Ela nasceu uma gérbera amarela.
Poderia ter nascido uma violeta azul, um cravo branco, uma jabuticaba, uma amendoeira, um tamanduá, um japonês.
Ma nasceu gérbera, “gênero de plantas herbáceas perenes da família das compostas, dotadas de folhas basais, e flores reunidas em capítulos solitários e multifloros de 10 cm de diâmetro, intensamente coloridos, e cujo fruto é aquênio acicular.”
Cresceu ao lado de muitas outras semelhantes a ela e era regada diariamente por um ser de cabeça, tronco e membros (chamado homem).
Alguns dias eram de chuva, outros eram de sol. Quando ventava fraco, ela aproveitava para dançar um pouco, Mas se vinha um vento forte, suas pétalas ficavam muito assanhadas, às vezes até caíam, e ela tinha medo de virar uma flor careca.
Pensava sempre na existência da vida: germinar, brotar, crescer, e depois?
Corria um boato, lá entre as flores, que um dia todas seriam arrancadas para alguma finalidade desconhecida. Uma contava isso para outra, que contava para outra, e já havia se tornado um saber atávico por ali que o futuro das flores cultivadas geralmente é esse. Ir parar numa floricultura, e torcer para, então, terminar seus dias num lugar agradável.
As rosas vermelhas se vangloriavam de serem as campeãs de preferência entre os homens apaixonados.
Os cravos apostavam na possibilidade de um dia desempenhar a função de enfeitar uma lapela em solenidades importantes como casamento, por exemplo.
Casamento, aliás, era um freqüente destino para as flores de laranjeira.
As margaridas, todas risonhas, geralmente eram eleitas para alegrar ambientes.
E assim a gérbera ia vivendo, sem saber qual seria seu fim. “É a vida”, pensava ela. Nuvens chovem, raios caem, folhas voam, pedras rolam, árvores dão frutos, pessoas dão flores umas pras outras. Pessoas fazem e acontecem.
E eis que aconteceu do homem que regava a gérbera amarela aparecer, numa manhã, acompanhado de muitos outros homens e um objeto enorme (cujo nome era caminhão, mas esse detalhe as flores ignoravam). Sabiam apenas que quando aquele objeto se aproximava era sinal de que, muito provavelmente, havia chegado o dia delas. Havia mesmo.
Depois de devidamente arrancada, a gérbera amarela viajou por muitas horas, com centenas de colegas, chacoalhando por caminhos (denominados estradas), e experimentou sensações inéditas com correr, subir, descer, virar à direita, ou à esquerda, parar, de repente.
Já era noite quando a viagem terminou. As flores foram retiradas do caminhão, separadas pelo critério –espécies e cores – e colocadas em baldes cheios de água, num lugar que cheirava a flor, como nenhum outro.
O dia havia nascido havia algumas horas quando alguém pegou a gérbera amarela, várias outras, amarelas como ela, mais algumas brancas, e foi amarrando uma por uma com um negócio (arame) até todas formarem um círculo. Parecia até que elas brincavam de roda.
Naquela tarde, no velório de um pai, um filho olhou para a gérbera amarela, no meio das outras todas, e pensou que preferia ter nascido uma flor a ter nascido um menino, quase 33 anos antes.
2 comentários:
encontrei o blog por acaso e não podia deixar de comentar, este texto está lindissimo. =D
Bem.. estava na net pesquisando sobre as gérberas que estou pensando em utilizar no meu casamento... quando começo a ler o texto e me interesso, pensando que o final da pequena flor seria o mesmo que eu imagino dar a tantas outras gérberas...
Não imaginava esse fim...
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