Como preencher espaço vazio, aberto, sem conteúdo pela ausência de energia para escrever, ou até mesmo escolher algo que conferisse alguma emoção, alguma graça adicional a esta vida? Fotografias? Imagens? Texto aconchego de Rubem Alves, poesias recém descobertas e plenas de força de Tito Patrikios e de Luis Miguel Nava, que condensou sua breve existência em versos rasgados.
Alexander Pope não poderia faltar nesta fase parecida com o jogo infantil da memória, que revisita a parte ruim, deixada de lado por ser contrária a verbos essenciais como amar. Muitas vezes para prosseguir o amor faz par com o esquecimento, com a memória seletiva. Até porque recordar certas coisas traz gosto ruim, cria ruga, cabelo branco, deixa mágoa e desanda célula em câncer.
Processo semelhante ao da faxina no quarto escuro da bagunça, que toda casa saudável tem, para colocar a coisa em ordem, apesar do medo de encontrar barata e lagartixa. Mas você arregaça as mangas, mantém por perto o inseticida, a vassoura, amarra os cabelos, usa luva de borracha, camiseta de guerra e com ânimo segue em frente.
Há dia certo para faxina, assim como existe o tempo certo para buscar o canto escuro da memória. Não antes, nem depois. E como nosso sábio organismo concentra sua energia para curar alguma doença; poupa a perna ferida e força a outra para que o equilíbrio não se perca; compensa funções, concentrei minha energia e deixei de lado, vazio, aberto e sem conteúdo este espaço cinza claro com letras anárquicas e coloridas.
Foi o tempo do aniversário passado em terra estranha. A virada do ano pessoal em frente ao computador a digitar páginas e mais páginas de relatório transmitido por e-mail, imagens, fatos, dados, pausa para beber água gelada e esticar o corpo, aumentar um pouco o som, molhar o rosto e espantar o cansaço, o calor de outra região, olhar no espelho do quarto de hotel e no meu rosto ver estampado o rosto de minha mãe, lá, idêntico, um rosto sobre o outro, minha face transfigurada na dela, e ela lá, comigo. A rápida reação de espanto e a imediata onda de amor. O amor pode tudo.
Dias corridos, cansativos, quentes, escombros escalados, sol forte sobre a laje semi-destruída, pedaços de vidas, a única pausa para comer frutas, queijo, tomar suco, leite morno com chocolate em pó. Vestir uma camiseta, um short, chinelos de dedo e caminhar na areia daquela praia, daquela praia tão maltratada. A compensação veio no voo de volta para casa, nas nuvens mágicas compostas por matizes incríveis, especiais e belíssimas, na onda de aconchego tão intenso que quase sufoca, na paz – sentir paz em abundância é experiência rara e essencial - na leveza que alimentou a famélica alma para sempre.
Conheci e reconheci-me. Senti prazer em encontrar-me.
Veio mensagem escrita em outra língua, algo sobre organizar reunião com canapés e bebidinhas, reforço de parcerias. Em qual lugar? Quantas pessoas? No máximo cinquenta, certo? Duzentas e cinquenta? Trezentas? Céus! Prazo exíguo e a cada dia a lista aumentava. Endereços desatualizados, telefones, cargos, empresas alterados. Quer dizer que atualmente usam o webconvite? Desculpe, não entendi? Hospedar em site? Servidor limitado, rebelde. Pisar em ovos, não, não pisar em nada. O pouso em terra firme só acontecia na hora de negociar preço, serviço adicional sem aumentar preço, qualidade exigida, confirmada e reconfirmada, bebida importada sem rolha cobrada.
O que fazer? Como fazer? Simplesmente, fazer. Fazer isso e o resto também.
Descobrir novos talentos escondidos dentro de si é muito gratificante. Cansativo e gratificante.
Os dias que antecederam o natal foram corridos, cheios de atividade, nem parecia fim de ano. No natal passado, o segundo sem minha mãe e o primeiro pós câncer, o carinho de amigos que nos queriam perto, para compartilhar a refeição, a alegria como família.
Mas neste natal, neste natal em especial, quis leveza sem obrigação. Não quis presentes, listas, preocupações. Não quis convenções, casa enfeitada, risos e sorrisos sociais, hora definida, padrão. Quis leveza, liberdade, suavidade, conforto e acima de tudo, ficar à vontade. Quis filho e cão perto. Quis as ervas mais frescas e perfumadas – manjericão, alecrim, hortelã, orégano - flor de sal, a mais tenra parte do cordeiro ofertado, não em sacrifício, mas em amorosa refeição preparada com intuição, carinho e todo o tempo do mundo para o cozimento, para ficar pronta em sua própria cadência e hora. Só uma coisa: Percebi que o ânimo, o espírito, o real significado desta abençoada data seria minha missão relembrar. E assim, soprei em casa o espírito do natal que contagiou filho, cão e enfeitou nosso espaço com leveza e luz. As folhas das inúmeras plantas brilharam e refletiram por todo canto matizes mágicas como finos cristais coloridos, e anjos invisíveis nos abençoaram e nos ofertaram divina proteção. O natal também nasce dentro de cada um e se une ao natal do outro, do outro e do outro.
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