sábado, 9 de janeiro de 2010

Muro fluído que não deixa passar o impuro murmúrio da voz sem luz nem ar


No fim quando as cidades
não forem senão
escombros procura

na morada flagelada
pela água das margens
o espelho derradeiro e interroga:

os lugares perdidos as margens
por que tentas
prendê-los com a água?

A chuva não é novidade nesta época do ano, nem o aumento do índice pluviométrico: Chove e chove muito. Ao consultarmos qualquer site, ou ouvirmos alguma rádio, saberemos as condições meteorológicas para os próximos cinco dias. Não é assim também que fazemos de manhã, ao lermos o jornal? Antes de viajarmos não pesquisamos os aspectos climáticos do local de destino? Ao administrarmos nossa casa, nossa família, não tomamos cuidado com as crianças, com as janelas abertas, com o cão, com as roupas penduradas no varal? Nossos filhos saem de casa com capa, guarda chuva e galochas, protegidos, nutridos, bem orientados e essa é a nossa obrigação, administrar nosso pequeno núcleo familiar, as pessoas, os animais e os bens que o compõem. Nós administramos.
O núcleo se expande e comporta novos círculos concêntricos formados por amigos, grupos, trabalho, sociedade, comunidade, cidade, estado, país, mundo. Esse é o nosso múltiplo cenário. De acordo com nossas atividades nos afastamos do núcleo familiar, mas nossa responsabilidade persiste mesmo se diluída diante de responsabilidade maior, baseada na competência. Somos responsáveis, mas em determinados contextos somos incompetentes visto que o Estado, ente público, avoca para si a ação. É neste contexto que a justiça é aplicada: Evoluímos da lei de talião, olho por olho, dente por dente, para o agente capacitado e investido pelo Estado para dizer o Direito, a jurisdição, e aplicar a lei ao fato concreto. Há exceções como a legítima defesa, o estado de necessidade, mas algumas regras básicas jamais deveriam ser desconsideradas, a exemplo da eficácia e da força: O remédio aplicado não pode ser mais forte do que a doença existente – a defesa corresponde à agressão.
Aos vinte e sete anos comecei a trabalhar e em seis meses gerenciei minha primeira equipe. O desafio foi bom naquele tempo e nas décadas seguintes, sempre a gerenciar pessoas, procedimentos e resultados. No mínimo, três elementos caracterizam o bom administrador: Dedicação, esforço e vocação.
Na década de oitenta eu ficava impressionada com o bom humor de meus amigos cariocas, então habituados a enchentes, que na volta do trabalho estacionavam seus carros sobre as calçadas, entravam em algum bar e jogavam conversa fora até a água diminuir. Hoje, vejo algumas ruas de São Paulo transformadas em nova Veneza e imagino gôndolas adaptadas ao nosso gosto nacional.
Parei de imaginar gôndolas criativas ao ler sobre um bairro localizado na zona leste paulistana, chamado Jardim Romano, que há um mês tem suas ruas alagadas. O que acontece? Aprendi que o rio Tietê e o Córrego Três Pontes estão próximos do Jardim Romano e minha aflição aumenta, tento imaginar pelo que passam seus moradores.
Ora, estamos em época de chuva, certo? Entra ano, sai ano e a quantidade de chuva aumenta, logo, é previsível que tudo isso aconteça. As causas divulgadas variam de acordo com o interesse atingido e vão da ocupação desordenada do solo ao lixo jogado em córregos e bueiros. E? Li que a empresa de água e esgoto da cidade não cobrará dos moradores do Jardim Romano as contas dos meses de janeiro, fevereiro e março e não sei se rio ou se choro.
Que tal fazermos um trato? Apesar da minha experiência muito bem sucedida na administração de pessoas, procedimentos e resultados, eu não tenho a menor vocação para administrar um bairro, uma cidade, um estado, muito menos um país como o nosso; logo, eu não me candidatarei a qualquer cargo da administração pública, mas, em contrapartida, todos que se julgaram aptos a administrar cidades e estados de nosso país, e provaram incompetência, desistirão da atividade pública. É o mínimo.

Imagens pesquisadas na internet, poema de Gastão Cruz