quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Amizade pós amor

No ano retrasado, querido amigo escreveu texto sobre a impossibilidade de existir amizade entre pessoas que mantiveram relacionamento amoroso. Parece colocação pomposa, mas pensei na palavra exata e confesso que me perdi entre namorados, casados, amantes, companheiros e tantas outras qualificações que inventamos para designar aqueles que mantiveram relacionamentos tão variados quanto os existentes. Quero incluir todos os que estiveram amorosa e verdadeiramente envolvidos, e a palavra verdadeiramente não está aí para enfeite.
Ele pediu-me comentário em seu blog e eu quis corresponder ao pedido, mas parei na confusão interna que o tema causou. Lógico que sim, foi a resposta imediata. É claro que pessoas que se amaram de verdade, e por alguma razão da vida não continuaram juntas, podem perfeitamente manter boa amizade. A base não poderia ser outra que a experiência vivida.

Retomo antiga imagem que me impressionou durante o tradicional choppinho com bobagens após o expediente: Década de oitenta, a então gerente de recursos humanos, desprovida da dura couraça usada no trabalho, ao contar seus amores concluiu que seus dedos das mãos e os dedos dos pés não seriam suficientes.
Ora, sem que hoje esse comentário me cause o mesmo impacto, reconheço que continuo do jeito que sempre fui e meus relacionamentos ganham na duração, mas perdem na quantidade, limitando-se a alguns dedos de uma única mão.
De dedos para pessoas, no meu caso com tão pouca diversidade a tarefa não é nada cansativa, decidi que comentaria, não, que escreveria pura apologia sobre a amizade pós amor e confirmaria sua plena possibilidade, para horror do meu amigo, que tanto se entristeceu com o fim de seu relacionamento, a ponto de auto denominar-se caçador de zumbis. Zumbi era a ex. Não consegui escrever. Não consegui. Entendo que pressupostos fundamentais para que o amor de verdade vire amizade de verdade, são o bem querer verdadeiro pelo outro e o relacionamento ter sido muito bem resolvido e seu término ter ocorrido com honestidade, respeito e todos os cuidados dedicados para que não restem tristezas, mágoas e dúvidas.
Ano passado, fui à Belo Horizonte para reunião com cliente e com os habituais atrasos dos voos tive que dormir na cidade. Findo o compromisso de trabalho, rápido jantar, banho para relaxar, liguei para querida amiga mineira e colocamos a vida em dia.
Ela me deixou tão feliz e surpresa ao comentar sobre o novo namorado, as aulas de dança que faziam juntos, a futura casa em Lagoa Santa, o quanto ele a tratava bem e ela se sentia realizada, a apresentação à família, o carinho complementar e a realização sexual, a afinidade e os gostos parecidos, ainda mais porque eu estava preparada para consolá-la por conta do relacionamento anterior, via internet, com um americano que literalmente estagnou a vida dela por quase uma década, e a recente notícia da morte dele, por ela recebida através de um e-mail mandado por alguém das bandas de lá. Desde o começo achei estranha aquela história e, às vezes, fui dura e realista em meus comentários - não menos do que ela também foi nos pertinentes comentários que fez para mim. Passados poucos meses dessa viagem, no começo de dezembro, e-mail triste comentou sobre o fim do namoro relâmpago. Ai, meu Deus! Combinamos horário no msn e num domingo ficamos horas a conversar, os primeiros vinte minutos dedicados aos carinhosos amparo e incentivo tão necessários e o restante do tempo entremeado por gargalhadas e comentários espirituosos. Bom humor é fundamental nesta vida. Foi nessa ocasião que a pergunta voltou: Você acha que devo manter a amizade? Ah, o lógico que escrevi lá em cima virou não sei, a certeza anterior ficou meio atrapalhada e a inédita dúvida reconheceu que cada relacionamento tem suas diferenças e que a palavra depende é a mais apropriada. No caso dela, sim. É óbvio que toda a ansiedade com o americano estranho foi depositada nos ombros do moço que sabe dançar e o assustou. O coitado foi intimidado pela forte expectativa dela, para cumprir em semanas o que o outro planejou por anos, teve muito tempo e oportunidades para cumprir, mas não conseguiu. Ainda bem que minhas melhores amigas são coerentes, honestas, reconhecem seus equívocos e consertam a vida. Sei que essa amizade fará muito bem a ela e que ela retribuirá, pois é excelente pessoa.
Concluo que a decisão de manter ou não a amizade está no que foi vivido: Você teve um bom companheiro, fiel e dedicado, alguém que esteve sempre ao seu lado, principalmente, nos seus piores momentos e lhe dedicou toda atenção e carinho que você necessitou? Mentira, maltrato, traição, descaso e ofensas foram palavras inexistentes entre vocês? Você teve ao seu lado alguém que a fez crescer, que a valorizou e protegeu, que reconheceu seus medos e anseios e a ajudou a enfrentá-los? Você se sentia à vontade com ele e juntos vocês riam à toa, gargalhavam com as mínimas coisas e se sentiam leves e felizes? Minha cara consulente, se suas respostas foram sim para todas as perguntas, então, sem qualquer dúvida seu ex é alguém com bom coração e será legal vocês serem amigos. Mesmo por que o jeito de escolher amigo não mudou.
E como fica a amizade do seu amor com a ex dele? Também depende. Se a ex tem caráter é honesta e comporta-se com dignidade, prevalece tudo do jeito que está escrito acima. Afinal, fui casada, tive filho e sou excelente ex para o pai do pimpolho e, consequentemente, para a mulher dele. Sempre fui e sempre serei. Quase vinte anos de comportamento coerente e linear comprovam o que afirmo. Mas se o comportamento da ex do seu amor incomoda e entristece você, por mais amiga que a moça tente parecer e diga ser; se o seu amor recebe presentinhos, mimos, telefonemas e fotografias que ninguém em juízo perfeito mandaria; se o seu amor virou o confidente preferido para depósito de todas as mazelas da vida, do relacionamento alheio, dos problemas com filhos, ascendentes, colaterais e o papagaio, então, acredite que a ex quer excluir a própria solidão e frustração e planeja logo, logo, voltar a ser. Se isso acontecer seu amor não soube amar e, infelizmente, nunca saberá. Você seria amiga dele?

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