terça-feira, 8 de setembro de 2009

Violino

Entender os sinais do nosso organismo é arte.

Feriado na segunda feira é muito bom. É o acordar com vontade de realizar algo, mas sem a necessidade de realizar algo. Sol forte, muito calor, as cores do dia. Comecei pela pequena bagunça que deixamos na cozinha: Domingo fizemos pic-nic em casa, folia gostosa, risadas e relaxamento em família. Roupas divididas em grupos e o passeio na máquina, com direito ao molho prolongado e ao duplo enxágue. Olhei para os vasos que compõem a mini-jungle e pensei no displicente cuidado esquecido de cada planta, busquei a tesoura e o pequeno ancinho, sentei no chão e retirei folhas mortas, galhos secos, mexi na terra, aguei. Foi prazer de horas, no momento exato e do jeito que deveria ser. Até para tirar galhos e folhas secas existe o tempo certo. Veio a crise de choro, a dor de garganta, o mal estar. Cansaço e chateação. Ando sensível a chateações, quero distância de chateações. Banho tomado, terra e lágrimas lavadas, toneladas a menos e o caminho até a drogaria para medir a pressão. Escrevo e penso no quanto o choro foi bom. Choro com a boca aberta, sem pudor nem receio de careta de choro rasgado escancarado e barulhento, que sai de dentro da gente feito gêiser, limpa, alivia e se tornou a trilha sonora para a poda das plantas. Foi por isso, pelo choro liberto, que não temi cortar galhos e tirar folhas - cada pedaço seco que ia ao chão era uma parte seca minha que deixava de existir. Às vezes deixamos o seco acumular por dentro e é muito ruim.
Da drogaria ao lugar preferido, com vontade de água gelada, sorvete refrescante e a leitura em paz do livro que eu trazia comigo. Quatro pessoas distintas a ocuparem mesas diferentes e o abençoado silêncio que eu tanto quis encontrar. Barulho bom de passarinho, o som do feriado com sol. Não, não, minha senhora, pra que desandar a contar os dramas vividos em Cuba, comentar sobre os cortiços super povoados, a fome, os dois dólares que alimentavam uma família inteira, tudo isso só para aguçar o palavrório do senhor da mesa próxima sobre as agruras sofridas pelo povo romeno durante o governo comunista. De repente, na mais adorável doçaria ao ar livre, circundada por árvores, pássaros, tranquilidade, calma e paz, a inesperada competição entre Fidel e Ceausescu, em busca da identificação do povo que mais teria sofrido sob os mandos e desmandos de dois símbolos decadentes. Era a competição do sofrimento. Senti minha cabeça doer, a garganta arranhar e fiquei meio tonta com a composição surreal de situações mais surreais ainda. Sequer consegui me concentrar no livro que escolhi para ler. Pensei em me aproximar e perguntar se os dois não gostariam de mudar de assunto e falar sobre amor, encanto, quem sabe juntos partirem para uma tarde de carinho que os deixasse realizados, alegres e bem mais leves, começo de um novo relacionamento. Imaginem só a vantagem, senhora Fuentes e senhor Comanecci, ambos a cantar Habaneras, Guarachas e, por fim, a dançar o sirba. O senhor toca violino?
Passei no supermercado, voltei para casa e dormi. Já estava doente.

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