quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Lucidez

O Homem Lúcido sabe que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções que ele nunca se entusiasma com ela, assim como ele nunca tem memórias. O Homem Lúcido sabe que o viver e o morrer são o mesmo em matéria de valor posto que a vida contém tantos sofrimentos que a sua cessação não pode ser considerada um mal. O Homem Lúcido sabe que ele é o equilibrista na corda bamba da existência. Ele sabe que por opção, ou por acidente, é possível cair no abismo a qualquer momento interrompendo a sessão do circo. Pode também o Homem Lúcido optar pela vida: Aí, então, ele esgotará todas as suas possibilidadades. Ele passeará pelo seu campo aberto pelas suas vielas floridas. Ele saberá ver a beleza em tudo. Ele terá amantes, amigos, ideais, urdirá planos e os realizará. Resistirá aos infortúnios e até mesmo às doenças. E se atingido por um desses emissários saberá suportá-lo com coragem e com mansidão e morrerá, o Homem Lúcido, de causas naturais, em idade avançada, cercado pelos seus filhos e pelos seus netos que seguirão a sua magnífica aventura. Pairará, então, sobre a memória do Homem Lúcido uma aura de bondade. Dir-se-á: Aquele amou muito. Aquele fez muito bem às pessoas.
A Justa Lei Máxima da Natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem se iguale sempre à quantidade de acontecimentos favoráveis. O Homem Lúcido porém, esse que optou pela vida com o consentimento dos deuses, tem o poder magno de alterar essa lei. Na sua vida, os acontecimentos favoráveis serão sempre maioria, porque essa é uma cortesia que a Natureza faz aos Homens Lúcidos.

Este texto é lido por Cabral (Domingos de Oliveira) na cena final de seu filme Separações (2003), o mesmo personagem que acredita que as pessoas que se amaram muito devem continuar amigas, senão a vida seria cruel demais.

Nenhum comentário: