domingo, 31 de maio de 2009

Dizendo adeus

Estou sempre dando adeus:
também ao desencontro e ao
desencanto.

Estou sempre me despedindo
do ponto de partida que me lança de si,
do porto de chegada que nunca é
aqui.

Estou sempre dizendo adeus:
até a Deus,
para o reencontrar em outra esquina
de adeuses.

Estarei sempre de partida,
até o momento de sermos deuses:
até quando me fizeres dar adeus à solidão
e à sombra.

Lya Luft

Imagem obra de Picasso

Ler

Li muitos livros, li a vida inteira, excetuando os momentos mais puxados, que temporariamente impediram a minha concentração, que não permitiram a contemplação do conteúdo das páginas de algum livro pela minha mente, pela minha alma.
Às vezes, a carga é excessiva e para tentar suporta-la nos voltamos para nosso interior e a quietude é plena.
Tive minha fases autodenominadas literárias, nas quais mergulhei no mundo de um único autor e dele assimilei algo que se aproxima da essência. Principalmente, tive pais maravilhosos que liam e me ensinaram o amor, o respeito aos livros e me mostraram o caminho dos clássicos e dos melhores autores contemporâneos.
Apesar desses privilégios li pouco porque há tanto a ser lido.
Li escritores sul-americanos e me encantei, por exemplo, com Garcia Marques, com Borges, mas não li Cortázar. Hoje, receberei Jogo da amarelinha (Rayuela) e serei apresentada à Cortázar.
Nada li apesar de ler a vida inteira, excetuando certos momentos.

Imagem obra de Picasso

sábado, 30 de maio de 2009

Uma aquarela gaivotas sitiam a bela


Poema de Paulo Leminski e Hai-Kai de Millôr Fernandes

Mais livros

Estar centrada e serena. Procurar entender a ação para que a reação não seja injusta. Às vezes a vida requer que sejamos elásticos, que ultrapassemos limites, que deixemos a sensatez de lado, que esqueçamos o bom senso, que desconheçamos o necessário para nossa saúde. Pegue um fato e amplie todas as possibilidades. Aprenda o que é, como surgiu, por que surgiu, o que havia antes, quais os efeitos do que havia antes. Aprenda as alternativas. Aprenda as causas e os efeitos: diretos, colaterais, comuns, possíveis, incomuns e raros. Aprenda as consequências, as inconsequências, o que está claro, o que está obscuro, o que está escondido, por que está escondido. Aprenda como funciona a parte regulamentar, a irregular, amplie sua visão para o mundo. Pesquise, pesquise mais, sem parar. Em cada pesquisa encontre novas informações que levam a novas informações, que demandam mais pesquisa para que você consiga entender o todo e não apenas a parte comum, que não confere qualquer qualidade ao que você faz, tampouco demanda empenho. Faça um curso rápido de medicina e biomedicina para entender mais e complete sua viagem com um grande mergulho no fascinante mundo do direito. Pesquise as notícias veiculadas na mídia de 2002 até agora. Assimile todas essas informações e desenvolva seu entendimento sobre a questão fundamental. Desconsidere suas emoções e experiências E, principalmente, entenda tudo o que você pesquisou para que você consiga escrever de forma clara e para que todos os não médicos, não biomédicos, não advogados, compreendam. Quanto tempo para tudo isso? Ninguém em sã consciência pode determinar.
Acordei uma hora depois da que comumente acordo. Desacelerei o passo, curti o café da manhã, fiz carinho no cão, li o jornal com calma, tomei banho demorado. Menos de quatro horas de sono não são suficientes para que o corpo descanse, para que a mente descanse. Voltei logo depois do almoço e lá fiquei até às oito horas da manhã seguinte. Plantão de letras e ideias. Meu filho me trouxe um lanche às dez da noite. Durante a madrugada o barulho do ar condicionado me fez lembrar os longos vôos das viagens feitas. Era assim, do mesmo jeito, durante as doze horas de vôo eu lia e ouvia música. Comecei com Callas e parei bem depois. A cada hora meu filho ligava - ele também não dormiu. O cão ficou no meu quarto a me esperar. Ao sair fui direto ao consultório da minha médica. Foi na sala de espera que o cansaço chegou inteiro e eu comecei a cochilar. Conversar com minha médica foi a melhor coisa do dia. Sair do consultório da minha endócrina com três livros de Karen Horney emprestados não tem preço. É carinho puro. Fui à padaria preferida e segui à risca a determinação da doutora xará: Coma alguma coisa antes de dormir para que você não tenha uma crise glicemia. Suco de melancia, um sanduíche e chocolate quente. Sobre a minha cama encontrei uma garrafa de água mineral que meu filho havia deixado para mim, outro carinho. Sobre o criado mudo dele, deixei um croissant quente com catupiry e dois cookies fresquíssimos, mais carinho. Acordei três horas depois. Banho demorado, o conselho do filho para consumir carboidrato e voltei ao ar condicionado. Saí às 8 horas da noite, quando meu filho foi me buscar. Na insensatez sentir-se capaz.

Imagem obra de Gustav Klimt

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Silogismo

trêsemeiadamanhã a hora que concluí a tarefa e voltei para casa
após assistir o jogo de futebol, meu filho foi até onde eu estava
ficou comigo até às trêsemeiadamanhã
darei folga ao despertador e acordarei no horário que o meu organismo determinar
meu organismo está acostumado a acordar todo dia no mesmo horário

terça-feira, 26 de maio de 2009

Ryuichi Tamura

1.

The world with no words is a sphere in bright daylight
I am an upright man

The world with no words is the world of poetry at noon.
I cannot stay horizontal

2.

I must use words to find the world with no words
I must find a sphere in bright daylight, poetry at noon
I am an upright man
I cannot stay horizontal

3.

In the bright daylight of June
the sun was above my head
I was among a huge herd of rocks
then
the rocks were corpses
An active volcano
had erupted
to spread energy
to spew lava,
that died

Why at this time
is every shape a corpse of energy?
Why at this moment
is every color and rhythm a corpse of energy?
A bird,
a large eagle, for example,
watches, but does not judge
as he slowly circles above us
Why at this time
does he merely observe every shape of energy?
Why at this time
would he not try to judge
every color and rhythm?
Rocks are corpses
I drink milk and
gnaw away at bread like a grenadier

4.

Oh
the morphology of extinct energy
white-hot flow that has denied itself fluidity
images of flames that have completely cooled
having not been formed by love and fear

5.

A bird’s eyes are evil itself
He watches, but does not judge
A bird’s tongue is evil itself
He swallows, but does not judge

6

Look, the sharply cleft tongue of a mountain
crow
Look, a great spotted woodpecker’s tongue like
a heathen god’s spear
Look, a mountain snipe’s tongue like an
engraver’s chisel
Look, a tiger thrush’s tongue, a pliable deadly
weapon

He watches, but does not judge
He swallows, but does not judge

7

I walk
down a path cold as Pluto
I go down the path 13 kilometers to a shack
along the lava flow
along the path of death and procreation
along the path of an ebb tide more gigantic than
I have ever seen

I am a grenadier
Or
I am a ship-wrecked sailor
Or
I am a bird’s eye
I am an owl’s tongue

8.

I watch with my blind eyes
I fall, with my blind eyes open
I hang out my tongue and destroy tree bark
I hang out my tongue, but not to caress love or
justice
Thorns grow on my tongue like harpoons. They
are not for easing fear and hunger

9.

The way of death and procreation is
the way of small animals and insects
It is a way with no criticism or anti-criticism
with no meaning of meanings
with no criticism of criticisms
with no swarm of honey bees noisily buzzing
away
with no needles, in thousands and tens of
thousands, lying in ambush
It is a way with no vain constructions or petty
hopes
It is a way where there’s absolutely no use for
metaphors, symbols, or imagination
What it has are destruction and procreation
What it has are re-creation and fragmentation
What it has are fragments and fragments inside
fragments
What it has are broken pieces and broken pieces
inside broken pieces
What it has is a gigantic pattern inside a pattern
It is the way of similes in cold June
Air sacs branch out of vermillion lungs
Allowing its air sacs as cold as ice to infuse air
to the marrow of its bones
a bird flies
A bird flies inside a bird.

10.

The bird’s eyes are evil itself
The bird’s tongue is evil itself
He destroys, but does not build
He re-creates, but does not create
He is a fragment, a fragment inside a fragment
He has an air sac, but he does not have a hollow
heart
His eyes and his tongue are evil itself, but he is
not evil
Burn, Bird
Burn, Bird, all Birds
Burn, Bird, small animals, every small animal
Burn, death and procreation
Burn, way of death and procreation
Burn

11.

The June thoroughly chilled, like Pluto
The way as utterly cold as Pluto
I run down
the way of death and procreation
I am adrift
I fly

I am a grenadier
I am also a brave enemy
I am a shipwrecked sailor
But I am an ebbing tide
I am a bird
I am also a blind hunter
I am a hunter
I am an enemy
I am a brave enemy

12

I will get
to the shack by sundown
Short scrawny shrubs will turn into a huge
forest
and the flowing lava, the sun and the ebbing tide
will be stopped by my tiny dream
I will drink a glass of bitter water
as if it were poison, I will drink it slowly
I will close my eyes, and open them again
I will cut whiskey with water

13

I will not go back to the shack
I could not cut words with meanings
as one cuts whiskey with water

Abobrinhas e azeitonas


Os grãos, feijão, lentinha, grão de bico, ervilha, precisam ficar vinte e quatro horas de molho em água fresca para serem reidratados. Troque a água ao menos uma vez. Não é a água na qual os grãos ficam de molho que pode ser reaproveitada, mas a água na qual os legumes são fervidos; se bem que é muito melhor cozinhá-los no vapor. O couve, com sua forte cor verde escura, pode ser rapidamente refogado em manteiga ou azeite. Por que não, um pouco de azeite e manteiga?
Os galhinhos de manjericão fresco não devem ser guardados na geladeira, mas postos em vasinhos com água, que deve ser trocada diariamente. Se puder, evite que as folhas de manjericão entrem em contato com a água. Os galhinhos de hortelã e de alecrim podem ser guardados na geladeira, dentro de um recipiente plástico. Folhas de louro fora da geladeira e da água.
Sal marinho (flor de sal) é melhor do que o sal refinado. Dê preferência ao leite de cabra. Não dispense o tomate fresco que é rico em licopeno, além de vitaminas e sais minerais. Melancia, beterraba e pimentão também tem licopeno, que é um antioxidante de primeira. Suco de melancia é gostoso e ajuda a emagrecer.
Cebola e alho na medida certa, caso contrário, todos os alimentos ficarão com o mesmo gosto. Cebola e alho refogados com antecedência e guardados na geladeira? Prefiro que sejam refogados na hora, frescos. Como evitar que as mãozinhas fiquem impregnadas pelo cheiro do alho? Use o pedaço de inox com íons ativados, que tira qualquer cheiro forte das mãos. Não, queridinha, não adianta esfregar suas mãos no fundo reforçado das panelas de aço inox.
Azeite é assunto que merece destaque: Dê preferência ao azeite extra virgem de boa origem e qualidade. O azeite virgem tem até 2% de ácido oléico e o extra virgem tem no máximo 0,8% de ácido oléico em sua composição. Logo, quanto menor a acidez, melhor o azeite. Todos sabem que o azeite é benéfico ao nosso organismo, tanto que durante a segunda grande guerra, muitos gregos sobreviveram graças à pequena quantidade de azeite de oliva que ingeriram por dia. Por sinal, a mitologia grega explica o surgimento da oliveira e do óleo de oliva (eliólado): Durante uma disputa havida entre os deuses mitológicos gregos, Pallas Athena trouxe um ramo de oliveira, a árvore da sabedoria e da fertilidade, para que dele produzissem óleo para suavizar a dor dos feridos, para manter acesas as chamas que iluminavam a noite e para servir de precioso alimento, pleno de energia. Em todo o mundo os gregos são os que mais consomem o azeite de oliva. Eu prefiro os azeites gregos, principalmente, os provenientes da região de Kalamata e os cretenses.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Livros

Hora do almoço e a serenidade da própria companhia, dia que era de escolher um livro e ir ao correio para mandá-lo ao Rio de Janeiro, antes do aniversário de um bom amigo.
Fui à livraria Cultura e pedi ao vendedor conhecido algum livro de poesias de Mario Benedetti (o mundo precisa de muito mais poesia). O vendedor educado fingiu não ter ouvido a palavra poesias, levou-me até a estante dos escritores latinos e procurava algum livro de contos, algum romance de Mario Benedetti quando eu repeti: poesias e lembrei-lhe que aquela não era a estante dos poetas. Mas não existem poemas de Mario Benedetti! Não? Ora, para espanto do vendedor recitei três versos de tática e estratégia e sugeri que consultasse o sistema da livraria, por que era impossível que a Cultura não tivesse algum livro de poesias de Mario Benedetti. Não tinha. Ou melhor, lá estavam relacionados os livros de poesias esgotados de Mario Benedetti (e não é que ele também escrevia poesias, reconheceu o vendedor, seu espanto compartilhado com a vendedora ao lado, que lembrou a recente morte do talentoso escritor uruguaio). E agora? Cismei que mandaria de presente um livro de poesias de Benedetti e me vi sem opção no meio de centenas de livros que ocupam aquele espaço gigante. A dança do troca-troca das editoras faz com que algumas obras se percam ou fiquem precocemente esgotadas. Pois aquele foi o exato momento para o vendedor indicar-me as melhores dicas e lá fomos até a terceira estante do dia, acompanhados por outra vendedora, que interessada ouvia a conversa, e encontramos os melhores escritos de Ítalo Calvino, com a devida correção de que não eram escritos por Ítalo Calvino, mas indicados por ele, até chegarmos aos melhores escritos de Guy de Maupassant reunidos em um único volume, o preço bem interessante.
Com o livro para presente nas mãos percorreri as demais estantes para curtir os lançamentos e as obras desconhecidas, enquanto pensava no peso daquele livro, na segurança de seu envio ao Rio pelo correio, na eventual necessidade de recorrer a alguma empresa de courrier e no tempo que adicional que isso levaria. Se meu amigo não gostar de Maupassant? Bem, ele também poderia não gostar de Benedetti e as dúvidas começaram a surgir nesta cabecinha avoada (hum, mas que homem elegante esse ao lado - atualmente é tão difícil encontrar homens verdadeiramente elegantes) quando me lembrei do horário e resolvida saí da livraria, fui à agência do correio e preenchi os espaços da caixa de sedex.

Imagem de Cristiano Mascaro

domingo, 24 de maio de 2009

Auto-retrato

Alguém diz que sou bondosa:
está tão enganado que dá pena.
Alguém diz que sou severa,
e acho graça.
Não sou áspera nem amena:
estou na vida como o jardineiro
se entrega em cada rosa:
corte, sangue, dor e aroma,
para que a beleza fique na memória
quando a flor passa.

(Amar é lidar com os espinhos
de quem ama por inteiro:
com força, não com fraqueza)

Lya Luft

Semântica

Não se enganem comigo:
se digo sul pode ser norte,
chego mas fico ausente,
o triste é também belo,
procuro o que não se perde
nem se pode encontrar.

Buscar respostas nos livros
é esconder-se entre linhas.
Não creio no que se enxerga,
mas nisso que se dirfarça
por mais que se tente olhar:
assim me tem seduzida.

Eis o jogo que eu persigo,
meu jeito de ser feliz,
o desafio que me embala:
sempre que escrevo "morte"
estou falando de vida.

Eugênio de Andrade

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

* * *

Eram a delicadeza, a graça.
Mas também a fúria
da gataria ardendo nos telhados.

São jovens e dançam – formosos
como as dunas, os trigos, os cavalos.

* * *

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
de um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados,
e olhos de ouro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

* * *

Corpo num horizonte de água,
corpo aberto
à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido
pelo fulgor das maçãs,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente umedecido
pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa
de secreto jardim,
corpo onde entro em casa,
corpo onde me deito
para sugar o silêncio,
ouvir
o rumo das espigas,
respirar
a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.

sábado, 23 de maio de 2009

Algumas artes

Praticidade. Quem tem tempo a perder no corre-corre que vivemos? Temos horário para tudo, mil afazeres existentes e outros mil que surgirão ao longo do dia. Temos horário para entrar, mas não temos horário para sair do trabalho. O período do almoço curtinho, às vezes, atropelado pela fila no caixa eletrônico do banco, ou pelas calçadas apinhadas de pessoas que saem de seus escritórios ao mesmo tempo. Nesta semana almocei com meu filho e combinamos de nos encontrar no restaurante, que fica há duas quadras da Paulista. Para atravessar a avenida e percorrer quatro quadras eu levei dez minutos. Tempo demais. Por sorte deliciosos calamares fritos e quentinhos me aguardavam. Por isso é bom almoçar com quem nos conhece: Ao chegar encontramos exatamente o que queremos, pronto para ser saboreado. Sem contar a boa conversa, a leveza que surge com a troca do ambiente e os comentários animados que fazemos sobre tudo que está ao nosso redor. Mas é inevitável lembrar do relógio, mastigar rapidinho a salada, o filé de pescada com purê, dispensar a sobremesa e seguir o caminho de volta em menos tempo, não sem antes deixar um beijo carinhoso e estalado na bochecha desse garoto-homem que cresceu tão rápido.
Por ser prático todos os dias prendo meu cabelo e mantenho uma relação bem simples com esses fios com vontade própria que adornam minha cabeça. Não os maltrato com escovas, secadores, chapas quentes, nem com a infinidade de cremes e químicas existentes para serem usadas antes do xampu, depois do xampu, depois do enxágue, depois de penteados. Lavo-os de manhã, duas vezes por semana, retiro o excesso de água, deixo que sequem e os prendo em coque. Sem frescuras, sem perda de tempo. Agora, no outono, permito que o secador faça a festa durante três minutos, não mais. Assim evito o resfriado certo pela exposição durante horas ao ar condicionado.
Foi numa manhã dessas, que resolvi deixar o cabelo solto. Fiquei impressionada com o comprimento e o jeito do meu cabelo. Aqueles fios retos, compridos e volumosos não deixaram a minha cabeça do jeito que sou. Não, aquela cabeça, com aquele cabelo, não era a minha. Quis quebrar a seriedade do cabelão reto e comprido com um lenço colorido, mas desisti ao perceber que a dúvida na escolha do lenço tomaria tempo precioso. Usei a tiara mais larga que encontrei, saí correndo e senti que o cabelo estava feliz com a liberdade experimentada. Há muito tempo o cabelo feminino adquiriu simbolismo distinto, antes mesmo de Ovídio, que no século primeiro escreveu: É a singela elegância que nos agrada. Que seu cabelo não seja despenteado. As mãos aumentam a beleza ou a retiram. Há muitas maneiras de arranjá-lo; uma mulher deve escolher aquela que lhe assenta melhor, e, antes de tudo, consultar seu espelho. Um rosto comprido pede cabelos separados sobre a fronte e sem nenhum enfeite: era assim o penteado de Laodâmia. Levantá-los num pequeno coque acima da fronte, de maneira a destacar as orelhas, eis o que pede um rosto redondo. Aquela jovem deixará seus cabelos balançarem sobre seus ombros, como você, Febo harmonioso, quando sua mão segura a tiara. Uma outra os amarrará para trás, como fazia normalmente Artemisa quando, com a túnica curta levantada, perseguia a caça assustada. Cabelos armados e soltos ficam bem numa, outra os prenderá com presilhas e alças. Falta àquela o enfeite de um pente de Cilene; esta aqui quer ondulações semelhantes às ondas do mar. Mas não podemos contar os frutos do frondoso carvalho, as abelhas da Hibla, os animais de caça dos Alpes, assim como eu não posso dizer o número certo dos tipos de penteados. Cada dia aparece um novo arranjo. Um penteado negligente é tão comum que poderíamos acreditar que o penteado da véspera acaba de ser refeito. A arte apenas imita a fortuna. Assim, na cidade tomada de assalto, Iole se ofereceu aos olhares de Héracles, que disse logo: “É ela quem amo.” Assim também aconteceu com você filha de Gnosso, abandonada quando Dionísio a levou em seu carro, aos gritos de “Evoé” pelos Sátiros. Quanto a natureza é caridosa com seus encantos, pois oferece mil maneiras de corrigir os defeitos. Nós somos impiedosamente depenados e nossos cabelos levados pelos anos, caem como as folhas da árvore que Aquilão sacode. A mulher tinge seus cabelos brancos com ervas de Germânia e lhes confere artificialmente uma tonalidade mais conveniente que a cor natural. A mulher caminha enfeitada com uma espessa cabeleira que ela comprou, e, à preço de ouro, os cabelos de outra se tornam seus. Ela não se acanha de comprá-los abertamente: são vendidos sob as vistas de Heracles e do coro das Musas.
Pensei em Ovídio e suas ideias sobre o amor, seu louvor as mulheres, o prazer verdadeiro que leva serenidade ao coração e se transforma em ternura contínua e segura. O prazer praticado com constância e respeito. Não me parece um libertino, ao contrário, mas um homem gentil, de sentimento e em paz, que aprendeu os mistérios das ilhas gregas e fez deles a base de sua obra. Não discordo dele ao acreditar que o único mal proibido seria o dano, o constrangimento causado ao outro.
Lembrei-me de uma das músicas cantadas pelo meu pai sobre os cabelos naturais, encantadoramente negligentes “asta ta maláquiassu anakatemena...” Neste sábado, acordei no horário que meu organismo quis, fiz carinho e dei um beijo no filho, marquei horário para o banho do cão e lhe fiz mais carinho, liguei e marquei hora para cortar meu cabelo e fui a pé ao laboratório me submeter à lista imensa de exames, que deveriam ter sido feitos no mês passado. Ah, sim, num risco leviano e talvez calculado quebrei a rotina mensal e tão necessária de exames, porque estava cansada, porque às vezes é necessário respirar mais livremente, porque às vezes é necessário esquecer e transportar-se para outro mundo. Foi com alegria e ânimo renovado que cheguei ao laboratório, que vi os frasquinhos com tampas multicoloridas, que ofereci os dois braços para que a atendente encontrasse a melhor veia. Foi com leveza que esperei na fila dos dois banheiros para o xixi amigo e me enchi de ternura ao observar a filha que acompanhava os pais idosos: a mãe tão velhinha na cadeira de rodas e o pai com o andar inseguro, os olhinhos azuis amedrontados e tão comuns da velhice enferma, e o imenso amor que havia entre os três. Não deve ser fácil a vida daquela filha, e espero que ela aprenda a dedicar todo aquele cuidado em seu favor, e não sinta que o mundo ficou vazio, quando seus pais estiverem no céu a zelar por ela.
Na volta do laboratório encontrei meu filho e o cão na padaria predileta para um café da manhã reforçado. Depois, o cão com banho tomado, a mãe com as unhas cuidadas e o cabelo cortado, do jeito dela, com a cabeça dela, que lhe foi devolvida com as mechas naturais, livres e encantadoramente desalinhadas, iguais aos meus pensamentos.

Imagem de German Lorca

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Herberto Helder

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
na cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jatos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mão
se na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Galochas

Não é uma burberry estilosa e cara, que protege os pezinhos - lindinhos ou não - das moçoilas, pelo mundo a fora, contra barro, chuva e umidade, mas é uma galocha, um par de galochas de respeito, que protege os meus pezinhos contra barro, chuva, umidade e, felicidade das felicidades, não é compartilhado, tampouco exige que meus dedinhos, lindinhos, sofram dobrados por conta da numeração errada e compatível com anãs. E por lidar com galochas, eu, que nunca tive um par antes - imagine se minha mãe admitiria que a filha dela usasse galochas - não poderia permanecer na normalidade, nem escolher a estampa mais séria (se é que alguma daquelas estampas poderia ser considerada séria), mas brincar com a coisa toda e imaginar a cor que melhor se adaptaria ao meu estado de espírito atual.
Lembrança do tempo que ousei com vários pijamas de flanela xadrez, super confortáveis e aconchegantes, com as combinações de cores mais inusitadas, que deixaram meu filho e mãe sem palavras. Desconsiderado qualquer engodo ou engano, de verdade, o nome deste par de galocha é liberdade. Esta sou eu, a garota que brinca e adora uma boa folia.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Apelidinhos amorosos



Bebê, amorzinho, moreco, linda, flor... Parece que os apelidos auxiliam a evitar confusão.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Mario Benedetti

Quando o não-ser fica em suspense
abre-se a vida esse parêntese
com um gemido universal de fome

somos famintos desde o vamos
e o seremos até o vamo-nos
depois de muito descobrir
e brevemente amar e acostumar-nos
à falida eternidade

a vida se encerra em vida
a vida esse parêntese
também se fecha incorre
em um gemido universal
o último

e então somente então
o não-ser segue para sempre

* * *

Lento mas vem
o futuro se aproxima
devagar
mas vem

hoje está mais além
das nuvens que escolhe
e mais além do trovão
e da terra firme

demorando-se vem
qual flor desconfiada
que vigila ao sol
sem perguntar-lhe nada

iluminando vem
as últimas janelas
lento mas vem
o futuro se aproxima
devagar
mas vem

já se vai aproximando
nunca tem pressa
vem com projetos
e sacos de sementes

com anjos maltratados
e fiéis andorinhas
devagar mas vem
sem fazer muito ruído
cuidando sobretudo
os sonhos proibidos

as recordações dormidas
e as recém-nascidas
lento mas vem
o futuro se aproxima
devagar
mas vem

já quase está chegando
com sua melhor notícia
com punhos com olheiras
com noites e com dias
com uma estrela pobre
sem nome ainda

lento mas vem
o futuro real
o mesmo que inventamos
nos mesmos e o acaso

cada vez mais nós mesmos
e menos o acaso
lento mas vem
o futuro se aproxima
devagar
mas vem

lento mas vem
lento mas vem
lento mas vem

* * *

É meu lugar
meu céu
meu travesseiro
meus insultos

sou quem sou porque os outros são
há uma história em cada amanhecer
e em cada transparência do crepúsculo

estive doze anos sem virar esta página
esperando sua letra suas estampas
imaginando coisas que não diz
mas que eram igualmente certas

sem virar esta página
ninguém pode ser alguém

pode somar paisagens
espigões torrentes
multidões fronteiras
pode colecionar amores e sabores
aplausos e vaias
manjares e esmolas

os rumos os atalhos
as diferenças as indiferenças
a solidariedade e o exorcismo
as ofertas saborosas os escândalos

os dedos que assinalam e os braços abertos
as decepções e as recompensas
as recusas e as convocatórias

e no entanto é verdade
sem virar esta página,
ninguém pode ser alguém.

* * *

As vezes me sinto
como uma águia no ar
(de uma canção de Pablo Milanês)
outras vezes me sinto
como pobre colina
e outras como montanha
de picos repetidos
Algumas vezes me sinto
como um escarpado
e em outras como um céu
azul mais longe
as vezes sou
manancial entre pedras
e outras vezes uma árvore
com as últimas folhas
mas hoje me sinto apenas
como lagoa insone
como um porto
já sem embarcações
uma lagoa verde
imóvel e paciente
conformada com suas algas
seus musgos e seus peixes
sereno em minha confiança
acreditando que em uma tarde
te aproximes e te olhes
te olhes ao olhar-me.


* * *

Agora tenho data
as perguntas e dúvidas convocadas
são formas de nascer no nascido

tenho ficado em suspense
espero tudo e já não espero nada

sei que não sou o mesmo
e quando enfim se abra a muralha
a primeira lembrança entrará lentamente
com cuidado infinito e com uma bengala branca

* * *

Jesus e eu respeitadas as distâncias
somos dois habitantes do exílio
e o somos por cautelosos por ingênuos

algo se quebrou na metade do verbo
e assim carregamos esta pena
restaurando vitrais e lembranças

não temos altares nem perdões
Jesus e eu de povo memoriosos
às vezes compartilhamos o exílio

compartilhamos os pães e desertos
e as cumplicidades e os judas
e o camelo e o buraco da agulha
e os sãotomases e a espada
e até os mercadores e a fúria

não é eco nem abstração
é uma história apenas

ele veterano eu inexperiente
chegamos emigrantes ao futuro
descalços e sem norte e surpresos

eu! obscuro e fraturado! sem minha terra
ele! pobre desde sempre! sem seu céu

Mario Benedetti chamava Montevidéu de cidade de todos os ventos. Acima de tudo, um poeta hábil e bondoso, fiel as suas ideias: "As causas nas quais creio me dão impulso, e por defendê-las durmo tranquilo. Não me sinto derrotado em minhas crenças ideológicas e vou continuar lutando por todas elas. Sem êxito, já sei." Morreu domingo passado, 17 de maio. No dia 14 de setembro completaria oitenta e nove anos. Li que Mario começou a partir em abril de 2006, com a morte de Luz Lópes, sua mulher durante sessenta anos. Parece que a vida não tinha mais a mesma graça. Mario Orlando Hamlet Hardy Brenno Benedetti.

domingo, 17 de maio de 2009

Nós desfeitos

Poeta suave

Companheira
você sabe
que pode contar
comigo
não até dois
ou até dez
mas sim contar
comigo

se alguma vez
percebes
que lhe olho nos olhos
e uma ausência de amor
reconhece nos meus
não empunhe seus fuzis
nem pense que deliro
apesar da ausência
ou talvez porque exista
você pode contar
comigo

se outras vezes
me encontra
emburrado sem motivo
não pense que fraquejo
igual pode contar
comigo

mas façamos um trato
eu quisera contar
contigo
é tão lindo
saber que você existe
a gente se sente vivo
e quando digo isto
quero dizer contar
ainda que seja até dois
ainda que seja até cinco
não já para que acudas
apressada em meu auxílio
mas para saber
a ciência certa
que você sabe que pode
contar comigo.


* * *

Podes querer o alvorecer
quando queiras
conservei intacta
tua paisagem
podes querer o alvorecer
quando ames
vir a reclamar-te
como eras
ainda que já não sejas vós
ainda que meu amor te espere
queimando-te em teu azar
e teu sonho seja isso
e muito mais
esta noite outra noite
aqui estarás
e quando gemer o tempo
giratório
nesta paz agora
dirás
quero esta paz
agora podes
vir a reclamar
penetrar em tua noite
de alegre angústia
reconhecer teu tíbio
coração sem desculpas
os quadros
as paredes
saber-te aqui
hei conservado intacto
tua paisagem
mas não sei até aonde
está intacto sem vós
podes querer o amanhecer
quando queiras
vir a reclamar-te
como eras
ainda que o passado seja
sem piedade
e hostil
ainda que contigo tragas
dor e outros milagres
ainda que sejas outro rosto
de teu céu para mim


* * *

Minha tática é
olhar-te
aprender como és
querer-te como és

minha tática é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível

minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
mas ficar-me em vós

minha tática é
ser franco
e saber que és franca
e que não nos vendamos
simulacros
para que entre os dois

não haja cortina
nem abismos

minha estratégia é
por outro lado
mais profunda e mais
simples
minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites

* * *

Tuas mãos são minhas carícias
meus acordes cotidianos
te quero porque tuas mãos
trabalham pela justiça
se te quero é porque sois
meu amor meu cúmplice e tudo
e na rua ombro a ombro
somos muito mais que dois
teus olhos são meu esconjuro
contra um dia ruim
te quero por teu olhar
que olha e semeia o futuro
tua boca que é tua é minha
tua boca não se equivoca
te quero porque tua boca
sabe gritar rebeldia
se te quero é porque sois
meu amor meu cúmplice e tudo
e na rua ombro a ombro
somos muito mais que dois
e por teu rosto sincero
e teu passo vagabundo
e teu choro pelo mundo
porque sois povo te quero
e porque amor não é auréola
nem cândida moralista
e porque somos casal
que sabe que não está só
te quero em meu paraíso
e dizer que no meu país
a gente vive feliz
ainda que não tenha permissão
se te quero é porque sois
meu amor meu cúmplice e tudo
e na rua ombro a ombro
somos muito mais que dois

sábado, 16 de maio de 2009

Fé e proteção. Entregar-se.

Eu sei o que preciso fazer agora: Dar um jeito e levar o cão para andar. Voltar para casa, acarinhar o cão e deixar alguns ossinhos e biscoitos sobre seu edredom - este cão sabe quando não estou bem e não sai do meu lado - para que ele não fique triste. Descer novamente, pegar um táxi no ponto, na esquina em frente, e ir ao pronto-socorro.
Eu sei que no pronto-socorro, do jeito que estou, eu não conseguirei prestar atenção ao que farão e isso é o que mais me assusta. Mas eu também sei que preciso descobrir o que tenho, acabar com esta dor de cabeça insuportável e com este mal estar, que ainda persiste no terceiro dia. Eu sei.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Perhappiness


Poema de Paulo Leminski. Imagem de recanto encanto refúgio no centro oeste

quinta-feira, 14 de maio de 2009

The sixties

Dois filmes encantadores e divertidos? Irma la Douce (1963) do genial Billy Wilder e Can can (1960) de Walter Lange (Moon over Miami de 1941, Mother wore tights de 1947, When my baby smiles at me de 1948, There’s no business like show business de 1954 e The king and I de 1956)
Em sua longa e brilhante carreira Billy Wilder dirigiu filmes memoráveis, dentre eles: Double indemnity (1944), Sunset Boulevard (1950), Sabrina (1954), The seven year itch (1955), Some like it hot (1959), The apartment (1960), The private life of Sherlock Holmes (1973).

Irma la Douce, baseado na peça musical de Alexandre Breffort, foi readaptado por Wilder, que privilegiou os diálogos rápidos e inteligentes e excluiu as músicas originais. Assim, a dupla Irma la douce (Shirley MacLaine) e Nestor Patou ou Lord X (Jack Lemmon) mantém a magia do filme. Para aumentar a diversão acrescente a personagem Moustache (Lou Jacobi), o bartender mais polivalente do planeta.
Dizem que devido ao enredo - policial honesto que se apaixona por prostituta - a filmagem teria sido acompanhada por um padre.
Em Can Can encontramos Maurice Chevalier (Paul Barriere), Louis Jourdan (o juiz Philipe Forrestier), Frank Sinatra (o advogado François Durnais) e a dona do Café, no qual a dança can can se torna proibida, Shirley MacLaine (Simone Pistache) que garante os momentos mais divertidos. Nesse filme o gênero musical prevalece, mas a confusão criada pelos personagens é tamanha, que agrada até aos mais resistentes.

O encanto adicional está nas músicas de Cole Porter
When the little bluebird

Who has never said a word
Starts to sing Spring
When the little bluebell
At the bottom of the dell
Starts to ring Ding dong Ding dong
When the little blue clerk
In the middle of his work
Starts a tune to the moon up above
It is nature that is all
Simply telling us to fall in love
And that's why birds do it, bees do it
Even educated fleas do it
Let's do it, let's fall in love
Cold Cape Cod clams, 'gainst their wish, do it
Even lazy jellyfish do it
Let's do it, let's fall in love
I've heard that lizards and frogs do it
Layin' on a rock
They say that roosters do it
With a doodle and cock
Some Argentines, without means do it
I hear even Boston beans do it
Let's do it, let's fall in love
When the little bluebird
Who has never said a word
starts to sing Spring spring spring
When the little bluebell
At the bottom of the dell
Starts to ring Ding ding ding
When the little blue clerk
In the middle of his work
Starts a tune
The most refined lady bugs do it
When a gentleman calls
Moths in your rugs they do it
What's the use of moth balls
The chimpanzees in the zoos do it,
Some courageous kangaroos do it
Let's do it, let's fall in love
I'm sure sometimes on the sly you do it
Maybe even you and I might do it
Let's do it, let's fall in love

The New Yorker Cartoons

domingo, 10 de maio de 2009

Maternidade

Dia das mães filho longe e a prévia ideia de que seria difícil, triste, no mínimo estranho, mas, de repente, uma onda de tranquilidade, serenidade e suavidade toma conta de tudo que vai por dentro, e a data passa de forma diferente, internamente amorosa, plena, não mais oscilante entre o ser filha e mãe, que por anos foi sobrepujado pela mãe destas duas crianças com vinte e um anos de diferença, mãe e filho. Ah, ninguém deveria tentar entender, tampouco contabilizar o quanto cedemos de espaço, direito e sentimento em favor da convivência harmoniosa e pacífica. Talvez não seja bom tanto ceder, ou, tamanho ceder somente possa ocorrer em situações tão diferentes e especiais quanto aquela. Não importa. Decididamente, não. Jamais ceder tanto e por tanto tempo, porque a dura cobrança se torna inevitável. Aquele ceder foi especial e único. Mas eu pensava o quanto seria triste o dia desta mãe, meio vazio e, no sábado, na véspera, feliz com a pequena vitória de novamente conseguir caminhar com o cão, e enquanto encantada eu me sentia capaz, pensava onde eu almoçaria no dia seguinte para comemorar o dia das mães, a que horas eu deveria ir ao restaurante escolhido para evitar o movimento tão tradicional, além de algum mimo especial para mim, quando decidi que eu iria ao supermercado encontrar gostosuras e preparar eu mesma o almoço e curtir meu canto preferido e minhas leituras recentes e minhas músicas preferidas (tenho tantas músicas preferiras).
No domingo, logo cedo, o filho liga, me acorda e bem sonolenta eu me inundo de carinho e tive um dos melhores domingos dos últimos tempos. No final da tarde, ao acender minha lamparina, agradeci a três mães: À Santa Mãe, à mãe que eu conheci e à mãe que eu nunca vi. Às vezes eu fico com essa mania de escrever um monte de palavras que ninguém entende. É proposital.
Na Páscoa os Católicos Ortodoxos ao se encontrarem dizem Xristos Anesti (Jesus ressuscitou) e ouvem Alithos Anesti (verdadeiramente ressusitou). Na véspera do dia e no próprio dia das mães, as pessoas de bom coração, ao se encontrarem, desejam feliz dia das mães. Nunca antes recebi tantos feliz dia das mães como neste ano.

Três mudas diferentes, que encontrei onde eu menos esperava, foram tão pacientes e perseverantes ao me esperaram, a terra dentro daqueles saquinhos pretos de mudas estava tão seca, não sei como sobreviveram até este domingo, o dia que eu consegui plantá-las em vasos menores, depois de tirar um monte de folhinhas mortas, mexer a terra e carinhosamente aguar os vasos maiores que estavam sedentos. Até ancinho eu encontrei para a terra dos meus vasos, embora o bom mesmo seja a mão sem frescura que entra em contato com a terra e recebe da terra e entrega à terra o que deve entregar. E lá estão as três novas plantas perseverantes, com folhas lindas e diferentes, afinal, lavanda e bálsamo são coisas do céu, da paz.

Há tempos eu não sentia tanto prazer com a primeira garfada de alimento tão gostoso.

Sentir prazer é bom demais.

Esta vida é cheia de graça.