Para quem começou a vida muito cedo e continua curiosa e interessada nos caminhos do mundo, as coisas às vezes ficam complicadas. É como ter um pé fincado no presente mas também um outro lá atrás, no passado; viver assim é, no mínimo, perturbador.
Esse pé no passado é nossa memória, que não nos deixa esquecer como eram nossos pais, como eles viviam, o comportamento que esperavam dos filhos – e das filhas, sobretudo. Todo mundo finge que acha tudo muito natural, mas os costumes estão mudando rápido, rápido demais, e a gente se assusta.
Com o pé no passado, lembro de coisas que não dá para acreditar: do tempo em que as desquitadas eram malvistas; do amigo que se matou porque descobriram que era gay; das duas mocinhas que frequentavam a mesma praia e eram famosas por serem as únicas não virgens do pedaço; da grande ousadia que era uma moça trabalhar quando seu destino já estava traçado: estudar francês e piano e casar; das mulheres que escondiam que pintavam os cabelos. Faz tanto tempo assim? Ok, foi no século passado, mas ainda lembro bem. Lembro até de ter ouvido falar que havia médicos especialistas em reconstituir a virgindade para que as meninas pudessem se casar vestidas de branco – dá para acreditar?
Meu pai me proibia de entrar no carro de qualquer rapaz. É claro que eu desobedecia e entrava, mas, quando passava pelos pontos mais estratégicos, abaixava para não me arriscar a ser vista.
As intimidades com os namorados eram levíssimas, e ficar de mãos dadas no cinema era quase um compromisso. O primeiro beijo na boca era contado com emoção à melhor amiga, e detalhe: era um beijo casto. Se algum garoto tentava passar a mão nos seios, e eles tentavam sempre (no cinema, sessão das 8), era considerado grave. Grave, não: gravíssimo. Hoje, quando vejo as campanhas na televisão incentivando o uso da camisinha no Carnaval, fico grilada e acho que virei careta – vai ver, virei. Será que virei conservadora quando acho (mas não digo) que o mundo está perdido? Não, não é o mundo que está perdido. Sou eu que estou perdida. Mas lembro e tenho certeza: era diferente. Beber, fumar, experimentar maconha, dormir com um homem, chegar em casa com o sol nascendo era um posicionamento diante da vida. Não dá para negar que era divertido, mas era mais que tudo um posicionamento – e sempre muito intenso.
As mesmas coisas são feitas hoje – sexo, principalmente –, mas de maneira banal. É tão simples levar o namorado para dormir no quarto, sob as bênçãos da família, que não pode ter muita graça. Alguma coisa fácil tem graça? Convenhamos: existe algo menos afrodisíaco do que ter que lembrar da camisinha?
Já vai longe o tempo em que ir para a cama com um homem era uma decisão importante, e havia sempre uma razão forte – mesmo fantasiada – para isso. Às vezes se fazia uma certa confusão entre atração física, amor e ideologia, mas assim era o mundo.
Foram muitos os doces erros da juventude, todos perfeitamente perdoáveis; afinal, quando se é jovem demais, não se pode saber tudo. Ainda bem.
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