domingo, 6 de dezembro de 2009

São as ruas sossegadas à hora do alimento e os talheres da vizinhança a retinir

Acordar mais cedo no sábado, sim. Exame médico na manhã de garoa paulistana. Sentia saudades dessa garoa, abençoada garoa, amenizadora do forte e abafado calor primaveril. A cidade meio vazia, ao menos no trajeto que fiz, e na volta parei no supermercado. Diversas ervas, peixe, frango e cordeiro, para o almoço deste sábado, do domingo, o jantar da segunda e ao ver a quantidade de sacolas - no carrinho pequeno os volumes parecem menores - telefonei para o garotão, que se preparava para sair como cão, vir ao supermercado ajudar esta mãe. Sacolas nas mãos do filho, a guia do cão na minha mão, foi nesse momento que senti o cansaço. O cão e eu paramos na farmácia, voltamos para casa, as compras já estavam devidamente guardadas, uma fruta para forrar o estômago, o antiinflamatório e o aconchego para o sono fora de hora tão desejado transformou-se em visão de orquídeas e gosto de sushi, sashimi, temaki e missoshiro quentinho cheio de tofú e cebolinha picada. Não importa o cansaço e a energia despendida, tenho um filho que do seu jeito sente receio pela maratona médica da mãe. A voz firme impõe a atividade e decido que iremos ao festival anual de orquídeas no bairro japonês da Liberdade. Pesquiso o endereço e desconsidero o humor do meu filho porque sei que para ele será fonte de leveza, alegria e retomada da vontade de seguir em frente com seu projeto. As orquídeas estavam encantadoras: Belíssimas formas, cores, aroma - não são todas as orquídeas que têm cheiro tão gostoso. Curtimos as ganhadoras nas diversas categorias do festival, juntos escolhemos a orquídea para a namorada do filho, para nossa casa e saímos de lá, com a harmonia e a leveza que tantas plantas têm o dom de emprestar. Alguém imagina que apesar do cansaço deixei de lado o jeito grego de negociar preço, conversar, aprender a maneira correta de cuidar das orquídeas, da mesma forma que minha mãe cuidava e fazia com que os vasos que ela ganhava sempre florescessem no ano seguinte? Pacote de adubo, presente do produtor tão gentil quanto bom negociante, além da dica de um restaurante japonês com alimento fresco, gostoso e preço barato, por ele mesmo frequentado no bairro. A Liberdade está cheia de restaurantes japoneses, mas encontrar um, realmente bom e com preço justo, é tarefa muito difícil. Enquanto caminhávamos pelas ruas as flores que carregávamos chamavam a atenção de varias pessoas, perguntavam onde as havíamos comprado, ouvimos elogios e chegamos à última meta do dia, a barraca do monge xintoísta que escreve nosso nome, nosso desejo e nos oferece sua oração.
O passeio até a Liberdade, meu filho, foi o jeito que  encontrei para aliviar seu espírito e lhe dar força para suas conquistas. As orquídeas são sua avó, a yayá que tanto o amava e ama, uma linda parte dela por mim tão sentida ontem, presente, perto de mim a ouvir o diálogo interno pleno de saudade que com ela mantenho durante os exames médicos. As flores também são seu carinho para sua namorada, carinho por ela merecido e por você certamente esquecido. A folia de sushis, sashimis e temakis é o meu jeito de alimentar seu corpo e a oração do monge um jeito diferente de alimentar seu espírito. Volto mais ao tempo: Enquanto descíamos a ladeira do local no qual instalaram o festival de orquídeas, me lembrei que no primeiro ano de minha volta à São Paulo, em 2004, fui a esses festival com minha amiga-mana do Rio e com ela também descobri a barraca do mesmo monge xintoísta que, à época, não falava português. A isto também chamo harmoniosa fluidez.

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

Um belo passeio que resultou em texto tão vivo. Senti passo a passo, até vi o rosto do homem que agora já deve saber um tanto de português.