sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Essências, consequências, paz

Como preencher espaço vazio, aberto, sem conteúdo pela ausência de energia para escrever, ou até mesmo escolher algo que conferisse alguma emoção, alguma graça adicional a esta vida? Fotografias? Imagens? Texto aconchego de Rubem Alves, poesias recém descobertas e plenas de força de Tito Patrikios e de Luis Miguel Nava, que condensou sua breve existência em versos rasgados.
Alexander Pope não poderia faltar nesta fase parecida com o jogo infantil da memória, que revisita a parte ruim, deixada de lado por ser contrária a verbos essenciais como amar. Muitas vezes para prosseguir o amor faz par com o esquecimento, com a memória seletiva. Até porque recordar certas coisas traz gosto ruim, cria ruga, cabelo branco, deixa mágoa e desanda célula em câncer.
Processo semelhante ao da faxina no quarto escuro da bagunça, que toda casa saudável tem, para colocar a coisa em ordem, apesar do medo de encontrar barata e lagartixa. Mas você arregaça as mangas, mantém por perto o inseticida, a vassoura, amarra os cabelos, usa luva de borracha, camiseta de guerra e com ânimo segue em frente.
Há dia certo para faxina, assim como existe o tempo certo para buscar o canto escuro da memória. Não antes, nem depois. E como nosso sábio organismo concentra sua energia para curar alguma doença; poupa a perna ferida e força a outra para que o equilíbrio não se perca; compensa funções, concentrei minha energia e deixei de lado, vazio, aberto e sem conteúdo este espaço cinza claro com letras anárquicas e coloridas.

Foi o tempo do aniversário passado em terra estranha. A virada do ano pessoal em frente ao computador a digitar páginas e mais páginas de relatório transmitido por e-mail, imagens, fatos, dados, pausa para beber água gelada e esticar o corpo, aumentar um pouco o som, molhar o rosto e espantar o cansaço, o calor de outra região, olhar no espelho do quarto de hotel e no meu rosto ver estampado o rosto de minha mãe, lá, idêntico, um rosto sobre o outro, minha face transfigurada na dela, e ela lá, comigo. A rápida reação de espanto e a imediata onda de amor. O amor pode tudo.
Dias corridos, cansativos, quentes, escombros escalados, sol forte sobre a laje semi-destruída, pedaços de vidas, a única pausa para comer frutas, queijo, tomar suco, leite morno com chocolate em pó. Vestir uma camiseta, um short, chinelos de dedo e caminhar na areia daquela praia, daquela praia tão maltratada. A compensação veio no voo de volta para casa, nas nuvens mágicas compostas por matizes incríveis, especiais e belíssimas, na onda de aconchego tão intenso que quase sufoca, na paz – sentir paz em abundância é experiência rara e essencial - na leveza que alimentou a famélica alma para sempre.
Conheci e reconheci-me. Senti prazer em encontrar-me.

Veio mensagem escrita em outra língua, algo sobre organizar reunião com canapés e bebidinhas, reforço de parcerias. Em qual lugar? Quantas pessoas? No máximo cinquenta, certo? Duzentas e cinquenta? Trezentas? Céus! Prazo exíguo e a cada dia a lista aumentava. Endereços desatualizados, telefones, cargos, empresas alterados. Quer dizer que atualmente usam o webconvite? Desculpe, não entendi? Hospedar em site? Servidor limitado, rebelde. Pisar em ovos, não, não pisar em nada. O pouso em terra firme só acontecia na hora de negociar preço, serviço adicional sem aumentar preço, qualidade exigida, confirmada e reconfirmada, bebida importada sem rolha cobrada.
O que fazer? Como fazer? Simplesmente, fazer. Fazer isso e o resto também.
Descobrir novos talentos escondidos dentro de si é muito gratificante. Cansativo e gratificante.

Os dias que antecederam o natal foram corridos, cheios de atividade, nem parecia fim de ano. No natal passado, o segundo sem minha mãe e o primeiro pós câncer, o carinho de amigos que nos queriam perto, para compartilhar a refeição, a alegria como família.
Mas neste natal, neste natal em especial, quis leveza sem obrigação. Não quis presentes, listas, preocupações. Não quis convenções, casa enfeitada, risos e sorrisos sociais, hora definida, padrão. Quis leveza, liberdade, suavidade, conforto e acima de tudo, ficar à vontade. Quis filho e cão perto. Quis as ervas mais frescas e perfumadas – manjericão, alecrim, hortelã, orégano - flor de sal, a mais tenra parte do cordeiro ofertado, não em sacrifício, mas em amorosa refeição preparada com intuição, carinho e todo o tempo do mundo para o cozimento, para ficar pronta em sua própria cadência e hora. Só uma coisa: Percebi que o ânimo, o espírito, o real significado desta abençoada data seria minha missão relembrar. E assim, soprei em casa o espírito do natal que contagiou filho, cão e enfeitou nosso espaço com leveza e luz. As folhas das inúmeras plantas brilharam e refletiram por todo canto matizes mágicas como finos cristais coloridos, e anjos invisíveis nos abençoaram e nos ofertaram divina proteção. O natal também nasce dentro de cada um e se une ao natal do outro, do outro e do outro.

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