sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Elástica

Nove horas seguidas no hospital do câncer entre consultas, exames e esperas -  segundo uma das médicas, no dia habitualmente mais movimentado da semana - é demais para qualquer um. É testar a resistência física, a mental, a paciência, os vários limites do cansaço, diminuir a resistência do sistema imunológico, sentir dor na garganta e no corpo, ficar com vontade de chorar, de entrar com roupa na máquina de lavar, dormir, dormir e dormir um pouco mais. É meio eficaz de mostrar-nos o quanto é pequeno o nosso ínfimo comparado ao pequeno ínfimo do outro, do outro e do outro, em ilimitado, abençoado e amoroso ordenamento sequencial a poupar todos, sem exceção, pois não há o pior, nunca há. É comover-se com crianças, idosos, mulheres e homens sozinhos a manter a dignidade de alguma forma, da mais valente forma, a desafiar enfermidade tão cruel e devastadora. É ver a impaciência de mães jovens e despreparadas, com outros anseios e interesses, claramente infelizes com a dura realidade por elas indesejada, a esperar pelo tratamento de seus filhos pequenos. É ver o garotinho cego a falar sozinho, a cantar sozinho - entre os puxões agressivos de sua mãe, ansiosa  por viver em outra esfera, em outro mundo, acompanhada pelos fones em seus ouvidos - ter seu choro tão condoído consolado por uma professora aposentada, que dele se aproximou com o jargão do palhaço Arrelia: como vai? Como vai? Como cai? Tudo bem? Tudo bem, bem, bem?, a quem ele pediu faça carinho em meu ombro, tia. Nove minutos naquela realidade proporcionam lição fundamental para o resto da vida. Nove horas seguidas foi o meu mais novo limite. Limite. Ao sair de lá (a parte da corda mais retesada, do elástico cada vez mais puxado, o procedimento por mim inventado para, de algum jeito, me convencer que posso mais, que aquele não é o máximo, nunca é) e ver o fim de tarde desta cidade, o calor, o abafado, de propósito não pegar o táxi disponível e caminhar até o metrô, seguir pelo subterrâneo da mais paulistana das avenidas e de seu final seguir a pé rota definida, ir ao supermercado para o pernil de cordeiro do almoço de sábado, o salmão do almoço de amanhã e ainda perder uma hora, a mais cansativa de todas, na farmácia por conta do programa criado para facilitar a vida dos pacientes que, por enquanto, dependem daquela droga de medicamento. É reconhecer o cansaço e não ter o ânimo de sempre para corresponder à alegria do cão, mas, boa aluna, estudar as lições de alguma forma aprendidas hoje.

Meu filho, jogue fora de vez essa porcaria de cigarro, causa certa de câncer, e saiba, meu filho, tenha sempre em mente que ter filhos, quando os seus vierem, seus filhos deverão receber o seu amor ilimitado, mais dedicado e incondicional.

Mais frutas vermelhas e suco de cranberry. 

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

Excelente o texto. E a súplica, no final, para o filho...