sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Beleza variada

Essas seriam as palavras ditas por Umberto Eco ao explorador do futuro que viesse ao século XX para descobrir o que era considerado belo: “Você será obrigado a render-se diante da orgia de tolerância, de sincretismo total, de absoluto e irrefreável politeísmo da Beleza''.
Segundo Eco, os conceitos do belo no século XX são os mais contraditórios e criaram o “sincretismo da beleza”.



A beleza não presume unanimidade e seus ícones são variados, muito mais ao pensarmos na beleza masculina (temos conceitos mais abrangentes, maleáveis e generosos, relativos aos diversos padrões do homem belo) se comparado ao padrão de beleza feminina.
A beleza considerada, amplamente divulgada e imposta pela mídia ganha cada vez mais espaço e em larga escala gera parâmetros duvidosos e difíceis (mas não impossíveis) de serem contrariados. Assim, comumente ouvimos as expressões “ditadura da felicidade” e “juventude eterna” em detrimento de valores essenciais e até mesmo da saúde integral (corpo e mente).
Não precisamos mais do pó de pirlimpimpim, da fada Sininho, para chegarmos à Terra do Nunca (onde ninguém envelhece) porque há anos vivemos ao lado de Peter Pan, mergulhados na fonte de Ponce de Leon.
A bilionária indústria cosmética, os inúmeros criativos tratamentos de beleza e as cirurgias estéticas desafiam o bom senso e a natureza.
No presente, a beleza padronizada, artificial e produzida limita e define características rígidas aliadas a sacrifícios corpóreos, mentais e pecuniários.
O tempo necessário ao culto do corpo para a obtenção dos resultados estéticos ansiados e padronizados, não é possível aos que dedicam oito horas habituais, ou mais, ao trabalho e têm vida normal; o uso de substâncias químicas, ingeridas ou injetáveis, prejudicam a saúde física, mental e ao longo do tempo podem causar severos efeitos colaterais; as banalizadas cirurgias estéticas para a retirada de gordura localizada, colocação de implantes e demais práticas existentes, traumatizam órgãos, trazem desconforto e demandam consideráveis sacrifícios; para as mulheres que pretendem seguir esses e outros rituais, sem a garantia do resultado pretendido e muito menos a certeza da pertinência do resultado obtido, restam os consultórios de psicólogos, psiquiatras e medicamentos adicionais para o combate à depressão e ansiedade para, quem sabe, finalmente entenderem que a beleza não reside na inexistência de rugas, nos lábios e seios volumosos, nos longos e lisos cabelos artificiais, no corpo esculpido, na altura certa, mas na sabedoria, no auto-respeito e na auto-estima para receber, com graça e harmonia, cada sinal que o tempo traz.
A grande questão parece ser o nosso correto entendimento sobre as efetivas razões do
implacável padrão atual de beleza.
A arte é o mais importante meio de documentação do ideal de beleza e estética ao longo da história e é através dela, que assimilamos os diversos conceitos que existiram.
Nos primórdios da humanidade a estética feminina estava ligada à fertilidade.
É do filósofo Aristóteles a percepção inicial e lógica dos conceitos de ordem, simetria e proporcionalidade aliados à beleza.
Enquanto Platão associava o belo à bondade e à verdade, Aristóteles conferiu à beleza ideal valores objetivos e claros, sem, no entanto, desconsiderar a subjetividade existente, por exemplo, na beleza única do corpo amado vista sob o ponto de vista do amante.
O rosto e o corpo bonitos deviam ser simétricos e proporcionais, parâmetros posteriormente seguidos por artistas da Antiguidade, da Idade Média, do Renascimento e encontrados atualmente na rebeldia contra à padronização.
O conceito de “beleza grega” da época clássica é representado pela estátua de Afrodite (Vênus de Milo) do século II a.C.: nariz desenhado, perfil perfeito, cabelos ondulados, corpo harmonioso, ordem, simetria, proporção e medidas exatas.
Na Idade Média a beleza física era considerada reflexo da boa alma e do comportamento devoto. O padrão da época compreendia lábios finos, corpo longilíneo, seios pequenos, ombros estreitos e ventre saliente.
No Renascimento encontramos a proporcionalidade e simetria com o acrescimo do naturalismo, logo, o padrão de beleza é demonstrado pelo corpo roliço, os seios fartos, os ombros e os quadris mais largos e arredondados. À época os aspectos habituais do corpo feminino como celulite, gordurinhas localizadas e ondulações eram reproduzidos e considerados ideais de volúpia e nobreza, resultados da prosperidade e da alimentação farta.
Aos poucos, a simetria e a proporcionalidade são reforçadas pela graça, característica subjetiva, aliada à espiritualidade e às emoções.
Com o Romantismo surgiu o dualismo: ingênuo e fatal, rude e sofisticado. A mistura de características paradoxais criou o padrão da beleza intensa, emocional, por vezes vinculada ao onírico, ao mistério e ao caótico. A beleza daquele tempo incluía a deformidade e o exotismo. O padrão de beleza clássico e a aparência saudável não eram
valorizados.
No Modernismo, com o cubismo, o expressionismo e a abstração, prepondera o padrão geométrico e a descontinuidade, o passo anterior ao padrão de beleza atual, que prima pela juventude eterna, pela magreza excessiva e pela felicidade obrigatória, aspectos reforçados pela mídia e pela evolução da indústria cosmética, além de fundamentais para a aceitação e o sucesso social, profissional e pessoal.
Apesar do componente subjetivo presente no conceito de beleza, nas imagens encontramos mulheres belas, ícones de décadas anteriores e isentas da atual padronização e artificialidade. Havia algo a mais, o élan, o glamour, o encanto que as retirou do campo das celebridades relâmpagos e as mantêm divas perenes.
Há nelas o feminino natural, aprazível, invulgar e não padronizado. A beleza de Audrey Hepburn não se compara à estética de Katharine Hepburn ou à beleza de Ava Gardner e de Lana Turner. Sophia Loren era diferente de Ingrid Bergman, que em nada se parecia com Greta Garbo.
Por outro lado, o sacrifício dedicado à manutenção da juventude e à conquista do atual ideal de beleza artificial e padronizada, resulta em alteração comportamental importante: Longevos e com os tratamentos estéticos atuais, prolongamos nossa fase produtiva, o maior aproveitamento da vida e postergamos a inatividade. Situações impensáveis nas décadas anteriores.

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