domingo, 13 de setembro de 2009

Elegy

Antes de escrever sobre o filme Elegy (2008), de Isabel Coixet, li textos, encontrei imagens e com alegria redescobri o jeito diferente, o pensamento distinto, a interpretação incomum que desde garota tenho e agora reutilizo para criar esta salada de palavras, ideias, sentimentos e percepções.
Começo pelo título equivocado no Brasil: Fatal. O que é fatal nesse filme? Acredito que seria pertinente a manutenção, ou tradução, do título original: Elegy, elegia, poema terno, triste, canção de lamento, manifestação
tão especial, a ponto de ter sua própria musa mitológica. Esse filme é um poema triste.
No texto divulgado num site bem conhecido encontrei a seguinte frase: “O filme retrata obsessão sexual entre professor e aluna”. Uau! Então, fatal seria a aluna voluptuosa e incontrolável chamada Lolita (sim, ai vai um trocadilho sem graça), sedutora do pobre, insatisfeito e infeliz professor de meia idade, ou, fatal seria o experiente professor atraente fauno inveterado, sedutor de todas as alunas ingênuas e 'semi-ingênuas'. A maioria das imagens publicadas enfatizam de forma vulgar a nudez de Penélope Cruz e em momento algum do filme há sequer uma faísca de vulgaridade.
David Kepesh (Ben Kingsley), sessenta e dois anos, famoso professor de literatura, apresentador de programas culturais televisivo e radiofônico, reconhecido e respeitado em Nova York, tem as características e o comportamento de um conquistador: Considera-se emoc
ionalmente imune, protege-se de eventuais investidas, cria o momento exato para conquistar sua escolhida, cuida de seu território, é fotógrafo diletante e mantém as imagens de suas conquistas, é charmoso, culto e desenvolveu seu procedimento padrão: Todo ano, ao final do seu curso, ele promove uma festa em seu apartamento e sempre termina com a ex-aluna escolhida em sua cama.
Para ele a beleza feminina deve ser contemplada e desfrutada como uma obra de arte. A coerência de seu comportamento está no único casamento desfeito quando ainda era jovem - logo, não existe a desgastada personagem da mulher que tudo sabe e finge não saber - e no filho, o médico oncologista Kenny Kepesh (Peter Sarsgaard), com quem não consegue se relacionar.
Seu melhor amigo - também conquistador, mas não tão bem sucedido - é o professor e poeta George O’Hearn (Dennis Hopper) e seu porto-seguro Carolyn (Patricia Clarkson), inteligente, na faixa dos quarenta anos, empresária bem sucedida, independente, dois casamentos, vive em outro estado e foi sua ex-aluna, com quem David mantém duradouro relacionamento sexual e de confiança. Consuela Castillo (Penélope Cruz) é a aluna que chama sua atenção pela beleza e distinção, o perturba e cativa pela intensidade emocional e autoconfiança que possui.
George o aconselha a acabar com essa relação e Carolyn com ciúmes se afasta.

Consuela e David estão juntos há mais de um ano e ela lhe faz um único pedido, simples e fácil de ser correspondido, mas ele se sente incapaz de atendê-la, baseado na conscientização da velhice, na diferença de idade entre eles, nas críticas que ele imagina receber e no ciúmes que ele sente. Magoada Consuela se afasta.
Alguns anos depois, George morre, David sofre e Consuela reaparece com um novo pedido e a notícia sobre sua enfermidade. O sofrimento de David durante o período de distanciamento de Consuela o torna mais humano e a doença dela o torna solidário.

Elegy é baseado no livro O animal agonizante (The dying animal) de Philip Roth, que prima pela sexualidade e sensualidade dos personagens ("hedonismo harmonioso"), entremeado por divagações sobre casamento, traição, ciúme, velhice, separação, fobias, morte e outras tantas que comumente compõem nossas vidas. A sexualidade em primeiro plano, os pensamentos e sentimentos em segundo lugar, inversão que Coixet com maestria realiza no filme.
Mês que vem ele volta para dizer que não me suporta. E no mês seguinte também. E no outro mês também. No final das contas, não perdi meu filho. O pai dele acabou finalmente se tornando um recurso valioso. “Sou eu. Abre a porta, me deixa entrar!” Kenny não consegue ver a situação em que está com auto-ironia, mas acho que ele compreende mais do que dá a entender. Então ele não compreende nada? Não é possível. Burro ele não é. Não é possível que esteja até hoje traumatizado pela infância sofrida. Ele vai ficar fervendo por causa disso o resto da vida. Mais uma entre tantas ironias: um homem de quarenta e dois anos de idade, ainda dependente da existência de um menino de treze, ainda atormentado por isso.

Meu caso com Consuela durou pouco mais de um ano e meio. Só voltamos a sair para jantar fora ou ir ao teatro umas poucas vezes. Ela tinha medo da imprensa, medo de parar na page six, e por mim tudo bem, porque sempre que eu a via tinha vontade de comê-la na mesma hora, sem ter que assistir a alguma peça antes.

As fotos. Nunca vou esquecer de Consuela me pedindo para tirar aquelas fotos. Se houvesse algum voyeur espiando a cena, ele ia achar que era uma coisa pornográfica. Porém era o que pode haver de menos pornográfico no mundo. Não esqueça que Consuela não é a garota mais brilhante do mundo. Porque, se fosse, as fotos seriam outros quinhentos. Nesse caso, haveria táticas em questão. A estratégia dela seria algo a se pensar. Mas, em se tratando de Consuela, há uma espontaneidade semiconsciente em tudo que ela faz, uma integridade, ainda que ela não saiba exatamente o que está fazendo, ou por quê.

O mínimo de lucidez a respeito do sofrimento banalizado por essa nossa época sedada pela estimulação grandiosa da maior de todas as ilusões.

O grande fim, embora ninguém saiba o que é, se é que é alguma coisa, está chegando ao fim, e sem dúvida ninguém sabe o que está começando. É uma comemoração entusiástica de algo que não se sabe o que é. Só Consuela sabe, porque agora conhece a ferida da idade. Envelhecer é inimaginável para todos, menos os que estão envelhecendo, mas agora para Consuela é diferente. Ela já não mede o tempo como os jovens, contanto para trás a partir do momento em que tudo começou.

Quebrou-se a ilusão, a ilusão metronômica, a ideia tranquilizadora de que, tique-taque tudo acontece na hora certa. Agora ela tem uma consciência do tempo idêntica à minha. Tenho que ir. Olha, eu não tenho tempo, tenho que correr!

De bordado à colcha de retalhos, minha colcha: Isabel Coixet é talentosa cineasta espanhola, diretora de My life without me (2003) e La vida secreta de las palavras (2005), ambos com Sarah Polley, ambos tocantes, sensíveis e tristes, mas não menos primorosos.
No primeiro filme, uma jovem mãe descobre que está com câncer, tem dois meses de vida e pela primeira vez prioriza suas vontades. O que parece um tema batido se transforma pela visão sensível, detalhista, intensa e equilibrada de Coixet.
No segundo filme, uma jovem solitária cuida de um homem acidentado. O Passado, segredos, vínculos, superações, solidão e amor são as forças que conduzem essa bela obra
trabalhada com muita sutileza por Coixet.

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