domingo, 18 de janeiro de 2009

Clarice Lispector

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível ser sentido.
Eu não quero a verdade inventada.

Gosto muito de Clarice Lispector e identifico pedaços meus em sua escrita. Algumas mulheres escrevem com o ventre e as palavras paridas, tal qual filhos, se agrupam em generosa comunhão.
Clarice, Lygia, Lya, Adélia, Cecília, Cora e Ana fazem parte desse grupo privilegiado de escritoras, que trazem à tona a essência de todas nós.
Em setembro do ano passado fui ao Rio de Janeiro, almocei com querida amiga e à tarde tive reunião com cliente no Centro Cultural dos Correios. Antes da reunião, no tempo de espera, resolvi matar saudade do Centro Cultural do Banco do Brasil, um dos meus lugares naquela cidade, e fiquei muito feliz ao encontrar a exposição A hora da estrela, que homenageou Clarice no trigésimo ano de sua morte. Essa mesma exposição, com design de Daniela Thomas e Felipe Tassara, antes da temporada carioca esteve no Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, mas eu não pude apreciá-la e a considerava perdida.
Fiquei fascinada. Curti Clarice, me emocionei com os trechos expostos de sua obra, observei suas belas fotografias e entendi que certas sentenças são espelho que refletem nossa própria imagem. Com reverência abri as gavetas, do que parecia uma imensa cômoda, e encontrei manuscritos, documentos originais, notas e cartas da escritora, que foram disponibilizados pela Fundação Casa de Rui Barbosa e são destinados apenas aos pesquisadores. Aprendi mais com a cronologia dessa sagitariana densa e às vezes misteriosa, tão forte quanto frágil, dual, plena.
Outro dia li entrevista de Lygia Fagundes Teles, que comprovou seu bom humor inteligente e sua leveza de viver. As duas, Lygia e Clarice, estudaram Direito, seguiram suas convicções e desafiaram padrões. Foi Clarice quem aconselhou Lygia a não sorrir nas fotografias, para que as pessoas a considerassem uma escritora competente.


Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever.

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Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a linha abordagem do português fosse virgem e límpida.

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Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio. Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.


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Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de... de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse "estilo" (!), já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em "humildade" refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.

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Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade. Simplesmente não há palavras.
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.
Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora. Simplesmente as palavras do homem.

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