sexta-feira, 5 de março de 2010

Rapidelas prosaicas e serenas

Hoje, resolvi tirar folga de exames, consultas, laboratórios e hospital. Com o cão ao lado (ele adora passeios extras) irei ao sapateiro e levarei sapatos para conserto, buscarei bolsa e um par de tênis consertados e, depois, levarei o cão ao merecido banho. Enquanto o cão estiver no pet-shop tomarei um café e observarei as pessoas sentadas próximas, as que passarem pela rua e lerei algumas páginas do livro recém escolhido. Prepararei jantar delicioso – pernil de cordeiro, ervas aromáticas frescas, batatas assadas e salada completa: metade folhas verdes de diversos tipos e metade com jeitinho grego (tomates, pepinos, azeitonas, queijo, orégano).
Preencherei as etiquetas compradas ontem, na volta do hospital, e organizarei exames de acordo com as especialidades, papéis importantes que serão analisados em breve, minha escrivaninha e as caixas de sapatos. Definirei a exaustiva agenda da próxima semana. Prometi sobre a palavra disciplinada. Há muito tempo não passo um dia assim, com o cão.

Deixem de lado o cigarro. Deixem o cigarro de lado para sempre. Somos persistentes, nós, os racionais humanos. Ontem, uma senhora aguardava ser atendida por um dos médicos e solicitou que sua amiga fosse ao setor de quimioterapia e avisasse ao responsável sobre o seu atraso, por conta da consulta. Aquela senhora tratava um câncer. Na saída do hospital aquela senhora fumava um cigarro. Isso quer dizer que nem o devastador impacto da notícia sobre o câncer, muito menos o medo, a depressão o tratamento e seus efeitos colaterais conseguiram fazer com que aquela senhora deixasse o cigarro de lado para sempre. Sinto por ela e fico com raiva da nossa racional espécie, a humana, capaz de criar substâncias tão viciantes. Sinto raiva da nossa impotência. Sinto raiva das escusas que habitualmente inventamos para nos auto-iludir. Não gosto de sentir raiva.

O cão ficou dois dias sem um carinho meu. Mandei-o de castigo ao quarto do garotão. O cão sentiu falta do meu carinho e atenção. Eu senti falta de fazer carinho no cão e de receber seu carinhoso e zeloso olhar. O cão transmite paz. Mas, às vezes, por mais que sintamos falta dos que amamos, é necessário manter distância e torcer para que alguma luz acenda e ilumine a mente embotada.

Cada um sabe o que vai por dentro.

Um comentário:

Gerana Damulakis disse...

Os marcadores da postagem dizem paz, serenidade, mas o texto fala de raiva, de necessidade de ficar só.
É seu direito, é nosso direito sentir raiva, muita raiva, e de sentir vontade de ficar só para, talvez, atingir alguma paz, alguma serenidade.
A última frase é tão verdadeira: cada um é que sabe o que dentro lhe vai. Sabendo, então, dê o direito a si mesma de sentir raiva. Sinta. Fique só e se ache. Somente vc sabe o que dentro lhe vai. Sinta tudo o que quiser, é seu direito. Querendo trocar uma idéia, pode me chamar por e-mail.