percorridos pela mente: Me lembrei da confusão em São Paulo de 2005, imaginei sabotagem, pensei no primeiro apagão e também me lembrei do gerenciamento de risco e da clara definição pela compra de um gerador pela empresa para a manutenção das principais atividades. Não havia mais geradores disponíveis e, à época, locaram o equipamento enquanto a corrida aos geradores não acabava. Não sei se é comum ter medo de escuro, imaginar situação criada por pessoa de má índole para tirar vantagem; ter medo de assombração e dos medos, que mesmo sem querermos, carregamos por dentro. Quantos filmes de suspense começam desse mesmo jeito: As luzes da casa se apagam. Mas eu estava calma. Calma e relaxada. Com o cão por perto consegui pelo tato encontrar copo, garrafa de água, abrir a embalagem do pozinho para aliviar o chiado no peito, colocar seu conteúdo no copo com água e tomar aquela doçura artificial toda - remédio com gosto ruim.
Meu filho telefonou, estava com a namorada, pedi para ele esperar a volta da luz, dormir por lá, se necessário, porque a escuridão das ruas cria o cenário ideal para a ação de delinquentes de todas as idades. E dormi. Dormi tranquilamente. Imagino que meus fantasmas internos, finalmente, foram domesticados, ou, envelheceram a resolveram partir para outra dimensão. Lá pelas tantas, no meio de uma crise de tosse, o garotão se aproximou e com as luzes acesas contou sua aventura: O chapeuzinho azul desobedecera a mãe e dirigiu pela floresta escura cheia de lobos maus. Deixou o carro na rua de cima e viu alguns motoqueiros que passavam rente aos carros, com seus cúmplices na garupa. Subiu a centena de degraus, cigarro e subida de escada deixam qualquer um cansado e em seguida a luz voltou. Desceu de elevador e ao sair do prédio mais um apagão, ou melhor, um apagãozinho. Resolveu esperar e conversar com o porteiro da noite, de olho nos motoqueiros e seus caronas que continuavam a passar rente aos carros estacionados nas ruas. O garagista noturno se aproximou dos paladinos na guarita. Sem luz, somente o zelador sabe abrir os portões da garagem. O porteiro noturno pediu para o garotão esperar mais cinco minutos e, de repente, a luz voltou mais uma vez. Naquele instante, a operação foi realizada por três: Num salto o garagista desceu para abrir os portões e fora da guarita o porteiro ficou de olho no garotão que buscava o carro na rua de cima. Carro na garagem e a garantia que tirariam o garotão do elevador, caso nova oscilação de energia ocorresse. Sonolenta, meus olhos piscavam entre o sono e o prestar atenção ao que o meu filho dizia, eu não entendia como os portões de entrada foram abertos sem energia. Fácil, mãe. Esses, eu tive que escalar. Estamos cada vez mais seguros. Brincadeira do garotão: O porteiro noturno os abriu com suas chaves. Mais um apagão é cântico anunciado. O problema de energia em nosso país é crônico, há tempos é crônico e o barrigão se encarrega de empurrar para adiante.
Imagem de Doisneau

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