terça-feira, 21 de abril de 2009

Bosque encantado

Morar em um bosque. Esse era o apelo da infância, ao imaginar as histórias ouvidas. Morar em um bosque com lindas árvores, frutas, flores e pássaros. A temperatura gostosa, liberdade, tranquilidade e paz. O fiel e brincalhão cachorro também fazia parte do lugar imaginado. Acordar com o harmonioso som dos pássaros, abrir as janelas e tocar as folhas que enfeitavam os galhos. Imaginar a subida até as copas das árvores, do mesmo jeito que eu imaginava caminhar entre as nuvens. Duas vezes um beija flor ficou preso entre os vidros da janela. Meu filho, valente, não sabia como tirar os passarinhos de lá, por que temia machucar os pequerruchos. Nessas horas, era eu quem fazia o que deveria ser feito, sem temer e com a certeza do bom resultado. Medicar, cuidar, salvar e aconchegar são verbos que aprendi a conjugar com presteza. E os lindos passarinhos azuis esverdeados voaram para a mesma árvore que eu imaginava subir. Era lindo o nascer do dia e era lindo o pôr-do-sol. Tudo naquele pedaço de bosque era lindo. Um sonho vivido e admirado, com algumas partes ruins esquecidas. Esse era o bosque no qual moramos em Brasília. Belas árvores frutíferas por todo lado e caminhos encantados que nos levavam para novos sonhos. Castelos com seis andares, sem torres, nem dragões. Paz.
O Didó, do Belini, que aprendeu a fazer o melhor chantili da cidade e trazia para minha mãe, em casa, junto com o Grana Padano cortado do jeito que ela queria, as fatias finas e deliciosas do prosciutto San Daniele e os corações de alcachofra no Colavita. Era a Maria, também do Belini, quem acompanhava minha mãe de volta para casa, depois do chá com petit fours da tarde, e o João, o gerente da farmácia, que trazia todos os medicamentos, mesmo que as receitas fossem entregues depois, e o pão fresco italiano da padaria ao lado. Minha mãe arregimentava um pequeno grupo que a atendia com prazer e alegria em suas mínimas vontades e necessidades.
Encontrar queijo feta original? Assistir aos selecionados recitais de música clássica e mágica no salão principal do Itamaraty? Deliciar-se com o melhor bacalhau preparado pelo próprio Francisco? Curtir filmes europeus somente exibidos lá? Só em Brasília, em nenhum outro lugar.
Mesmo assim, houve um tempo em que o bosque tão querido perdeu seu lugar para outro sonho e o querer voltar para a minha cidade tornou-se insuportável. Voltar e começar nova e tão ansiada realidade era o único desejo, a maior motivação. Sozinha eu realizei o sonho e voltei como havia combinado. Agora, com outras árvores, pássaros, belo nascer e pôr-do-sol, o cão brincalhão e mais fiel ainda, o reencontro das raízes, nova paz aprendida e inédita harmonia, além do adorável barulho da água corrente da fonte do prédio ao lado, mesmo assim, às vezes, fecho os olhos e penso no bosque que lá deixei. Sinto o aroma das frutas, o brilho do sol, as cores incríveis do céu que só Brasília tem e pergunto ao meu filho (que não queria voltar): Valeu o retorno? Convicto ele responde que sim. O cão candango tem todo o jeito de paulistano e se adaptou bem aqui. Se na vida existisse algum botão que nos permitisse mudar algumas partes do enredo, sem prejudicar ninguém, eu teria afastado alguns personagens para outro país e teria ordenado tudo do jeito que sempre quis. E quem sabe eu estaria bem mais feliz naquele bosque encantado, com períodos certos para matar a saudade da avenida Paulista e de outros cantos e recantos meus daqui, como eu sempre fiz. Ou não. Quem sabe?


De fato aprendi a aprimorar a capacidade de adaptação que sempre tive, mesmo sem jamais ter imaginado que algum dia eu sairia de São Paulo. Escrevo com ternura, é verdade, mas sei que meu lugar é onde estou, pois, sou eu que o faço meu. Com a vantagem de não olhar para os lados, por que tenho meu próprio jardim, criado a partir de mudas, por mim.


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