sábado, 22 de março de 2008

Antonio Cicero

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma
Em cofre perde-se a coisa à vista

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que pássaros sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:

Para que ele por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que quer guardar.

* * *

Aprendi desde criança
Que é melhor me calar
E dançar conforme a dança
Do que jamais ousar

Mas às vezes pressinto
Que não me enquadro na lei:
Minto sobre o que sinto
E esqueço tudo o que sei.

Só comigo ouso lutar,
Sem me poder vencer:
Tento afogar no mar
O fogo em que quero arder.

De dia caio minha'alma
Só à noite caio em mim
por isso me falta calma
e vivo inquieto assim.

* * *

Sou seu poeta só
Só em você descubro a poesia
Que era minha já
Mas eu não via.

Só eu sou seu poeta
Só eu revelo a poesia sua
e à noite indiscreta
você de lua.

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