sexta-feira, 5 de junho de 2009

O relacionamento amoroso na segunda metade da vida

Por você eu dançaria tango no teto,
eu aceitaria a vida como ela é,
eu tomaria banho gelado no inverno.
Por você eu deixaria de beber,
eu ficaria rico num mês,
eu dormiria de meia pra virar burguês.
Por você eu mudaria até o meu nome,
eu viveria em greve de fome,
eu desejaria todo o dia a mesma mulher.
Por você eu conseguiria até ficar alegre,
eu desejaria todo o dia a mesma mulher.
Com o passar do tempo a dinâmica dos relacionamentos amorosos é tão intensa, ampla e interessante, quanto a transformação de nossas próprias ideias sobre os relacionamentos amorosos. Foi-se a época da relação que primava pelo ideal romântico e pela aparência (por ‘aparência’ considere fraca tradução do que os cientistas definem como a busca natural pela preservação da espécie, no caso, que nos permitisse parir filhos saudáveis e com determinadas características genéticas, além da segurança para a criação da prole - segurança essa, de fato, sempre relativa) somada às experiências vividas em nosso próprio meio.
As características físicas e mentais naturalmente detectadas, que nos permitiram gerar prole saudável e com determinadas qualificações, também receberam a carga de projeções que assimilamos do meio que vivemos. Assim, para mim, por exemplo, homens altos eram fortes (honestos e protetores), porque assim era meu pai, assim é o pai do meu filho e assim é o meu filho; e o ideal de casal pretendido: unido, feliz, cúmplice, leal, valoroso, saudável, amoroso, carinhoso, era formado pelo meu pai e pela minha mãe - não por serem meus pais, mas, e principalmente, porque todos os dias souberam exercer com maestria cada uma dessas tão desejáveis qualidades, viveram em harmonia e permitiram que eu crescesse em ambiente harmonioso, amoroso, pacífico e saudável. Nenhum defeito ou expectativa não cumprida? Hoje, com o tempo e a experiência, eu pondero a resposta absoluta, negativa e imperativa, que sempre acreditei e assumo que haviam defeitos, sim, e certamente algumas expectativas não se realizaram, mas os dois descobriram a dádiva de superar e de dedicar a parcela de sacrifício que todo relacionamento presume, sacrifício que o amor tem o poder de transmutar em mais amor.
Sem dúvida, reconheço que meu casamento ocorreu fadado ao insucesso, por que o preenchi não só com a dedicação que aprendi, com o desprendimento, o amor, a lealdade e os valores familiares que vivi, mas também com a pesada carga do casal paradigma que meus pais foram e que meu então marido jamais poderia formar, visto que ele viveu outra realidade e teve seus próprios paradigmas e valores tão distintos dos meus. Assim, imatura e insensata, não transigi, não tolerei, não fui maleável, esmerei-me em cumprir obrigações, tarefas, continuar a ser uma das melhores alunas da faculdade; cuidar do filho saudável sem uma assadura sequer; ter a casa mais limpa e organizada e arrumada e cheirosa e bonita; ser a melhor filha, mais dedicada ainda durante a grave enfermidade que naqueles anos vitimou meu pai e, com isso, não sobrou tempo, tampouco energia para nada além de chegar aos meus vinte e cinco anos e sair de minha casa com o coração livre, a mente tranquila, a total desilusão sobre qualquer casamento, a certeza das necessidades emocionais de minha mãe por conta da morte do marido e com o meu filho em baixo do braço. Voltar ao antigo ninho, tão diferente e desfalcado do principal elemento - era meu pai quem mantinha o equilíbrio e a harmonia das relações - para assumir como pude e da melhor forma que pude seu papel.
Mas e agora, nesta fase da vida que a prole crescida busca seus próprios relacionamentos amorosos, que as obrigações e os pesos passados não existem,
que estamos mais livres, soltos e suaves, como ficamos nós, calmos, menos ansiosos e um pouco mais sábios, frente aos relacionamentos amorosos? O que nós buscamos para a metade final de nossa vida? O que é premente, necessário, indispensável; o que não queremos; o que não conhecemos e o que dispensamos? Será que a natureza prepondera e o ideal - Céus!- nem pensar em retomar fraldas e mamadeiras, muito menos acreditar que altura do parceiro seria prova exclusiva de sua força e caráter. Alguns buscam segurança financeira, um teto certo sobre a cabeça e alguém que esteja ao seu lado no ruim, no pior e, principalmente, alguém que não enxergue e não brigue, tampouco faça o maior bico com - ou, quanto muito, se satisfaça em apenas discutir as possíveis causas e compartilhar de todos os detalhes - as inevitáveis escapadelas para satisfazer o instinto, o cheiro, o prazer sexual inexistente ou insatisfatório. Outros buscam a certeza da velhice amparada por parceiros dedicados que se esmerem no cuidado na saúde e na doença, mais ainda na doença. Há os que temem a solidão e para que ela não exista preenchem suas vidas com quantidade ou com uma única pessoa, normalmente, a menos indicada, a mais fácil e disponível, para depois descobrirem que o preço pago foi demasiado, ou, que continuam mais sós do que antes. Não esqueçamos dos estudiosos, que reconhecem no par de poltronas dispostas diante da lareira acesa e ocupadas pelo casal e duas montanhas de livros, revistas e jornais, o êxtase de toda a agonia dessa existência vã. Muitos encontram algo em pessoas mais jovens, às vezes, muito mais jovens; enquanto outros esperam; alguns vivem sem pesos e cobranças e, esses, são felizes e verdadeiramente livres.
Com o olhar bem menos romântico nos adaptamos de tal forma equivocada, que muitos relacionamentos amorosos - e falamos de relacionamentos amorosos - perderam a essência e transformaram-se em empresas sociais ordenadas por planilhas de custos, nas quais, o casal deixou de existir e cedeu seu lugar, transformou-se em parceria, sociedade, fraternidade, que realiza projetos, cumpre metas, confere gastos, amortece dívidas e no final do período divide lucros e publica o balanço em jornal de grande circulação. Quando o relacionamento é regido pela planilha de custos e a dupla gestora é eficiente na manutenção da empresa social, talvez é chegada a hora de atualizar seu melhor currículo, antes que seja tarde demais.
É claro que todos queremos alguém para juntos construirmos algo, para realizarmos projetos comuns, para excluirmos a solidão e a tristeza, para compartilharmos a alegria, para sermos cuidados e cuidarmos na doença e juntos vivermos na saúde, para trocarmos ideias sobre tudo nesta vida, mas, ainda insistimos em nos esquecer daquela parte essencial que diferencia o casal, da dupla, dos sócios, dos irmãos, dos companheiros, dos leitores, dos parceiros, dos amigos. Dentre o essencial não há nada que substitua qualidades que todos buscam e a química que todos querem, mas que raros encontram e conhecem.

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