sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Sinais

Você não tem tempo, quer dizer, você organiza mal seu tempo, ou, você se esqueceu de dizer "não" aos que se intrometem em seu tempo. Assim, você consegue dar conta de muitas coisas, mas, sempre deixa algo de lado, para mais tarde. Muitas coisas se resolvem dessa maneira: Se o que foi deixado de lado - sem dúvida uma das formas de priorização - com o tempo assume sua real desnecessidade e ausência de importância, então, foi resultado de demanda equivocada, de idéia vã.
Na organização da sentença matemática tempo x atividade = resultado, você encontra inúmeras variáveis como: trânsito, chuva, acidente, reuniões intermináveis e aos poucos se torna mestre em equilibrar vários pratos de fina porcelana chinesa postos no alto de varetas de bambu. O segredo para a permanência dos pratos lá, no alto, para deleite do respeitável público é a movimentação constante das varetas. Você sente sono e não consegue dormir, ou, dorme e acorda de madrugada. Às vezes suas pernas incham um pouco. Um dia qualquer você sobe a escada de sempre, na velocidade habitual e no último degrau parece sufocar e o seu coração prestes a explodir. Durante a semana, do nada, surge inédita dor de cabeça insuportável e incapacitante, coincidentemente, no mesmo dia, ou um dia antes da vinda de nova frente fria a destrambelhar a temperatura da cidade. Você sente enjôo, mal estar, sono incontrolável, todos componente do kit cabeça dolorida com o brinde adicional dos olhos lacrimejantes. Após o almoço, ou no final da tarde, você percebe que a calça jeans, um pouco larga na cintura, ficou na medida exata do seu corpinho de princesa. E as super lentes multifocais resolvem desfocar algumas letrinhas, sem qualquer importância. Motivo para tudo isso? Estresse, cansaço, retenção de líquidos, nervoso por conta dessa ou daquela situação e a nova função, por você recebida, de barômetro ambulante a prever as mudanças do tempo.
Dizem que a hipertensão é silenciosa e de fato ela é. Mas a pressão alta também costuma mandar recados estridentes através dos sintomas acima descritos (e outros possíveis), por nós considerados secundários, resultados da vida corrida ou qualquer justificativa esfarrapada que costumamos assumir. No fundo, tudo vira a ‘genérica virose’ com a qual alguns médicos costumam justificar do calo no dedinho do pé à perda de memória.
O câncer também costuma ser silencioso e a percepção desse malandro astuto, depende muito do conhecimento do nosso próprio corpo e mente. O sinal sempre vem, sempre. Nós nos esquecemos de perceber, de prestar mais atenção, de valorizar nossa intuição.

Da coluna de Betty Milan - publicada na Veja há algumas semanas, sobre a atitude de Emmanuel Dreuilhe em sua luta contra a Aids - é o seguinte texto: “...encontrou suas metáforas guerreiras. Passou a raciocinar como um estrategista, saindo da condição de vítima para a condição de combatente. Só escreveu sobre a sua dor para se defender. Como se entoasse uma ária marcial contra o vírus da aids. O vírus, segundo ele, afeta menos a imunidade do que a confiança. E a falta de confiança resulta em culpa. Ela ronda não apenas o doente de aids como o de câncer. Aids e câncer são palavras que desnorteiam, marcam e fazem perder a razão
". Isso ficou tão claro na atitude de algumas pessoas ao saberem sobre o meu câncer, incapazes que foram de repetir o nome da doença e o temor de seus olhares pelo absurdo contágio. Não duvido que ao ouvirem a palavra câncer batam na madeira três vezes e entoem alguma mandinga, parecida com a do pé de pato que mangalô três vezes, que e eu não tenho ideia o que significa.

Sem dúvida o bom humor é excelente para tudo. Nesta semana estive com minha médica preferida e finalmente interpretei corretamente todos os sinais, velhos conhecidos e por mim imediatamente detectados nas crises hipertensivas de minha mãe, mas tão esquecidos para mim. Ah, lindona, por um tempinho desviou-se do acordo feito de finalmente cuidar-se e não somente cuidar dos outros. A minha hipertensão é causada por um medicamento que tomo por algum tempo, apropriadamente receitado pela outra médica preferida, cujo efeito colateral foi sabiamente detectado pela primeira. Ela aumentou a dose do medicamento x, dividiu a dose do medicamento y ao longo do dia, explicou todo o mecanismo do remédio no organismo. Aceitou a brincadeira 'não tô entendendo', respondeu que eu estava com preguiça de pensar, escreveu na caixa do remédio a dosagem diária fracionada, eu pedi para que ela desenhasse, ela quis rascunhar antes de desenhar e imitou o gesto exato de uma sexy bomb blonde girl. As divertidas brincadeiras entre um livro e outro de Karen Horney, a mim gentilmente emprestados pela médica e a edição esgotada, que encontrei num sebo, do exemplar que há anos ela havia perdido. Rir é essencial.

Sigo o conselho e por quatro dias medirei a pressão diariamente, não em casa (descartamos o medidor de pressão após a morte de minha mãe), mas na máquina instalada na drogaria (mesma máquina, horários diferentes) por mim imediatamente apelidada de discretinha. A justificativa da farmacêutica - que justo na minha vez resolveu treinar a balconista para orientar os clientes - sobre a voz extremamente alta que sai da máquina seria a surdez dos usuários idosos que necessitariam dos gritos emitidos pelo trambolho: Se você mede mais de um metro e meio aperte o botão vermelho. Após algumas indiscrições ouvidas por todos na farmácia e fora dela, o resultado saiu no papelzinho impresso. A minha experiência inicial com a discretinha foi mais interessante pela total falta de, total falta de tudo da farmacêutica, que se adiantou, pegou meu resultado, leu, olhou para mim com cara de espanto e perguntou seu eu conseguia me locomover normalmente. Garanti que sim, afinal, eu havia acabado de voltar a pé do trabalho, seguido pelo meu conselho para a aprendiz: Por favor, a não ser que lhe seja solicitado, não leia o resultado de seus clientes, tampouco faça qualquer expressão de espanto, porque há pessoas bem suscetíveis que podem passar mal aqui, na sua frente. Discretinhas.

Devemos nos cuidar.

Imagem obra de Picasso

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