quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Curiosidades cosméticas


Desconheço se no Brasil os cosméticos são controlados pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, se necessitam de certificação distinta do Ministério da Saúde, até mesmo algum controle da Secretaria Estadual de Saúde para serem comercializados e minha ignorância aumenta minha preocupação.
Da adolescência, época da metamorfose temporária em lagartixas esparramadas na piscina do clube a fritar a pele do corpo e do rosto ao sol escaldante, lembro de amigas que preparavam o próprio bronzeador, mistura de coca-cola, urucum, óleo Johnson e não sei mais o que, para garantir a cor de todo o verão nas duas horas iniciais de exposição. Branquelinha que sou jamais me afastei do vermelho camarão e tenho coleção de pintas e sardas, resultados do acumulo de raios solares absorvidos pela pele. Tolinha. Enquanto minha mãe afirmava que a pele alva, sem marcas e bem tratada era o auge da elegância, eu me rebelava e queria a cor tropical.
Com o tempo aprendo que existem plantas capazes de curar doenças, outras podem ser abortivas, algumas causam envenenamento, há as alucinógenas, as calmantes, as que alimentam e fortificam nosso organismo. Infelizmente pouco sei sobre o quanto as plantas podem nos auxiliar e algum curso sobre o tema está na lista das coisas que quero fazer.
Divago entre lembranças da juventude e minha curiosidade botânica para enfatizar o possível desamparo que vivemos ao adquirirmos produtos naturais, tão em moda, sem conhecermos a origem, sequer como e do que são feitos. É o comércio com apelo natural, orgânico e saudável, que me preocupa. Enfim, a saúde está na boa alimentação e na hidratação: a beleza da pele começa de dentro para fora. A saúde também depende de nosso comportamento e da vida que levamos.

Cosméticos "naturais" e industrializados
A partir de janeiro os consumidores que se preocupam com a saúde vão ganhar uma ajuda na forma de um novo padrão para os cosméticos orgânicos. Chamado "Cosmos", ele reúne seis dos mais importantes certificadores orgânicos da Europa.
O objetivo é que, ao longo dos próximos anos, todos os cosméticos orgânicos - de maquiagem e cremes para pele até produtos para o cabelo - façam a mudança.
Por que deveríamos nos importar? Segundo Martyn Cole, da Soil Association, porque, diferentemente da comida orgânica, os tratamentos de beleza orgânicos fazem parte de uma indústria não regulamentada - o que significa que qualquer produto pode se dizer orgânico. E trata-se um setor em crescimento apesar da recessão global; o mercado de produtos de beleza orgânicos britânico foi avaliado em 17 milhões de libras (R$ 47 milhões) no começo de 2009.
Ainda assim, a verdade é que preocupar-se com o coquetel de produtos químicos que está no armário do banheiro é muitas vezes um desperdício de tempo e dinheiro. Muitas pessoas se preocupam com o danos que os produtos químicos podem causar a sua saúde; novas mães são particularmente suscetíveis, ignorando os produtos convencionais e massageando seus recém-nascidos com óleo de oliva orgânico - mesmo que não possam pagar por isso e que seus bebês fiquem com cheiro de salada. A indústria dos orgânicos joga com esses impulsos irracionais: o ecoempreendedor Jill Barker, fundador das lojas e do website Green Baby, vai mais longe e diz que, se você não pode comer algo, não deveria colocá-lo na sua pele.
Essa é uma visão absurda e que só faz com que os pais se sintam culpados se seus filhos precisam de cremes emolientes a base de esteroides ou parafina para problemas de pele como o eczema. A ciência não valida a ideia de que o que você coloca em sua pele penetra seu corpo da mesma maneira que a comida. "Os cosméticos são formulados com precisão para permanecerem sobre a pele", afirma Jon Edwards da Academia Real de Química. Os cosméticos afetam a epiderme, células sobre a superfície mais externa da pele. Para que algo penetre mais profundamente, precisa ser injetado - o que levanta a questão sobre se o produto deveria ser considerado um medicamento e não um cosmético, e nesse caso teria quer ser submetido ao mesmo processo de aprovação que os remédios. Além disso, não há nenhuma evidência que comprove a estatística mais utilizada pelas marcas de cosméticos naturais de que "até 60% do que é aplicado na sua pele pode ser absorvido pela corrente sanguínea".
O problema, segundo a Associação Britânica de Dermatologistas, é que passamos a acreditar que o que é natural é melhor. "Muitos produtos químicos tóxicos são 'naturais', e mesmo que eles nunca sejam usados em cosméticos isso mostra como alguns termos de marketing não significam necessariamente produtos melhores ou mais seguros", diz a porta-voz Rebecca Freeman. Ela lembra que qualquer produto vendido nas prateleiras britânicas é rigorosamente testado pela Associação de Cosméticos, Toalete e Perfumaria, uma exigência legal quer o produto seja orgânico ou não. Even Cole, um químico que no passado ajudou a formular produtos para a rede de luxo Space NK, admite que é mais sensato defender os benefícios ecológicos dos produtos de beleza orgânicos do que seus benefícios para a saúde.
Por que então pessoas inteligentes continuam a desembolsar dinheiro com produtos caros, alguns dos quais nem funcionam tão bem quanto seus equivalentes convencionais? Em parte porque os pais perdem a ciência de vista face à ansiedade que sentem em relação aos filhos. Eles tendem a evitar produtos químicos que não sejam familiares, sejam eles comprovadamente seguros ou não, caso alguns deles venham a ter ligações com câncer ou infertilidade. Ainda assim, produtos químicos com nomes complicados - bons e ruins - fazem parte do cotidiano. Se você mora em uma área urbana com ruas cinzentas e poluídas, os produtos químicos que você e os seus pequenos inalam diariamente tornam a preocupação com a quantidade de lauril sulfato de sódio no xampu do bebê redundante . É como a instituição beneficente Sense About Science coloca: "Você não pode levar uma vida livre de produtos químicos porque tudo é feito com eles, não há alternativas, apenas escolhas sobre quais usar e como eles são feitos."
Cole admite que "muitos produtos naturais ainda são vendidos baseados no fator medo". Mas, segundo ele, isto está mudando: o novo padrão Cosmos marca o começo de uma regulamentação mais rígida e de uma informação de melhor qualidade sobre os benefícios ambientais dos produtos de beleza orgânicos. Com alguma sorte isso irá impedir os pais de espalhar histórias assustadoras e não comprovadas sobre parabenos e ftalatos. Mas ainda assim o Cosmos só irá ajudar a parcela de consumidores que se compromete com os produtos ecológicos. O que a União Europeia deveria fazer é fornecer informações claras sobre os produtos convencionais. Eles são perfeitamente seguros - só não os coloque na boca.

Texto de Anna Shepard, tradução de  Eloise De Vylder, publicado no jornal Folha de São Paulo

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

Quase que escrevi um texto sobre a aplicação do termo "químico". Fere os meus ouvidos quando as pessoas dizem que "isso tem química" etc. Tudo é química, a natureza realiza processos químicos o tempo inteiro. Um produto "não químico" traz um monte de substâncias, algumas são tóxicas, mas o produto é "natural".
Os produtos "químicos" têm todas as suas substâncias conhecidas,selecionadas, devidamente testadas.
É terrível ouvir que o "natural" não faz mal. Para nós, químicos, é o mesmo que ouvir absurdos.