segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Conversa mãe e filho

Ah, filho, domingo você foi meio duro na nossa conversa durante a caminhada de volta do almoço. Você começou por citar um, dois infelizes gatos pingados, que não servem de parâmetro pra nada positivo ou favorável e seguiu adiante, com exemplos sem fim de vários casais conhecidos há anos: É isso que você quer, mãe? O jeito desse, o comportamento daquele, a situação desses, ficar como a tia Pafúncia, a tia Pirilampa... - todas casadas há décadas e sem perspectiva alguma de felicidade - e você descrevia exatamente o que vai por dentro da cabeça delas! Fiquei impressionada quando você relacionou, uma a uma, as piores pragas conhecidas ao longo de vinte e tantos anos de vida profissional e me fez imaginar o que seria conviver com determinados psicóticos pelo resto dos meus dias. Me assustou até, filho. Em resumo, você concluiu com extrema clareza e propriedade, que é muito melhor ser independente. Eu olhava para você, enquanto articulado você expunha suas ideias inéditas, e ora eu percebia uma certa aspereza típica do homem médio - não foi assim que eu criei você! - ora eu percebia um desencantamento com a vida a dois - também não foi assim que eu criei você! - e no tempo em que escrevo, reconheço a honestidade e a firmeza de suas palavras, além da certeza que você mantém, de que sua mãe é feita de matéria diferente e resistente à tudo, ou quase tudo. Entendi, filho. Concordo também. Embora não se trate de tema habitual, tampouco de fundamental importância, e tenha sido sua reação natural ao meu carinhoso comentário sobre um casal de idade, que na mesma calçada voltava de alguma igreja ou sinagoga do bairro, resolvi comentar agora, algumas coisas que você talvez ainda não tenha percebido sobre sua mãe: Tenho lentes cor-de-rosa e gosto delas, não para uso diário, senão eu estaria próxima ao retardamento mental, mas para momentos fundamentais da vida; acredito em determinadas coisas, filho, por intuição ou qualquer outra força interna que nos é soprada no momento de nosso nascimento; enquanto você amadurece cada vez mais, sua mãe - e não preciso comentar meu comportamento, tampouco minhas reações diante de determinadas situações ao longo de tantos anos, você as conhece muito bem - mantém a garota que sempre foi. Eu sei que vivemos fase passageira e inédita nossa, prévia à vida futura com novas pessoas que se agregarão à nossa dupla - pela primeira vez nas nossas vidas somos nós, com o cão a nos colocar em ordem. Pela primeira vez experimentamos conceito perfeito de liberdade. Amanhã, filho, o mesmo tema estará renovado em situações diferentes, complementares e bem realizadas. Não somos ilhas e não temos ideais exclusivos, filho. Há muitas pessoas que compartilham de nossas crenças e valores. Acredite.

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