sexta-feira, 7 de maio de 2010

Roupas no varal Deus seja louvado entre as coisas lavadas

Ontem, finalzinho de tarde, começo de noite, liguei a TV e iniciava o filme “A falecida”, 1965, de Leon Hirszman, com Fernanda Montenegro, Ivan Cândido, Nelson Xavier e Paulo Gracindo. Os filmes baseados na obra de Nelson Rodrigues, quando bem encenados, são desconcertantes e com simplicidade extrema atordoam qualquer um. Pois lá se desenrolava a saga de Zulmira, casada, moradora do subúrbio carioca, com duas ideias fixas na cabeça: A prima loira e o preparo de sua própria morte – sua necessidade do melhor e mais luxuoso caixão e cortejo funerário, tamanha riqueza que a cidade do Rio de Janeiro jamais vira. Zulmira tornou sua vida pesada. Buscou os conselhos de uma cartomante e considerou as mensagens recebidas indubitáveis; ingressou em algum culto evangélico e, em grupo, entoou hinos religiosos em praça pública; fechou seu corpo e sua mente e tornou a vida de seu marido outro inferno paralelo.
A única cena de real prazer e liberdade de Zulmira ocorreu durante uma chuva forte, na qual a personagem se solta e os gestos elegantes de Fernanda Montenegro transmitiram toda a emoção. Aquela foi a única vez que Zulmira foi feliz de verdade.
O drama de Zulmira começou na noite de núpcias graças às atitudes higiênicas de seu marido, que lavava as mãos imediatamente após a intimidade do casal. Essa atitude feria Zulmira, dava-lhe a sensação de que o marido a desprezava, a considerava impura. Daí ao encontro furtivo com um estranho no banheiro da Confeitaria Colombo foi um pulo e o amante ensinou à Zulmira o prazer desconhecido. Alguém duvida que a vingança contra o marido higiênico não se transformaria em culpa? A culpa de Zulmira foi personificada na prima loira. Mais não conto.
A tristeza toda está na ausência de diálogo verdadeiro entre o casal e na incapacidade de um simples posicionamento da mulher: Ei, meu marido, pra que lavar as mãos depois de ficarmos juntos? ou coisa parecida. Zulmira não teve essa naturalidade e complicou demais sua vida, sem necessidade.
 

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