Desculpe, senhora, mas preciso de silêncio, preciso recuperar energia, preciso de um pouco de paz para seguir em frente e dar conta de tudo no monte de horas que virão pela frente, até este dia acabar. Eu sei, entendo, reconheço seu orgulho por ter filhos formados, entendi que sua filha mais velha tem ciúmes dos irmãos, que sua filha do meio deixa a criança com a senhora para ir trabalhar e que a senhora trata sua neta como filha - se a senhora tivesse ideia do vespeiro que se mete ao tratar mãe e filha como se irmãs fossem - mas ontem voltei do escritório bem tarde, hoje acordei às cinco e meia da manhã para estar aqui, por conta desse exame chato, e a senhora não para de falar um segundinho sequer, nem se cansa de tanto falar. Sim, sim acho que foi seu celular que tocou. Como? Não vai tirar uma folguinha do monólogo para abrir o armário e tirar o celular da sua bolsa? Ai, meu Deus, agora é a descrição da dor do exame por conta do anzol que está em seu peito. Faço o quê? Pronto, chegou mais uma senhora para ouvir seu monólogo e eu poderei encostar minha cabeça na parede e fechar meus olhos, mais uma, duas, três, quatro? A enfermeira fala tão alto, fala alto e é atrapalhada, a atendente anda pelo corredor e o salto alto faz toc toc toc toc toc com percussão, não reconheço bem o som, escola de samba talvez. De repente, formamos um petit comitê de mulheres vestidas com o mesmo avental, modelito padrão, algumas quietas, outras falantes, todas com algum receio, uma das médicas não consegue encontrar a paciente que sumiu e falam meu nome: Nunca antes fiquei tão feliz ao ser chamada para a mamografia.
Imagem de Anabel Veloso, por Francisco Bonilla
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