Desconheço se no Brasil os cosméticos são controlados pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, se necessitam de certificação distinta do Ministério da Saúde, até mesmo algum controle da Secretaria Estadual de Saúde para serem comercializados e minha ignorância aumenta minha preocupação.
Da adolescência, época da metamorfose temporária em lagartixas esparramadas na piscina do clube a fritar a pele do corpo e do rosto ao sol escaldante, lembro de amigas que preparavam o próprio bronzeador, mistura de coca-cola, urucum, óleo Johnson e não sei mais o que, para garantir a cor de todo o verão nas duas horas iniciais de exposição. Branquelinha que sou jamais me afastei do vermelho camarão e tenho coleção de pintas e sardas, resultados do acumulo de raios solares absorvidos pela pele. Tolinha. Enquanto minha mãe afirmava que a pele alva, sem marcas e bem tratada era o auge da elegância, eu me rebelava e queria a cor tropical.
Com o tempo aprendo que existem plantas capazes de curar doenças, outras podem ser abortivas, algumas causam envenenamento, há as alucinógenas, as calmantes, as que alimentam e fortificam nosso organismo. Infelizmente pouco sei sobre o quanto as plantas podem nos auxiliar e algum curso sobre o tema está na lista das coisas que quero fazer.
Divago entre lembranças da juventude e minha curiosidade botânica para enfatizar o possível desamparo que vivemos ao adquirirmos produtos naturais, tão em moda, sem conhecermos a origem, sequer como e do que são feitos. É o comércio com apelo natural, orgânico e saudável, que me preocupa. Enfim, a saúde está na boa alimentação e na hidratação: a beleza da pele começa de dentro para fora. A saúde também depende de nosso comportamento e da vida que levamos.
Cosméticos "naturais" e industrializados
A partir de janeiro os consumidores que se preocupam com a saúde vão ganhar uma ajuda na forma de um novo padrão para os cosméticos orgânicos. Chamado "Cosmos", ele reúne seis dos mais importantes certificadores orgânicos da Europa.
O objetivo é que, ao longo dos próximos anos, todos os cosméticos orgânicos - de maquiagem e cremes para pele até produtos para o cabelo - façam a mudança.
Por que deveríamos nos importar? Segundo Martyn Cole, da Soil Association, porque, diferentemente da comida orgânica, os tratamentos de beleza orgânicos fazem parte de uma indústria não regulamentada - o que significa que qualquer produto pode se dizer orgânico. E trata-se um setor em crescimento apesar da recessão global; o mercado de produtos de beleza orgânicos britânico foi avaliado em 17 milhões de libras (R$ 47 milhões) no começo de 2009.
Ainda assim, a verdade é que preocupar-se com o coquetel de produtos químicos que está no armário do banheiro é muitas vezes um desperdício de tempo e dinheiro. Muitas pessoas se preocupam com o danos que os produtos químicos podem causar a sua saúde; novas mães são particularmente suscetíveis, ignorando os produtos convencionais e massageando seus recém-nascidos com óleo de oliva orgânico - mesmo que não possam pagar por isso e que seus bebês fiquem com cheiro de salada. A indústria dos orgânicos joga com esses impulsos irracionais: o ecoempreendedor Jill Barker, fundador das lojas e do website Green Baby, vai mais longe e diz que, se você não pode comer algo, não deveria colocá-lo na sua pele.
Essa é uma visão absurda e que só faz com que os pais se sintam culpados se seus filhos precisam de cremes emolientes a base de esteroides ou parafina para problemas de pele como o eczema. A ciência não valida a ideia de que o que você coloca em sua pele penetra seu corpo da mesma maneira que a comida. "Os cosméticos são formulados com precisão para permanecerem sobre a pele", afirma Jon Edwards da Academia Real de Química. Os cosméticos afetam a epiderme, células sobre a superfície mais externa da pele. Para que algo penetre mais profundamente, precisa ser injetado - o que levanta a questão sobre se o produto deveria ser considerado um medicamento e não um cosmético, e nesse caso teria quer ser submetido ao mesmo processo de aprovação que os remédios. Além disso, não há nenhuma evidência que comprove a estatística mais utilizada pelas marcas de cosméticos naturais de que "até 60% do que é aplicado na sua pele pode ser absorvido pela corrente sanguínea".
O problema, segundo a Associação Britânica de Dermatologistas, é que passamos a acreditar que o que é natural é melhor. "Muitos produtos químicos tóxicos são 'naturais', e mesmo que eles nunca sejam usados em cosméticos isso mostra como alguns termos de marketing não significam necessariamente produtos melhores ou mais seguros", diz a porta-voz Rebecca Freeman. Ela lembra que qualquer produto vendido nas prateleiras britânicas é rigorosamente testado pela Associação de Cosméticos, Toalete e Perfumaria, uma exigência legal quer o produto seja orgânico ou não. Even Cole, um químico que no passado ajudou a formular produtos para a rede de luxo Space NK, admite que é mais sensato defender os benefícios ecológicos dos produtos de beleza orgânicos do que seus benefícios para a saúde.
Por que então pessoas inteligentes continuam a desembolsar dinheiro com produtos caros, alguns dos quais nem funcionam tão bem quanto seus equivalentes convencionais? Em parte porque os pais perdem a ciência de vista face à ansiedade que sentem em relação aos filhos. Eles tendem a evitar produtos químicos que não sejam familiares, sejam eles comprovadamente seguros ou não, caso alguns deles venham a ter ligações com câncer ou infertilidade. Ainda assim, produtos químicos com nomes complicados - bons e ruins - fazem parte do cotidiano. Se você mora em uma área urbana com ruas cinzentas e poluídas, os produtos químicos que você e os seus pequenos inalam diariamente tornam a preocupação com a quantidade de lauril sulfato de sódio no xampu do bebê redundante . É como a instituição beneficente Sense About Science coloca: "Você não pode levar uma vida livre de produtos químicos porque tudo é feito com eles, não há alternativas, apenas escolhas sobre quais usar e como eles são feitos."
Cole admite que "muitos produtos naturais ainda são vendidos baseados no fator medo". Mas, segundo ele, isto está mudando: o novo padrão Cosmos marca o começo de uma regulamentação mais rígida e de uma informação de melhor qualidade sobre os benefícios ambientais dos produtos de beleza orgânicos. Com alguma sorte isso irá impedir os pais de espalhar histórias assustadoras e não comprovadas sobre parabenos e ftalatos. Mas ainda assim o Cosmos só irá ajudar a parcela de consumidores que se compromete com os produtos ecológicos. O que a União Europeia deveria fazer é fornecer informações claras sobre os produtos convencionais. Eles são perfeitamente seguros - só não os coloque na boca.
Texto de Anna Shepard, tradução de Eloise De Vylder, publicado no jornal Folha de São Paulo
Texto de Anna Shepard, tradução de Eloise De Vylder, publicado no jornal Folha de São Paulo
Um comentário:
Quase que escrevi um texto sobre a aplicação do termo "químico". Fere os meus ouvidos quando as pessoas dizem que "isso tem química" etc. Tudo é química, a natureza realiza processos químicos o tempo inteiro. Um produto "não químico" traz um monte de substâncias, algumas são tóxicas, mas o produto é "natural".
Os produtos "químicos" têm todas as suas substâncias conhecidas,selecionadas, devidamente testadas.
É terrível ouvir que o "natural" não faz mal. Para nós, químicos, é o mesmo que ouvir absurdos.
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