Semana de exames, inúmeros exames, no primeiro dia nove horas passadas em um laboratório, quatro quadras depois do começo da avenida Paulista, e um consultório, oito quadras depois do final da mesma avenida. A Paulista tem 2,8 km. Tempo, cansaço e exames demasiados.
No último consultório eu não conseguia ficar sentada, ler, distrair-me com as palavras cruzadas. Exausta eu me esforcei para não cochilar na poltrona. Eu cochilei na poltrona.
Tentei a mesma forma de superação imediata, assimilada à época do tratamento e exames posteriores à descoberta do câncer: Caminhar. Caminhei pelo bairro do Paraíso, por mim bem conhecido, e com tristeza vi que a loja Catedral, aberta em 1947, deixou de existir (depois da Brasserie Victoria era na Catedral que encontrávamos as melhores esfihas e melhor o pão árabe de São Paulo). Passei em frente de lojas que existem no bairro há mais de trinta anos, vi lojas novas, prédios construídos em terrenos anteriormente ocupados por belas casas, a sorveteria Alaska, desde 1954, no mesmo local. Lembrei da filha de Cora Coralina, senhora elegante e educada, que era nossa vizinha no prédio. Lembrei das histórias que a filha contava sobre a mãe poetisa.
Lembrei do morador do nono andar, marido de uma senhora elegante e sofisticada, que passava os finais de tarde no bar da esquina. Garota eu ainda não entendia o que era o alcoolismo. Vi o garoto mendigo, hoje um homem mendigo, amparado em duas muletas e em pior estado do que estava tempos atrás. O rosto, porém, é o mesmo, apesar da vida dura da rua, do maltrato, da total ausência de saúde e higiene.
Desta vez, talvez pelo cansaço interno e externo, transformei parte do caminhar em apreciação e lembrança. É interessante como as pessoas que fizeram parte de nossa vida parecem personagens: A filha da poetiza, a senhora elegante, o senhor alcoólico, o senhor alto e meio esquisito, pelo meu filho apelidado de brucutu, todas personagens de um passado recuperado em dias de leveza da alma, paradoxo do corpo cansado.
No caminho pela avenida Paulista até o segundo consultório, entrei na casa da rosas e procurei alguma exposição que pudesse proporcionar-me alento para seguir a diante. Nada. Um vídeo curto feito por Leminski sobre Kafka numa sala e na outra, espaço com fotografias de Haroldo de Campos em sua casa no bairro de Perdizes, também passava um vídeo sem som. Ver a imagem de Alice Ruiz, num palco, em frente ao microfone a ler determinado livro e não ouvir sua leitura foi frustrante. Não houve outro meio salvo apreciar o imóvel, imaginar como era a vida de seus moradores (a casa das rosas foi projetada por Ramos de Azevedo e serviu de moradia para sua filha), buscar qual seria a sensação matinal ao abrir as portas da varanda para apreciar os jardins rendados e enfeitados de rosas, lembrar da minha meninice e dos meus passeios pela Paulista e o encantamento que aquela casa proporcionava. Foi com respeito e reverência que senti o corrimão, apreciei o vitral, caminhei pela alameda, me impressionei com o orquidário. Aquela casa tem história, em suas paredes estão fixados sonhos, choros, alegrias e uma boa parte da vida.
Segui em frente e no prédio da FIESP vi o cartaz da exposição de Maureen Bisilliat (parte do acervo do Instituto Moreira Saller) e resolvi presentear-me com a poesia e a prosa em forma de fotografia, que a talentosa irlandesa nos ofertou: “Muito dos capítulos que compõem esta exposição tiveram seus começos na obra dos prosadores - Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e Jorge Amado – ou de poetas, como João Cabral e Adélia Prado; outros sintetizam situações vividas durante os anos de glória jornalística da Editora Abril- As caranguejeiras, Mangueira, e, por último, China – cujo interesse como documentação parece aumentar com o passar do tempo. A série pele preta deriva de meus tempos de estudante, quando freqüentava ateliês de modelo vivi, atenta à anatomia, à movimentação do corpo e à iluminação. No Xingu, através de Orlando e Cláudio Villas Bôas e sob sua sábia orientação, encontrei um povo hospitaleiro, harmonioso e cheio de humor.
Já os reis, rainhas e valetes do tabuleiro sertanejo de Ariano Suassuna foram visitados em seus reinados, com o apoio de bolsas concedidas pela Fundação Guggenheim e pelo CNPQ/Fapesp, enquanto ao Japão fui convidada pela Fundação Japão, ancorada nos escritos de Kawabata e Lafeadio Hearn.
Um chamado ao passado, esta exposição tem me dado, apesar das dúvidas sem fim, o prazer de um reencontro com um eu perdido no tempo: um algo de mim em outras dimensões.” Maureen Bisilliat.
Sai da exposição de Bisilliat revigorada e com a certeza: Eu voltarei para apreciar mais tanta lindeza.
Imagens da casa das rosas feitas com o celular
Poesia de Alberto Caeiro
Um comentário:
Uma andança. Torço por vc.
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