sábado, 2 de janeiro de 2010

De nada adianta calcular o ângulo entre nós e o centro da terra, de nada nos aproveitara, tu e eu, centros de irregular gravitação


O que você fez na semana anterior ao ano-novo? E durante a virada?
Você encarou todas as gavetas apinhadas de papéis, tirou tudo dos armários, comprou roupa branca e calcinha cor-de-rosa para encontrar o amor de sua vida em 2010? Ah, além do namorado você também quer paz, mais dinheiro e sorte? Então, você usou quatro calcinhas de cores diferentes? Você correu as lojas para trocar os presentes de natal, do tamanho M para o G? Você fez uma tonelada de promessas, definiu metas, pulou ondas, jogou flores no mar, comeu lentilhas, uvas, romãs, subiu na cadeira e desceu com o pé direito? Respondeu a todos os sms e emails, não importa se spams? Entrou na neura de ter que sair da cidade; ficou no aconchego com a pessoa amada; ficou imaginando o que fazia a pessoa amada; forçou a barra, cobrou mais atitude da pessoa amada; desejou ter uma pessoa amada? Decidiu parar de fumar, emagrecer, viver de salada, fazer exercício, tomar litros de água? E ser mais gentil, isso também você decidiu? Ficou deprimido, ansioso, entristecido? Encheu-se de esperança no primeiro segundo do ano-novo? Céus! Quantas coisas mais fazemos nesse período?

Parei. Afinal, está tudo aqui, dentro da gente e só depende de cada um de nós.

Mais uma vez um único dia de folga na véspera – o da véspera – seguida de mais do que merecidas férias, o primeiro de dois períodos acumulados. A última lida do ano, que desde março passeou por diversas mãos: As iniciais, à época, desencantadas e limitadas, deixaram de agir e trouxeram a barriga para empurrar; as segundas, receosas, também optaram pela barriga e assim fizeram as terceiras e quartas. Quantas barrigas! Mas por que as minhas mãos? Foi por isso que deixei de ir à praia e também trabalhei no dia 31. Por sinal, o dia 31 foi o que mais rendeu pela ausência de interrupção, barulho, conversas, telefonemas, emails. Eu sei que tenho um monte de horas extras a serem compensadas, mas eu queria sair em férias tranquila e em paz. Férias curtas para colocar a vida em dia, fazer exames, curtir a cidade, cuidar de mim.

Passar o reveillon sozinha assusta muita gente, mas eu garanto que depende do jeito que encaramos a vida. Desde o dia 29 eu sinto falta das brincadeiras do cão, das risadas gostosas do filho, mas reconheço que precisava da liberdade de curtir minha casa, de estar sozinha sem me sentir só. Percebi que era meia-noite ao ouvir o estouro dos fogos de artifício. Da janela encantada vi o céu multicolorido da minha cidade – eu não sabia que estamos tão próximos da grande queima de fogos de São Paulo. Senti o ventinho gostoso da madrugada. Fiquei tão feliz que não ouvi o celular tocar tantas vezes. Com o congestionamento do serviço de telefonia móvel só consegui retornar as ligações mais tarde, mas isso também faz parte. Dormi como há tempos não dormia.

aprende a falar – diz
a rosa: escreve de noite
e que o meu múltiplo sol
te guie inúmeros
os caminhos. põe-te numa sala
com a luz apagada
onde chegue acesa
a de uma outra, e
frágil,
ao papel que para ela
voltas. Então falas
das paixões, da pétala
que cai no interior
do coração
e navega na sombra do
sangue, de assombro em
assombro.

Imagem de Saul Steinberg, poema de Manuel Gusmão

Um comentário:

Gerana disse...

A solidão é um estado de espírito. A frase é lugar-comum, mas verdadeira.
Achei bem interessante o modo como passou o ano. Eu entendo bem, porque curto muito ficar em casa, ler, ler, ler, ler.
Não suporto tanta confusão em torno dessas datas.
Senti uma coisa boa na maneira como vc foi narrando.