sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Away from life

Costumo falar sobre bordar e refiro-me ao mais fino bordado feito com esmero sobre tecido nobre, minúsculos e perfeitos pontos coloridos em alto relevo que enchem os olhos, deixam a alma mais leve. Bordados parecidos com os feitos no século retrasado pelas rainhas e princesas, iguais aos que minha mãe desde moça fazia. Muito caprichados. Belíssimos ornamentos surgidos da união de vários fios e criados por mãos especiais. Penélope e suas teias. Bordar parece coisa de mulher e não vai aí qualquer preconceito ou sexismo, mas tem que ser mulher – e não é toda a mulher que conhece esta arte tão especial - para suavemente bordar partes, aparar fios, unir interesses e aliviar tensões. Falo em bordado no trabalho ao referir-me ao melhor conserto do estrago criado por melindres desnecessários, confusões alimentadas, egoísmos, inseguranças e atitudes irascíveis dos que não aprenderam a bordar. Para bordar é necessário sabedoria ao conjugar os verbos abnegar e doar, há que se ter o dom: Entregar-se para realizar o melhor.
Alguns livros, quadros, filmes parecem bordados. Seguem longe do comum e abordam temas difíceis com delicadeza única.
Assisti a três filmes com a canadense Sarah Polley e confesso que no início não gostei de suas personagens. Fui tão tola. No ‘The secret life of words’ (2005), que achei meio parado pesado, deixei de perceber a sutileza da atriz ao contracenar com Tim Robbins; e no ‘My life without me’ (2003) fiquei mais impressionada com o câncer terminal da jovem mãe de duas pirralhas e com a única paixão surgida em tempo tão inadequado, ou, por outra, no tempo mais oportuno e exato. Nesses dois filmes Sarah impõe sua própria cadência. O terceiro filme, ‘The adventures of Baron Munchausen’ (1988), é encantado. O que eu não sabia quando apreciei o fino bordado ‘Away from her’ (2007), é que a direção e a adaptação
do roteiro são de Sarah Polley.
Eu fiquei impressionada com a beleza de Julie Christie – mais bonita agora, como Fiona, do que como a jovem Lara de Dr. Givago – com o amor dedicado e abnegado de Gordon Pinsent (Grant) e com a vivacidade e a resiliência de Olympia Dukakis (Marian). Os três bordados pelas mãos de Sarah.
Conheço algumas pessoas que se casaram, ou, resolveram morar juntas, por conta do medo da velhice, da doença e por não saberem lidar com a frase “quem vai cuidar de mim?”. Céus! Tudo é tão imprevisível, tão fora do controle.
Eu nunca vi um casal tão completo, feliz e amoroso como Fiona e Grant.
Um vivia para e pelo outro. Na feliz velhice, foram surpreendidos pelo Alzheimer que levou Fiona a uma clínica e lhe tirou a memória. Enquanto Grant, na nova condição de amigo desconhecido, tentava ajudar Fiona a se lembrar do passado, ele também observava sua mulher afeiçoar-se por outro interno enfermo chamado Aubrey. Prova duríssima.
Marian é a mulher de Aubrey e entra na trama quando Grant a procura para pedir-lhe que tire seu marido da clínica, para afastá-lo de Fiona. Por sua vez, Marian chama Grant para vida, mas parece que ele não consegue deixar a mulher que não mais o reconhece, e acredita amar outro homem. A sensibilidade de cada um pode auxiliar na descoberta do final deste filme. Foi também para tentar entender melhor clínicas e asilos, que Sarah Polley realizou esta bela obra. Acredito que concluímos a mesma resposta.
Partimos do amor nos tempos do cólera para o amor nos tempos do Alzheimer.

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