domingo, 1 de março de 2009

Alice Ruiz

plantei uva para o vinho
para as festas, para as passas
só deu batatas

* * *

mormaço e suor
corta a tarde pelo meio
o cheiro de jaca

* * *

amarelas, vermelhas
folhas novas anunciam
mangas que virão

* * *

casa com telhado
para afastar passarinho
não vira ninho

* * *

pássaro morto
no meio da estrada
carros que voam

* * *

do jeito que as coisas vão
até parecem felizes
comportando tanto impossível
nunca do jeito que são

coisas pelo contrário
pessoas perdem matizes
viram vultos sombras nadas
coisas quando serão?

* * *

mesmo que eu morra
dessa morte disforme
o esquecimento
não lamento

viver ou morrer
é o de menos
a vida inteira
pode ser
qualquer momento
ser feliz ou não
questão de talento

quanto ao resto
este poema
que não fiz
fica ao vento
mãos mais hábeis
inventem

* * *

apaixonada
apaixotudo
apaixoquase

* * *

primeiro verso do ano
é pra você
brisa que passa
deixando marca de brasa

* * *

assim que vi você
logo vi que ia dar coisa
coisa feita pra durar
batendo duro no peito
até eu acabar virando
alguma coisa
parecida com você

parecia ter saído
de alguma lembrança antiga
que eu nunca tinha vivido

alguma coisa perdida
que eu nunca tinha tido

alguma voz amiga
esquecida no meu ouvido

agora não tem mais jeito
carrego você no peito
poema na camiseta
com a tua assinatura

já nem sei se é você mesmo
ou se sou eu que virei
parte da tua leitura

* * *

minuto a minuto
quis um diato
do azul
no teu dia

meu querer
quero crer
azulou
teu dia a dia
tudo
que podia

* * *

pequeno
tinha um pensamento

a selva
quando crescer

em algum lugar
na selva

corre grande
um pensamento

* * *

jamais amei um santo
nem cantei um hino
só quero morar
contígua a um sino
som que continua
desenhando templos

* * *

não vai dar tempo
de viver outra vida
posso perder o trem
pegar a viagem errada
ficar parada
não muda nada
também
pode nunca chegar
a passagem de volta
e meia vamos dar

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