Dizia
que viajar é poder partir-se para o lugar
em frente,
que cada lugar só impressiona porque sugere
a visibilidade do próximo.
E que no fim, quando abandonamos tudo
e já não ouvimos senão o repique dos sinos,
as paisagens deixam de existir para não
passar do que a respiração liberta.
“O que nos conduz é podermos sepultar o
corpo noutro lugar;
porque em todos os sítios passados deixámos o corpo
à vista do lugar mais próximo.”
Percebi, sem que mostrasse algum temor,
que havia descoberto a transparência do mundo,
que fora auxiliado pela face
suspensa dos viajantes.
E lembrei-me como o tempo havia de ensinar,
desde a juventude à velhice,
que onde a beleza assola habituamo-nos a uma pausa nos
olhos, nas mãos e nos olhos que são o que nos diz do
pouco do que nos fica sempre.
* * *
Não é difícil um homem apaixonar-se.
Ferir a sua paisagem,
cinzas de um passado caído, fluente.
Ao fim de vidas partilhadas pode ser que
diga “estremeci
durante anos sem te abraçar.” Agora é tarde.
Agora é tarde sobre a terra cercada.
Por planícies ficou o desespero,
a dor lilás dos homens soçobrados
na paciência noturna.
Só depois do terror os cães ladram fielmente
aos portais da manhã, só
após o gume das vidas partilhadas.
“Passei a vida a fugir para a tua boca,” e
confundo já o teu rosto
com um qualquer.
* * *
Nem a demanda conseguirás
que se acabe – mesmo que a ti a fortuna se confie,
nem o estudo será para teu gáudio – ainda que dos sábios inspirado,
nem te assistirá o talento e o consolo abrandará o teu anseio,
nem que fosse o amor podias viver livremente.
E nem mesmo o profeta ditando versos terá discípulos
se jamais concilia os escrivães com a sua mágoa,
nem o jovem será de graça favorecido – pois ela o trairá,
nem o rio que outrora batizaste lembrarás
se sob a névoa o não vires primeiro.
Donde ides então para que vos siga piamente
– acaso atalharemos o país de cerradas dunas como campas,
quando na distância os dois brilharmos – os
dois entre solenes risos de guardar silêncio?
Longe do que pensaríamos algum dia consentido,
longe de nos julgarmos sob funesta sina,
do que irá passar-se brevemente o saberemos:
– muitas vezes soubemos quanto a beleza tarda,
mas só ela tolera dispormos do mundo fugazmente
e com essa cega mágoa ir mais além.
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