Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I could
To where it bent in the undergrowth
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that, the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I -
I took the one less traveled by,
And that has made all the diference.
Robert Frost
quarta-feira, 30 de julho de 2008
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Pausas
O escritório mudará para a região que sempre trabalhei. Conheço e gosto daquela área, além de estar bem próximo de casa e me poupar do cansaço e das horas gastas em congestionamentos. Mas ainda não é bem isso; não é bem para isso, que me preparei por tantos anos.
Abracei a causa e puxei para mim a responsabilidade da intermediação entre corretoras, proprietário e possibilidades. Às vezes erram pelo amadorismo e por mais que eu queira limitar minha atuação ao razoável e proporcional à contrapartida, é impossível não intervir e corrigir a rota. O bom de toda a movimentação e empenho é conquistar o resultado favorável para todos.
Até mesmo pelo cansaço que os novos medicamentos me fizeram sentir nestes dias, aprendi a dedicar quinze minutos e apreciar uma boa xícara de chá, num café com pretensões a bistrô que fica bem próximo. Paro tudo e tomo com prazer o chá, enquanto folheio alguma revista que colocam à disposição. Aprendo sobre necessárias pausas.
Abracei a causa e puxei para mim a responsabilidade da intermediação entre corretoras, proprietário e possibilidades. Às vezes erram pelo amadorismo e por mais que eu queira limitar minha atuação ao razoável e proporcional à contrapartida, é impossível não intervir e corrigir a rota. O bom de toda a movimentação e empenho é conquistar o resultado favorável para todos.
Até mesmo pelo cansaço que os novos medicamentos me fizeram sentir nestes dias, aprendi a dedicar quinze minutos e apreciar uma boa xícara de chá, num café com pretensões a bistrô que fica bem próximo. Paro tudo e tomo com prazer o chá, enquanto folheio alguma revista que colocam à disposição. Aprendo sobre necessárias pausas.
Quem explica ?
Mais uma vez um sonho indesejado pleno de detalhes e significados, que atormentou a noite e alguns poucos dias seguintes. É incrível sonhar com alguém jamais visto e que não se quer ver, que atropela e muda a vida da pior maneira possível, sobre quem se aprendem as piores referências, além de, infelizmente, nos obrigar a desacreditar valores e idéias fundamentais.
Que coisa incontrolável é essa, que nos faz entristecer até em sonho.
Parece que estamos em período de sonhos conturbados e desalentadores, porque duas pessoas queridas e próximas comentaram sobre o mesmo transtorno: Sonhos e sensações ruins que deles vieram.
Pensando bem, o sonho recente de uma querida amiga foi bem pior, porque – até agora, em dúvida se acordada ou adormecida – ouviu sons e ainda por cima, viu vultos.
Na manhã seguinte o mal estar era tão forte, que voltei ao pronto-socorro (depois da última experiência fui valente, ou, idiota o suficiente para insistir no conhecimento da causa e cura de tanto mal estar) para diagnóstico e medicação imediata, antes da ida ao escritório. Os mesmos sintomas, alguns agravados, novas possíveis causas e a certeza de mais exames e da opinião de especialista. O duro é segurar isso quieta, para não expor o que vai por dentro.
Dois dias depois toca o telefone e ensaio o início de um comentário, um desabafo necessário para encontrar força, carinho, mas ouço palavras agressivas e bem duras, mescladas com injustos gritos sobre culpa, que em momento algum pretendi fazer sentir. Fico triste e sem ação. Há tempos me pergunto que força ruim é essa, que impregna de tal forma negativa o bom sentimento e impede a realização do melhor. Não, não é força alguma, por que não há nada tão ruim que dure tanto tempo; é o medo, apenas o medo. Não é normal ligar só para destruir. Não é normal.
Que coisa incontrolável é essa, que nos faz entristecer até em sonho.
Parece que estamos em período de sonhos conturbados e desalentadores, porque duas pessoas queridas e próximas comentaram sobre o mesmo transtorno: Sonhos e sensações ruins que deles vieram.
Pensando bem, o sonho recente de uma querida amiga foi bem pior, porque – até agora, em dúvida se acordada ou adormecida – ouviu sons e ainda por cima, viu vultos.
Na manhã seguinte o mal estar era tão forte, que voltei ao pronto-socorro (depois da última experiência fui valente, ou, idiota o suficiente para insistir no conhecimento da causa e cura de tanto mal estar) para diagnóstico e medicação imediata, antes da ida ao escritório. Os mesmos sintomas, alguns agravados, novas possíveis causas e a certeza de mais exames e da opinião de especialista. O duro é segurar isso quieta, para não expor o que vai por dentro.
Dois dias depois toca o telefone e ensaio o início de um comentário, um desabafo necessário para encontrar força, carinho, mas ouço palavras agressivas e bem duras, mescladas com injustos gritos sobre culpa, que em momento algum pretendi fazer sentir. Fico triste e sem ação. Há tempos me pergunto que força ruim é essa, que impregna de tal forma negativa o bom sentimento e impede a realização do melhor. Não, não é força alguma, por que não há nada tão ruim que dure tanto tempo; é o medo, apenas o medo. Não é normal ligar só para destruir. Não é normal.
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sexta-feira, 18 de julho de 2008
Receitas pedantes
Os ingleses têm um senso de humor interessante. Outro dia li uma matéria sobre o mais novo livro de Julian Barnes, um assumido aprendiz de cozinheiro, que se dedica a desmistificar os livros de culinária existentes. Em seu “O pedante na cozinha”, encontramos o relato de um apaixonado por iguarias, que depende de receitas alheias para preparar delícias. “O pedante na cozinha não está interessado em saber se cozinhar é ciência ou arte; ele se conforma se for um hobby. Só quer comida gostosa, nutritiva, sem envenenar os amigos, só quer ampliar seu repertório, e devagar”.
Essas são algumas das dicas de Barnes:
“1- Jamais comprar um livro por causa das imagens.
2- Jamais comprar livros com layouts transados.
3- Evitar livros abrangentes demais (como Grandes Pratos do Mundo).
4- Jamais comprar o livro de receitas do chef, em exposição, quando sair do restaurante.
5- Jamais comprar um livro de sucos se não possuir um espremedor de frutas.
6- Resistir, se possível, às antologias atraentes de receitas regionais, que nos sentimos tentados a comprar de lembrança em férias no exterior.
7- Evitar livros de receitas famosas do passado.
8- Jamais trocar livros com receitas garantidas por uma versão nova que tenha mais figuras.
9- Jamais comprar uma coleção de receitas com fins beneficentes. Mande o valor do livro direto para a instituição de caridade.
10- Não esquecer que os autores de livros de culinária não diferem de outros escritores: muitos só têm um livro dentro de si (e alguns não deveriam te-lo deixado sair).”
Imagem de Mapplethorpe
Essas são algumas das dicas de Barnes:
“1- Jamais comprar um livro por causa das imagens.
2- Jamais comprar livros com layouts transados.
3- Evitar livros abrangentes demais (como Grandes Pratos do Mundo).
4- Jamais comprar o livro de receitas do chef, em exposição, quando sair do restaurante.
5- Jamais comprar um livro de sucos se não possuir um espremedor de frutas.
6- Resistir, se possível, às antologias atraentes de receitas regionais, que nos sentimos tentados a comprar de lembrança em férias no exterior.
7- Evitar livros de receitas famosas do passado.
8- Jamais trocar livros com receitas garantidas por uma versão nova que tenha mais figuras.
9- Jamais comprar uma coleção de receitas com fins beneficentes. Mande o valor do livro direto para a instituição de caridade.
10- Não esquecer que os autores de livros de culinária não diferem de outros escritores: muitos só têm um livro dentro de si (e alguns não deveriam te-lo deixado sair).”
Imagem de Mapplethorpe
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quinta-feira, 17 de julho de 2008
Vida saudável
A pausa nunca é simples, ou, por outra, nunca é contemplativa e quieta.
Invento comidinhas gostosas, tento mostrar para meu filho que estou bem, inteira, também tento me convencer que estou bem e inteira. Foi assim à tarde em casa: Mansa, tranqüila, boa música, refeição preparada com carinho, plantas regadas, chá quentinho, televisão e cochilos.
Foi no programa da Oprah que assisti à última palestra do professor da Carnegie Mellon University, Randy Pausch. Não me impressionei com as difíceis flexões que ele fez em pleno palco, nem com o fato de ele ter sido criado com extremo amor pelos pais e ser ele pai de três encantadoras crianças, uma delas ainda bebê. Não me impressionei com o fato de ele ter câncer e ter recebido o diagnóstico de três meses de vida, mas fiquei muito comovida com o que ele faz com o tempo que lhe resta, com o legado que ele se esforça para deixar aos seus filhos, em detrimento do seu próprio emocional.
Comovi-me com esse amor imenso de quem parte e quer que os que ficam estejam bem.
“Estou enfrentando um problema de planejamento. Embora em geral eu esteja em excelente forma física, tenho dez tumores no fígado e me restam apenas alguns meses de vida. Sou pai de três crianças e sou casado com a mulher dos meus sonhos. Seria cômodo ficar me lamentando, mas isso não faria bem a eles nem a mim. Então, como viver esse meu tempo tão limitado? O óbvio é ficar com minha família e cuidar dela. Enquanto posso, estou com eles todos os instantes e tomo as providências logísticas necessárias para lhes facilitar o caminho na vida sem mim. O menos óbvio é como ensinar a meus filhos o que eu lhes ensinaria nos próximos vinte anos. Agora eles são jovens demais para essas conversas. Todo nós, pais, desejamos ensinar os filhos a distinguirem o certo do errado, o que consideramos importante e como lidar com os desafios que a vida lhes trará. Também queremos que conheçam histórias de nossas vidas, uma maneira de ensinar-lhes a lidar com suas próprias vidas.”
“A lição final” de Randy Pausch vale a leitura.
Outro que descobri neste período e está aqui, ao meu lado, deveria ser leitura obrigatória para todos, sem exceção: “Anticâncer” de David Servan-Schreiber, um psiquiatra e pesquisador de neurociência que, acidentalmente, há quinze anos, descobriu ter um tumor no cérebro. Lista de alimentos e exercícios anticâncer; a competição de ácidos em nosso organismo; o gasto de energia associado a diferentes atividades em MET por hora; o desejo de viver e as células imunológicas e muito mais. Esqueça a palavra câncer e leia esse manual da vida saudável: “Prevenir e vencer usando nossas defesas naturais - Sempre pensei que o único problema da medicina científica fosse o fato de ela não ser suficientemente científica. A medicina moderna só se tornará verdadeiramente científica quando os médicos e seus pacientes tiverem aprendido a tirar partido das forças do corpo e do espírito que agem através do poder de cura da natureza.”
Invento comidinhas gostosas, tento mostrar para meu filho que estou bem, inteira, também tento me convencer que estou bem e inteira. Foi assim à tarde em casa: Mansa, tranqüila, boa música, refeição preparada com carinho, plantas regadas, chá quentinho, televisão e cochilos.
Foi no programa da Oprah que assisti à última palestra do professor da Carnegie Mellon University, Randy Pausch. Não me impressionei com as difíceis flexões que ele fez em pleno palco, nem com o fato de ele ter sido criado com extremo amor pelos pais e ser ele pai de três encantadoras crianças, uma delas ainda bebê. Não me impressionei com o fato de ele ter câncer e ter recebido o diagnóstico de três meses de vida, mas fiquei muito comovida com o que ele faz com o tempo que lhe resta, com o legado que ele se esforça para deixar aos seus filhos, em detrimento do seu próprio emocional.
Comovi-me com esse amor imenso de quem parte e quer que os que ficam estejam bem.
“Estou enfrentando um problema de planejamento. Embora em geral eu esteja em excelente forma física, tenho dez tumores no fígado e me restam apenas alguns meses de vida. Sou pai de três crianças e sou casado com a mulher dos meus sonhos. Seria cômodo ficar me lamentando, mas isso não faria bem a eles nem a mim. Então, como viver esse meu tempo tão limitado? O óbvio é ficar com minha família e cuidar dela. Enquanto posso, estou com eles todos os instantes e tomo as providências logísticas necessárias para lhes facilitar o caminho na vida sem mim. O menos óbvio é como ensinar a meus filhos o que eu lhes ensinaria nos próximos vinte anos. Agora eles são jovens demais para essas conversas. Todo nós, pais, desejamos ensinar os filhos a distinguirem o certo do errado, o que consideramos importante e como lidar com os desafios que a vida lhes trará. Também queremos que conheçam histórias de nossas vidas, uma maneira de ensinar-lhes a lidar com suas próprias vidas.”
“A lição final” de Randy Pausch vale a leitura.
Outro que descobri neste período e está aqui, ao meu lado, deveria ser leitura obrigatória para todos, sem exceção: “Anticâncer” de David Servan-Schreiber, um psiquiatra e pesquisador de neurociência que, acidentalmente, há quinze anos, descobriu ter um tumor no cérebro. Lista de alimentos e exercícios anticâncer; a competição de ácidos em nosso organismo; o gasto de energia associado a diferentes atividades em MET por hora; o desejo de viver e as células imunológicas e muito mais. Esqueça a palavra câncer e leia esse manual da vida saudável: “Prevenir e vencer usando nossas defesas naturais - Sempre pensei que o único problema da medicina científica fosse o fato de ela não ser suficientemente científica. A medicina moderna só se tornará verdadeiramente científica quando os médicos e seus pacientes tiverem aprendido a tirar partido das forças do corpo e do espírito que agem através do poder de cura da natureza.”
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terça-feira, 15 de julho de 2008
Pronto-socorro
No pronto-socorro encontramos médicos generalistas e habitualmente experientes, que conseguem diminuir o mal estar e determinar a realização de exames imediatos, com diagnósticos rápidos e eficientes. O resultado de um hemograma, que pode demorar até uma semana, no pronto-socorro é definido em uma hora. Enquanto escrevo penso quando foi que inventei a moda de ir ao pronto-socorro sozinha e com tristeza me lembro que foi quando voltei para minha cidade e sem qualquer auxílio tive que enfrentar situações muito ruins. Aprendi o caminho e os procedimentos. Aprendi a fingir ser forte e a ter paciência.
Fato é que passei muito mal no escritório e com muito esforço consegui dirigir até minha casa. Tentei descansar, minimizar os efeitos e na manhã seguinte, fui ao pronto-socorro para descobrir o motivo e diminuir tanto mal estar. É óbvio que minha intenção era em seguida ir para o escritório, por que não admito que, às vezes, uma pausa é necessária.
Fiquei sob cuidados médicos por quatro longas e cansativas horas, com direito à glicose, dramin e cloridato de ranitidina direto na veia. O dramin deixou minha voz pastosa e lenta; deixou minha mente lenta e isso me fez sentir considerável angústia, porque eu estava sozinha e queria permanecer atenta.
Não sei por que a enfermeira – céus! que enfermeira – insistiu que deveríamos ficar lado a lado, na sala de enfermagem, enquanto seus incompetentes assistentes empreendiam a busca por nossas veias. Não sei por que também, presumem que todas as pessoas tenham a mesma tolerância e reação diante de agulhas, que são incompatíveis com qualquer parte do corpo humano. Ainda penso qual a melhor maneira para esclarecer a aquela senhora, que a paciente que estava ao meu lado e zelosa perguntou se o medicamento que lhe foi receitado não agravaria seu estado de “pré-diabética”, não brincou quando insistia em dizer que “estava tudo escuro”, quase vomitou, demonstrou claramente sua reação sofrida à medicação e desmaiou. Pelo amor de Deus, tire a agulha da moça! Espera o quê, minha senhora? Tire a agulha da moça! E a maldita agulha ainda ficou por um tempo, enquanto nós éramos retirados para a sala de repouso, onde deveríamos estar desde o começo, para que cuidassem da infeliz. Quase meia hora depois, a moça pré-diabética saiu inconsciente da sala de enfermagem, deitada em uma maca, sem qualquer agulha espetada em sua veia. Finalmente, tiraram o medicamento.E ela estava sozinha!
Fato é que passei muito mal no escritório e com muito esforço consegui dirigir até minha casa. Tentei descansar, minimizar os efeitos e na manhã seguinte, fui ao pronto-socorro para descobrir o motivo e diminuir tanto mal estar. É óbvio que minha intenção era em seguida ir para o escritório, por que não admito que, às vezes, uma pausa é necessária.
Fiquei sob cuidados médicos por quatro longas e cansativas horas, com direito à glicose, dramin e cloridato de ranitidina direto na veia. O dramin deixou minha voz pastosa e lenta; deixou minha mente lenta e isso me fez sentir considerável angústia, porque eu estava sozinha e queria permanecer atenta.
Não sei por que a enfermeira – céus! que enfermeira – insistiu que deveríamos ficar lado a lado, na sala de enfermagem, enquanto seus incompetentes assistentes empreendiam a busca por nossas veias. Não sei por que também, presumem que todas as pessoas tenham a mesma tolerância e reação diante de agulhas, que são incompatíveis com qualquer parte do corpo humano. Ainda penso qual a melhor maneira para esclarecer a aquela senhora, que a paciente que estava ao meu lado e zelosa perguntou se o medicamento que lhe foi receitado não agravaria seu estado de “pré-diabética”, não brincou quando insistia em dizer que “estava tudo escuro”, quase vomitou, demonstrou claramente sua reação sofrida à medicação e desmaiou. Pelo amor de Deus, tire a agulha da moça! Espera o quê, minha senhora? Tire a agulha da moça! E a maldita agulha ainda ficou por um tempo, enquanto nós éramos retirados para a sala de repouso, onde deveríamos estar desde o começo, para que cuidassem da infeliz. Quase meia hora depois, a moça pré-diabética saiu inconsciente da sala de enfermagem, deitada em uma maca, sem qualquer agulha espetada em sua veia. Finalmente, tiraram o medicamento.E ela estava sozinha!
Quem me conhece sabe como me senti e qual seria minha reação. A droga é que o dramin me deixou prostrada. Eis o principal motivo da minha angustia: Senti-me responsável por aquela mulher, inconsciente e só Deus sabe com quais danos decorrentes do medicamento mal indicado. Quis ir até os fundos daquele pronto-socorro e encontrá-la, saber como estava, chamar alguém seu conhecido, ajudar, não deixá-la sozinha e desamparada nas mãos daqueles profissionais.
Na sala de repouso, frasco de glicose e complementos pendurado no teto, observei uma garota japonesa que dormia, enquanto o seu próprio frasco se esvaziava. Nenhuma assistente de enfermagem, ninguém. Quando o líquido do frasco dela terminou, peguei meu frasco do suporte e fui chamar a assistente de enfermagem para ajudar a garota.
O meu celular tocou, tive que atender por conta do barulho e me angustiei mais ainda por que eu não conseguia formar uma sentença completa.
Lembrei muito do pôster que havia em qualquer hospital e consultório no meu tempo de garota: A enfermeira bonita, com chapeuzinho branco e uma cruz vermelha, o dedo indicador encostado nos lábios a pedir silêncio. Pois silêncio é palavra desconhecida da gritante enfermeira e de suas assistentes saltitantes. Salto de borracha silencioso? Nunca ouviram falar. Toctoctoctoctoc, o maldito barulho do salto alto da assistente de enfermagem, que talvez se sentisse em alguma passarela ou boate, menos num hospital. Em qualquer lugar o barulho daquele salto incomodaria: toctoctoctoctoc, pisava firme a baixinha espevitada vestida de branco. Sob o efeito dos medicamentos, voltei à sala de enfermagem para que tirassem a agulha. Lá estava a enfermeira ocupada a preencher papéis. Quando uma das assistentes começou a tirar os esparadrapos, imperativa ela a impediu e ordenou: “Deixa que dessa moça eu tiro”. Naquele momento eu não entendi o motivo de fazer-me esperar mais ainda, muito menos da atenção desnecessária daquela senhora. Pois, enquanto ela tirava a agulha me olhava direto nos olhos e tentava me convencer com as seguintes palavras: “Sabe aquela moça que passou mal, foi medo da agulha, viu? Ela está bem e tem medo de agulha, entendeu?” Entendeu?
Escrevo e exponho neste espaço, com a esperança que a moça pré-diabética esteja bem, leia blogs e responda: Passou.
Na sala de repouso, frasco de glicose e complementos pendurado no teto, observei uma garota japonesa que dormia, enquanto o seu próprio frasco se esvaziava. Nenhuma assistente de enfermagem, ninguém. Quando o líquido do frasco dela terminou, peguei meu frasco do suporte e fui chamar a assistente de enfermagem para ajudar a garota.
O meu celular tocou, tive que atender por conta do barulho e me angustiei mais ainda por que eu não conseguia formar uma sentença completa.
Lembrei muito do pôster que havia em qualquer hospital e consultório no meu tempo de garota: A enfermeira bonita, com chapeuzinho branco e uma cruz vermelha, o dedo indicador encostado nos lábios a pedir silêncio. Pois silêncio é palavra desconhecida da gritante enfermeira e de suas assistentes saltitantes. Salto de borracha silencioso? Nunca ouviram falar. Toctoctoctoctoc, o maldito barulho do salto alto da assistente de enfermagem, que talvez se sentisse em alguma passarela ou boate, menos num hospital. Em qualquer lugar o barulho daquele salto incomodaria: toctoctoctoctoc, pisava firme a baixinha espevitada vestida de branco. Sob o efeito dos medicamentos, voltei à sala de enfermagem para que tirassem a agulha. Lá estava a enfermeira ocupada a preencher papéis. Quando uma das assistentes começou a tirar os esparadrapos, imperativa ela a impediu e ordenou: “Deixa que dessa moça eu tiro”. Naquele momento eu não entendi o motivo de fazer-me esperar mais ainda, muito menos da atenção desnecessária daquela senhora. Pois, enquanto ela tirava a agulha me olhava direto nos olhos e tentava me convencer com as seguintes palavras: “Sabe aquela moça que passou mal, foi medo da agulha, viu? Ela está bem e tem medo de agulha, entendeu?” Entendeu?
Escrevo e exponho neste espaço, com a esperança que a moça pré-diabética esteja bem, leia blogs e responda: Passou.
Imagem de Friedlander
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segunda-feira, 14 de julho de 2008
Auto-engano
Outro dia li o diálogo fictício de um colunista do Estadão com Nelson Rodrigues.
A conversa era sobre o país, as mudanças de costumes e comportamentos.
Uma das frases mais interessantes: Na mentira, o essencial é o auto-engano.
Por isso a mentira é tão ruim, desgastante e trabalhosa: O seu pior é o auto-engano.
A conversa era sobre o país, as mudanças de costumes e comportamentos.
Uma das frases mais interessantes: Na mentira, o essencial é o auto-engano.
Por isso a mentira é tão ruim, desgastante e trabalhosa: O seu pior é o auto-engano.
domingo, 13 de julho de 2008
A arte de Juliana Dias
Volto ao conceito que advém da emoção estética, ensinamento inicial das aulas de história da arte – um dos melhores cursos que fiz e carrego comigo ao longo dos anos. A obra de um artista deve nos transmitir emoção estética e sua apreciação depende diretamente do impacto que nos causa. Não me refiro à técnica, mas ao sentir.
Tenho o privilégio de resgatar mais uma vez essa idéia com a obra da querida Juliana Dias.
Encantada observo os traços por ela criados, as formas etéreas e belas que parecem flutuar suaves e ao mesmo tempo densas, o formato, as expressões diluídas e únicas, que conferem a conquista de sua marca registrada – objetivo de todo artista: Ser reconhecido através de sua criação.
Sua vocacional aptidão faz com que ela nos presenteie com o oniro e o bom augúrio dos deuses.
Recentemente, Juliana foi convidada a expor parte de sua obra no site da galeria
Saatchi.
Tenho o privilégio de resgatar mais uma vez essa idéia com a obra da querida Juliana Dias.
Encantada observo os traços por ela criados, as formas etéreas e belas que parecem flutuar suaves e ao mesmo tempo densas, o formato, as expressões diluídas e únicas, que conferem a conquista de sua marca registrada – objetivo de todo artista: Ser reconhecido através de sua criação.
Sua vocacional aptidão faz com que ela nos presenteie com o oniro e o bom augúrio dos deuses.
Recentemente, Juliana foi convidada a expor parte de sua obra no site da galeria
Saatchi.
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Cecília Meireles
"Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.
E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim."
* * *
"Os galos cantam, no crepúsculo dormente
No céu de outono, anda um langor final de pluma
Que se desfaz por entre os dedos, vagamente
Os galos cantam, no crepúsculo dormente
Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma
Fica-se longe, quase morta, como ausente
Sem ter certeza de ninguém, de coisa alguma
Tem-se a impressão de estar bem doente, muito doente
De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma
E os galos cantam, no crepúsculo dormente
Os galos cantam, no crepúsculo dormente
A alma das flores, suave e tácita, perfuma
A solitude nebulosa e irreal do ambiente
Os galos cantam, no crepúsculo dormente
Tão para lá, no fim da tarde além da bruma
E silenciosos, como alguém que se acostuma
A caminhar sobre penumbras, mansamente,
Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma
Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma
E os galos cantam, no crepúsculo dormente"
* * *
"O canteiro está molhado.
Trarei flores do canteiro,
Para cobrir o teu sono.
Dorme, dorme, a chuva desce,
Molha as flores do canteiro.
Noite molhada de chuva,
Sem vento, nem ventania,
Noite de mar e lembranças"
* * *
"O olho é uma espécie de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globo brilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro
Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são inventadas.
O olho é um teatro por dentro,
E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no olho, lágrimas."
* * *
"É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a criação de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence."
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.
E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim."
* * *
"Os galos cantam, no crepúsculo dormente
No céu de outono, anda um langor final de pluma
Que se desfaz por entre os dedos, vagamente
Os galos cantam, no crepúsculo dormente
Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma
Fica-se longe, quase morta, como ausente
Sem ter certeza de ninguém, de coisa alguma
Tem-se a impressão de estar bem doente, muito doente
De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma
E os galos cantam, no crepúsculo dormente
Os galos cantam, no crepúsculo dormente
A alma das flores, suave e tácita, perfuma
A solitude nebulosa e irreal do ambiente
Os galos cantam, no crepúsculo dormente
Tão para lá, no fim da tarde além da bruma
E silenciosos, como alguém que se acostuma
A caminhar sobre penumbras, mansamente,
Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma
Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma
E os galos cantam, no crepúsculo dormente"
* * *
"O canteiro está molhado.
Trarei flores do canteiro,
Para cobrir o teu sono.
Dorme, dorme, a chuva desce,
Molha as flores do canteiro.
Noite molhada de chuva,
Sem vento, nem ventania,
Noite de mar e lembranças"
* * *
"O olho é uma espécie de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globo brilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro
Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são inventadas.
O olho é um teatro por dentro,
E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no olho, lágrimas."
* * *
"É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a criação de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence."
quinta-feira, 10 de julho de 2008
The thing about my folks
Pais e filhos deveriam viajar de carro e colocar o sentimento em dia. Fazer coisas inéditas e comuns, aproveitar o melhor da simplicidade e viver juntos por alguns dias. Pai e filho. Passar a vida a limpo, antes que seja tarde.
Assisti pela segunda vez ao filme The thing about my folks, escrito por Paul Reiser, que tem considerável experiência com histórias sobre relacionamentos, cotidiano, erros e acertos. Ele foi um dos criadores e protagonista do adorável seriado Mad about you, aquele que todo casal gostaria de ser e viver.
No papel do pai Peter Falk, que transita entre a firmeza do responsável chefe de família e a ternura do pai e marido dedicado.
A mãe não poderia ser outra além da genial Olympia Dukakis, de quem sou fã incondicional. Filha de imigrantes gregos, Olympia confere a cada personagem que interpreta a sabedoria e a magia das mulheres ternas e fortes.
É dela uma das mais interessantes frases deste filme: As pessoas não mudam, apenas adequam suas expectativas.
Personagens feitos de amor.
Confesso que voei
1.
Mas, se nestas seis décadas e meia
eu fui capaz de algum voo
– concedo, semelhante ao das galinhas,
isto é, rudimentar, desgracioso,
com muitíssimo dispêndio de energia
para pouca ascensão, breve e apenas
em desespero de causa;
em todo o caso uma forma de voo
pelo qual me sustentei no ar
em horas de menos peso –
devo agora, fechado o ciclo do voo,
como os pássaros pousar.
E isto não é como uma loja
que muda de ramo
ou que em fins de Dezembro
fecha para balanço.
Nem como executar
um mandado de detença.
Nem expiar a desordem
de, sendo pedestre, ter voado.
Nem um remate compulsivo
à sedição.
Pousar, é tudo. Regressar
ao afago das coisas da terra.
A terra cobrar por fim o que lhe devo
e eu cobrar dela o que me deve
desde a primeira hora.
Voei, está voado.
Nada de nostalgias.
2.
Escolho o galho
mais ajeitado à minha condição
e, como a ave a quem o voo se esgota
temporariamente, apeio-me do voo.
Assim como a ave que, acabada
de pousar, bate ainda as asas
por duas ou três vezes,
assim as bato eu.
Mas enquanto a ave as bate
como para sacudir delas
os resíduos do voo,
eu faço-o por exigência de equilíbrio:
o ramo verga, já não tenho
a agilidade doutros tempos,
cairia se não batesse as asas.
Isto é: bato-as da mesma forma que
o funâmbulo tenteia a vara
e o cego a bengala.
Para me acomodar mais facilmente
no exterior do voo.
3.
Nem o meu pouso é passageiro
como o da ave. Daqui em diante
assistirei ao decurso dos dias
pousado definitivamente.
Eis-me pois pousado, procurando
ajeitar o corpo à nova condição.
Os olhos erguidos para o espaço
donde me escorracei
para saber se porventura risquei
o cristal do ar com o meu voo.
Um arranhão que fosse, que depois dele
o cristal já não fosse cristal.
Não risquei.
Louvado seja Deus.
Depois de tanto voo desastrado
deixo o ar nítido e inteiro
como o encontrei.
(Não admira. Sempre tive o cuidado
de sacudir os pés à entrada do voo.)
4.
Não. Não é por nostalgia
que nesta hora extrema de pousar
me lembram as hábeis imprudências do voo,
as impudências, a tomada da luz.
Parece-me isto antes gratidão.
Voar foi sempre o mais útil
dos meus gestos inúteis.
A haste de feno ao canto da boca.
Um donativo à carne.
O orifício por onde se escoavam enxurradas.
Intensamente pousado,
é isto que me lembra.
quarta-feira, 9 de julho de 2008
Todo amor que houver nesta vida
O amor verdadeiro de pais, irmãos, amigos, amantes, traz segurança e tranqüilidade, características inerentes ao próprio amar.
No entanto, entre um casal não bastam a segurança e a tranqüilidade, que facilmente se transformam em tédio e monotonia, mas também é fundamental a paixão e a química porque delas surge a energia que impulsiona para a vida, a melodia.
Lembrei desse poema de Cazuza ao pensar no próximo ao ideal.
No bastar-se, no encontrar-se, no completar-se no outro, com tranqüilidade, segurança, paz e a real paixão, o mundo todo em dois.
Ser o pão, ser a essência, sem reter a mente, sem manipular, nem aprisionar. A eterna conquista diária.
Superar idealizações e excluir cativeiros.
É isso o que todos buscam e em cada substituição que fazem têm a esperança de encontrar. Mas o substituir não combina com o amar.
"No aprimoramento da visão que temos do outro seremos capazes de identificar o quanto amamos, ou não. Quem ama quer conhecer. O objetivo é simples: acrescentar, multiplicar em vez de subtrair."
No nosso corpo, o sexo está abaixo, o coração em seguida e acima a cabeça. O erro que muitos praticam é o valorizar um deles em detrimento dos demais. O amor de verdade presume a harmonia entre a cabeça, coração e o sexo; a realização total. Onírico? De forma alguma.
Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia
E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno antimonotonia
E se eu achar a tua fonte escondida
Te alcanço em cheio, o mel e a ferida
E o corpo inteiro como um furacão
Boca, nuca, mão e a tua mente não
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum remédio que me dê alegria
Cazuza
Imagem de Mário de Biasi
No entanto, entre um casal não bastam a segurança e a tranqüilidade, que facilmente se transformam em tédio e monotonia, mas também é fundamental a paixão e a química porque delas surge a energia que impulsiona para a vida, a melodia.
Lembrei desse poema de Cazuza ao pensar no próximo ao ideal.
No bastar-se, no encontrar-se, no completar-se no outro, com tranqüilidade, segurança, paz e a real paixão, o mundo todo em dois.
Ser o pão, ser a essência, sem reter a mente, sem manipular, nem aprisionar. A eterna conquista diária.
Superar idealizações e excluir cativeiros.
É isso o que todos buscam e em cada substituição que fazem têm a esperança de encontrar. Mas o substituir não combina com o amar.
"No aprimoramento da visão que temos do outro seremos capazes de identificar o quanto amamos, ou não. Quem ama quer conhecer. O objetivo é simples: acrescentar, multiplicar em vez de subtrair."
No nosso corpo, o sexo está abaixo, o coração em seguida e acima a cabeça. O erro que muitos praticam é o valorizar um deles em detrimento dos demais. O amor de verdade presume a harmonia entre a cabeça, coração e o sexo; a realização total. Onírico? De forma alguma.
Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia
E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno antimonotonia
E se eu achar a tua fonte escondida
Te alcanço em cheio, o mel e a ferida
E o corpo inteiro como um furacão
Boca, nuca, mão e a tua mente não
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum remédio que me dê alegria
Cazuza
Imagem de Mário de Biasi
domingo, 6 de julho de 2008
Augmentation
It sometimes happens that one kisses
The hand of a morning reflection
In the silence of a landscape
Standing motionless with sealed mouth
Before the city awakens with a thousand fountains
And with the unfettered bathing voices
Suddenly released in the sudden sun
By the street-cleaners of the morning.
And so our pains have not gone for nothing
They lift their veils and reveal
Their mighty arms swelling
To reach into the heart of the city
Like the Magi of the East, and to raise
The fingers of the sleepers one by one
Toward the row of boats that sail the streets
Laden with perfumes
With treasures and provisions
From the remote lands, like the glance
Of a woman daydreaming.
Andreas Embiricos
Cabotinice
O cabotino faz assim: Chama a atenção para si; necessita e quer causar efeito sobre os demais; julga-se superior, mesmo que saiba, tenha plena ciência não ser; faz graça e pretende ser pleno de graça. Graça barata. Chinfrim. Alegria falsa. Monótona.
O cabotino, homem ou mulher, não importa, demonstra. Precisa demonstrar. Posse, ter, falso ser. Usurpa momentos e os incorpora. Hipócrita. Finge ser.
O cabotino, homem ou mulher, não importa, demonstra. Precisa demonstrar. Posse, ter, falso ser. Usurpa momentos e os incorpora. Hipócrita. Finge ser.
O cabotino é assim: Manipula. Precisa manipular.
O cabotino não muda.Tem a essência incorporada.
Tartufo? histriônico? cabotino? jeito de ser.
sábado, 5 de julho de 2008
Sampolândiacity
Não é fácil viver em São Paulo. A quantidade de pessoas, carros, stress, problemas decorrentes da má administração e da falta de educação já são suficientes para complicar bem a vida por aqui. Por isso não sou complacente com situações adicionais que surjam e demonstrem o quanto esta cidade forte, dura e fria é, ao mesmo tempo, muito vulnerável.
Sempre respeitei o direito – e é realmente um direito – que todos têm de se manifestar, reivindicar, tornar públicas suas justas necessidades e equilibrar as relações conflituosas que são obrigadas a viver. É também com a manifestação pública que empregados, bem ou mal, são ouvidos pelos patrões; que mães choram os filhos mortos em guerras; que reclamamos da péssima administração pública. Mas há formas, maneiras, para que esse direito não limite o direito dos demais. É inconcebível que qualquer passeata ocorra na Avenida Paulista, ou, em qualquer outra via de acesso principal de São Paulo. É abusivo parar ou impor lentidão ao fluxo de carros nas Marginais. É injusta toda e qualquer movimentação que cause transtorno e constrangimento aos restante da população. Falta bom senso e propriedade no agir, que acaba por prejudicar a razão da manifestação.
O mote desta semana: “Com oito anos de atraso São Paulo teve o bug do milênio”.
É ruim reconhecer o quanto dependemos da internet para trabalhar, para resolver questões, para viver.
Como vivíamos, e vivíamos bem, sem ela antes?
Administrar a própria vida é muito fácil:
- Bom dia. Por favor, quero marcar uma consulta.
- Próxima sexta feita às quatro da tarde.
- Desculpe, sexta é o dia do meu rodízio.
- Na quarta à tarde da outra semana?
- Puxa, para quarta está marcada a passeata dos lanterninhas
de cinemas, teatros e estabelecimentos similares aí, na Paulista.
- O doutor tem livre a manhã da primeira quinta feira do mês que vem.
- Os exames que devo fazer são fundamentais e não posso esperar um mês.
Por favor, o doutor atende pela internet?
Tolinha.
Telefonemas das tardes de sexta feira:
- Onde você está?
- Atravesso a Estados Unidos e você?
- Estou na Ibirapuera.
- Meu filho, você tem vinte minutos para chegar em casa antes do horário do rodízio.
- Eu me viro, mãe. Como está a Bela Cintra?
- Agora, está livre.
Passada meia hora
- Onde você está meu filho?
- Parado na Ministro.
- O que você foi fazer na Ministro?
- Tentei fugir do congestionamento por causa da passeata da Paulista.
- Puxa, mas eu atravessei a Paulista há vinte minutos e não havia qualquer movimentação...Salvo um grupo de desordenados amarelinhos parado na esquina... Filho, tente sair dessa confusão na Paulista e atravesse o quanto antes a Consolação porque é para lá que irão.
Uma hora e meia depois
- Me dê alguma idéia, mãe.
- Onde você está, filho?
- Parado na Augusta.
- Você ta bem? Quer que eu vá aí, lhe fazer companhia?
- Não, mãe, tô bem.
- E os amarelinhos? Já levou alguma multa, filho? Deixe o carro em algum estacionamento e venha a pé.
No final do nosso rodízio levo você e buscamos seu carro.
Imagem do largo do Paraíso com vista da Paulista, década de trinta.
Sempre respeitei o direito – e é realmente um direito – que todos têm de se manifestar, reivindicar, tornar públicas suas justas necessidades e equilibrar as relações conflituosas que são obrigadas a viver. É também com a manifestação pública que empregados, bem ou mal, são ouvidos pelos patrões; que mães choram os filhos mortos em guerras; que reclamamos da péssima administração pública. Mas há formas, maneiras, para que esse direito não limite o direito dos demais. É inconcebível que qualquer passeata ocorra na Avenida Paulista, ou, em qualquer outra via de acesso principal de São Paulo. É abusivo parar ou impor lentidão ao fluxo de carros nas Marginais. É injusta toda e qualquer movimentação que cause transtorno e constrangimento aos restante da população. Falta bom senso e propriedade no agir, que acaba por prejudicar a razão da manifestação.
O mote desta semana: “Com oito anos de atraso São Paulo teve o bug do milênio”.
É ruim reconhecer o quanto dependemos da internet para trabalhar, para resolver questões, para viver.
Como vivíamos, e vivíamos bem, sem ela antes?
Administrar a própria vida é muito fácil:
- Bom dia. Por favor, quero marcar uma consulta.
- Próxima sexta feita às quatro da tarde.
- Desculpe, sexta é o dia do meu rodízio.
- Na quarta à tarde da outra semana?
- Puxa, para quarta está marcada a passeata dos lanterninhas
de cinemas, teatros e estabelecimentos similares aí, na Paulista.
- O doutor tem livre a manhã da primeira quinta feira do mês que vem.
- Os exames que devo fazer são fundamentais e não posso esperar um mês.
Por favor, o doutor atende pela internet?
Tolinha.
Telefonemas das tardes de sexta feira:
- Onde você está?
- Atravesso a Estados Unidos e você?
- Estou na Ibirapuera.
- Meu filho, você tem vinte minutos para chegar em casa antes do horário do rodízio.
- Eu me viro, mãe. Como está a Bela Cintra?
- Agora, está livre.
Passada meia hora
- Onde você está meu filho?
- Parado na Ministro.
- O que você foi fazer na Ministro?
- Tentei fugir do congestionamento por causa da passeata da Paulista.
- Puxa, mas eu atravessei a Paulista há vinte minutos e não havia qualquer movimentação...Salvo um grupo de desordenados amarelinhos parado na esquina... Filho, tente sair dessa confusão na Paulista e atravesse o quanto antes a Consolação porque é para lá que irão.
Uma hora e meia depois
- Me dê alguma idéia, mãe.
- Onde você está, filho?
- Parado na Augusta.
- Você ta bem? Quer que eu vá aí, lhe fazer companhia?
- Não, mãe, tô bem.
- E os amarelinhos? Já levou alguma multa, filho? Deixe o carro em algum estacionamento e venha a pé.
No final do nosso rodízio levo você e buscamos seu carro.
Imagem do largo do Paraíso com vista da Paulista, década de trinta.
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São Paulo
Um eu dentro do outro
Eu sempre tive a necessidade de viajar para outros lugares, dirigir em boas estradas, para sair da rotina, renovar a boa energia e regressar inteira.
Em Brasília, o destino desse precioso período de renovação era a cidade de Pirenópolis, que fica próxima, em outro tempo e cenário, com várias cachoeiras para um bom refrescar. A cidade das cavalhadas, dos fuscas contados em frente da igreja, da pequena rua central apinhada de gente nos barzinhos locais.
A água é fundamental em meu destino. Água corrente que leve a parte ruim que às vezes impregna na gente.
Em São Paulo, eu sempre fiquei entre o mar e a montanha com seus rios. Ora um, ora o outro, além das constantes escapadas para Penedo e Visconde de Mauá. Apesar dessa necessidade, desse tanto gostar, às vezes, estamos tão fracos, tão sensíveis e vulneráveis, que tememos fazer o que nos traz o bem. Pois foi justo nessa fase que dirigir em boas estradas assustou demais. Sem dúvida, o medo impede, a insegurança restringe e sentí-los enquanto dirigimos demanda atenção extrema, concentração e nos deixa tensos. Muito tensos. Como resgatar a confiança entre caminhões imensos e ousados, ônibus apressados e carros que zunem ao nosso lado? De casa até a marginal do Tietê – não, eu não tenho a menor idéia onde fica a tal ponte da Casa Verde – na escuridão das seis da manhã de inverno, com trânsito intenso apesar da hora, quase fiquei na típica posição das velhas senhorinhas que grudam a face no vidro da frente do carro. Descobri que grudam, porque são inseguras. A estrada certa – no tal do rodoanel viário, qualquer um pode se confundir – cem quilômetros de pescoço e braços duros, até a parada estratégica para refrescar o rosto e perceber o dia clarear. Proteção. Bendito o rapaz que no dia anterior ligou para a concessionária das rodovias e descobriu em qual quilômetro, e o número da saída, a estrada B se encontra com a estrada C e me mostrou no mapa para qual direção seguir e não correr o risco de ser multada na marginal, pela perda de tempo com o erro do caminho, porque também era o dia do rodízio municipal de carros. Os outros quarenta quilômetros e os cento e cinqüenta da volta foram como costumavam ser: Boa música, garrafas de água e a mente livre. Relaxamento. Está tudo dentro de nós, sempre esteve.
Em Brasília, o destino desse precioso período de renovação era a cidade de Pirenópolis, que fica próxima, em outro tempo e cenário, com várias cachoeiras para um bom refrescar. A cidade das cavalhadas, dos fuscas contados em frente da igreja, da pequena rua central apinhada de gente nos barzinhos locais.
A água é fundamental em meu destino. Água corrente que leve a parte ruim que às vezes impregna na gente.
Em São Paulo, eu sempre fiquei entre o mar e a montanha com seus rios. Ora um, ora o outro, além das constantes escapadas para Penedo e Visconde de Mauá. Apesar dessa necessidade, desse tanto gostar, às vezes, estamos tão fracos, tão sensíveis e vulneráveis, que tememos fazer o que nos traz o bem. Pois foi justo nessa fase que dirigir em boas estradas assustou demais. Sem dúvida, o medo impede, a insegurança restringe e sentí-los enquanto dirigimos demanda atenção extrema, concentração e nos deixa tensos. Muito tensos. Como resgatar a confiança entre caminhões imensos e ousados, ônibus apressados e carros que zunem ao nosso lado? De casa até a marginal do Tietê – não, eu não tenho a menor idéia onde fica a tal ponte da Casa Verde – na escuridão das seis da manhã de inverno, com trânsito intenso apesar da hora, quase fiquei na típica posição das velhas senhorinhas que grudam a face no vidro da frente do carro. Descobri que grudam, porque são inseguras. A estrada certa – no tal do rodoanel viário, qualquer um pode se confundir – cem quilômetros de pescoço e braços duros, até a parada estratégica para refrescar o rosto e perceber o dia clarear. Proteção. Bendito o rapaz que no dia anterior ligou para a concessionária das rodovias e descobriu em qual quilômetro, e o número da saída, a estrada B se encontra com a estrada C e me mostrou no mapa para qual direção seguir e não correr o risco de ser multada na marginal, pela perda de tempo com o erro do caminho, porque também era o dia do rodízio municipal de carros. Os outros quarenta quilômetros e os cento e cinqüenta da volta foram como costumavam ser: Boa música, garrafas de água e a mente livre. Relaxamento. Está tudo dentro de nós, sempre esteve.
sexta-feira, 4 de julho de 2008
Poda constante arbitrária e injusta
Entendo de planta o que aprendi sobre plantas no último ano e meio. Boa terra, água e cuidado. Talvez um pouco de carinho no trato, na boa energia que vai e volta. A poda. Saber quando e como cortar as folhas de manjericão, por exemplo, para que o resto da planta que fica no vaso não morra. Certos nãos são como podas radicais. Não seguido de não, acompanhado por outro não, por longo tempo, o não à toa pelo simples exercício arbitrário e injusto do não, tem o efeito da poda desastrada, que mata a planta. Mata a gente por dentro.
Sentimental
Sentimental, sentimental
Um coração saliente
Bate e bate muito mais que sente
Fica doente
Mas é natural, natural
Que num cochilo de agosto
Surja um outro alguém do sexo oposto
Do sexo oposto, outro alguém
Ontem vi tudo acabado
Meu céu desastrado
Medo, solidão, ciúme
Hoje eu contei as estrelas
E a vida parece um filme
Gemini, gemini, geminiano
Este ano vai ser o seu ano
Ou senão, o destino não quis
Ah, eu hei de ser
Terei de ser
Serei feliz
Serei feliz, feliz
Façam muitas manhãs
Que se o mundo acabar
Eu ainda não fui feliz
Atrapalhem os pés
Dos exércitos, dos pelotões
Eu não fui feliz
Desmantelem no cais
Os navios de guerra
Eu ainda não fui feliz
Paralisem no céu
Todos os aviões
É urgente, eu não fui feliz
Tenho dezesseis anos
Sou morena clara
Atraente
E sentimental
Sentimental, sentimental
Chico Buarque
Imagem de Elyzabeth Peyton
quinta-feira, 3 de julho de 2008
Esse sonho mão mais
Algum dia, quem sabe, eu aprenda mais sobre sonhos. Quase não sonho. Dizem que todos sonham, mas há os que não se lembram de seus sonhos. Eu não sei.
Mas reconheço a existência de sonhos premonitórios. Ou será que nosso subconsciente registra com rapidez certas situações, não assimiladas racionalmente, e as traz de volta nos sonhos para nossa compreensão?
Recentemente, meu filho sonhou com determinado animal. Procurei o significado e o alertei: Tinha tudo a ver com uma situação que ele vivia.
Sonhar com algumas pessoas é sinal certo de tristeza ou contrariedade.
Eu que não sonho, ou não me lembro dos meus sonhos, tive um sonho triste e ruim na noite passada. Corrijo: Tive um pesadelo, rico em detalhes, entre as cinco e seis da manhã. Vi nesse sonho o que eu jamais quis ver na vida real. Com certeza se encaixou no sonho com pessoas que deixam o dia da gente ruim e esquisito; afetam nossa concentração e ânimo, desequilibram nossa boa energia. Assim como a memória, talvez devamos ter sonhos seletivos.
Não segui o conselho de um amigo, que me falou para colocar uma tesoura de baixo do travesseiro para cortar pesadelo. Será que isso adianta? Com tesoura, ou sem, aquele foi um sonho para nunca mais.
Hoje eu sonhei contigo
Tanta desdita, amor
Nem te digo
Tanto castigo
Que eu tava aflita de te contar
Foi um sonho medonho
Desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha
E se urina todo
E quer sufocar
Meu amor
Vi chegando um trem de candango
Formando um bando
Mas que era um bando de orangotango
Pra te pegar
Vinha nego humilhado
Vinha morto-vivo
Vinha flagelado
De tudo que é lado
Vinha um bom motivo
Pra te esfolar
Quanto mais tu corria
Mais tu ficava
Mais atolava
Mais te sujava
Amor, tu fedia
Empestava o ar
Tu, que foi tão valente
Chorou pra gente
Pediu piedade
E olha que maldade
Me deu vontade
De gargalhar
Ao pé da ribanceira
Acabou-se o liça
E escarrei-te inteira
A tua carniça
E tinha justiça
Nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça
Descemo a ripa
Viramo as tripa
Comemos os ovo
Ai, e aquele povo
Pôs-se a cantar
Foi um sonho medonho
Desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha
E se urina todo
E já não tem paz
Pois eu sonhei contigo
E caí da cama
Ai, amor, não briga
Ai, não me castiga
Ai, diz que me ama
E eu não sonho mais.
Chico Buarque
Imagem de Ansel Adams
Mas reconheço a existência de sonhos premonitórios. Ou será que nosso subconsciente registra com rapidez certas situações, não assimiladas racionalmente, e as traz de volta nos sonhos para nossa compreensão?
Recentemente, meu filho sonhou com determinado animal. Procurei o significado e o alertei: Tinha tudo a ver com uma situação que ele vivia.
Sonhar com algumas pessoas é sinal certo de tristeza ou contrariedade.
Eu que não sonho, ou não me lembro dos meus sonhos, tive um sonho triste e ruim na noite passada. Corrijo: Tive um pesadelo, rico em detalhes, entre as cinco e seis da manhã. Vi nesse sonho o que eu jamais quis ver na vida real. Com certeza se encaixou no sonho com pessoas que deixam o dia da gente ruim e esquisito; afetam nossa concentração e ânimo, desequilibram nossa boa energia. Assim como a memória, talvez devamos ter sonhos seletivos.
Não segui o conselho de um amigo, que me falou para colocar uma tesoura de baixo do travesseiro para cortar pesadelo. Será que isso adianta? Com tesoura, ou sem, aquele foi um sonho para nunca mais.
Hoje eu sonhei contigo
Tanta desdita, amor
Nem te digo
Tanto castigo
Que eu tava aflita de te contar
Foi um sonho medonho
Desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha
E se urina todo
E quer sufocar
Meu amor
Vi chegando um trem de candango
Formando um bando
Mas que era um bando de orangotango
Pra te pegar
Vinha nego humilhado
Vinha morto-vivo
Vinha flagelado
De tudo que é lado
Vinha um bom motivo
Pra te esfolar
Quanto mais tu corria
Mais tu ficava
Mais atolava
Mais te sujava
Amor, tu fedia
Empestava o ar
Tu, que foi tão valente
Chorou pra gente
Pediu piedade
E olha que maldade
Me deu vontade
De gargalhar
Ao pé da ribanceira
Acabou-se o liça
E escarrei-te inteira
A tua carniça
E tinha justiça
Nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça
Descemo a ripa
Viramo as tripa
Comemos os ovo
Ai, e aquele povo
Pôs-se a cantar
Foi um sonho medonho
Desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha
E se urina todo
E já não tem paz
Pois eu sonhei contigo
E caí da cama
Ai, amor, não briga
Ai, não me castiga
Ai, diz que me ama
E eu não sonho mais.
Chico Buarque
Imagem de Ansel Adams
terça-feira, 1 de julho de 2008
Cotidiano
A sapataria da esquina
Lá, bem na esquina da Cardoso com a Itápolis, existe um sapateiro diferente de todos os outros. Alto e magro, de segunda a quinta ele veste calça social, camisa bem passada e gravata – as cores variam do rosa ao cinza claro e o tom de seus sapatos combina com o traje formal. Nas sextas feiras, ele assume o casual day e usa camiseta branquíssima, jeans e tênis. Seu estabelecimento fica na esquina da padaria e é composto por dois banquinhos de madeira: num ele se senta e no outro ele apóia a furadeira, que substitui o maquinário existente em qualquer sapataria. É com a furadeira que ele lixa e alisa os saltos consertados e as solas recém colocadas. É com ela, também, que ele lustra os sapatos. Tudo adaptado da forma mais criativa possível.
Para os dias de pico, que não são poucos, um auxiliar se ajeita como pode na calçada irregular e estreita. No mais, um martelo, pregos, graxas e panos.
Semana passada, o estabelecimento da esquina foi decorado com uma poltrona antiga para que as pessoas tenham seus sapatos engraxados com conforto.
Quase todos os empregados dos escritórios próximos – e são muitos - deixam nessa esquina seus sapatos para conserto. Outro dia, um senhor mal humorado reclamou sobre a ocupação da “rua pública” pelo mais novo empreendedor.
Nesses meses percebi o jeito do sapateiro, que passou do tímido para o seguro com desenvoltura.
Gosto daquela imagem. Gosto da ação positiva e honesta que transpõe a dificuldade e a lamúria.
Calçadas e pedestres
Calçadas estreitas, desniveladas, esburacadas e irregulares. Movimentadas. Calçadas movimentadas e estreitas. Não, bandos que insistem no andar vagaroso e concentrado, não. Pode parecer agradável o caminhar lento de pessoas que, lado a lado, conversam calmamente e ocupam toda a largura da calçada. Parece agradável. Mas não para quem quer passar em outro ritmo, sem conseguir.
Bufês impacientes
Não adianta virar e revirar a bendita folha de alface para tentar descobrir se existe alguma coisa além da alface. Se você optou por arriscar uma cisticercose, abandone o hábito de permanecer cinco minutos diante da travessa com folhas cruas. Por favor, deixe o papo furado para depois da balança e não empaque mais ainda a fila. Suco, refrigerante, água, cerveja, chá gelado... Para alguns tudo isso junto e à disposição pode gerar grave dilema existencial.
Lá, bem na esquina da Cardoso com a Itápolis, existe um sapateiro diferente de todos os outros. Alto e magro, de segunda a quinta ele veste calça social, camisa bem passada e gravata – as cores variam do rosa ao cinza claro e o tom de seus sapatos combina com o traje formal. Nas sextas feiras, ele assume o casual day e usa camiseta branquíssima, jeans e tênis. Seu estabelecimento fica na esquina da padaria e é composto por dois banquinhos de madeira: num ele se senta e no outro ele apóia a furadeira, que substitui o maquinário existente em qualquer sapataria. É com a furadeira que ele lixa e alisa os saltos consertados e as solas recém colocadas. É com ela, também, que ele lustra os sapatos. Tudo adaptado da forma mais criativa possível.
Para os dias de pico, que não são poucos, um auxiliar se ajeita como pode na calçada irregular e estreita. No mais, um martelo, pregos, graxas e panos.
Semana passada, o estabelecimento da esquina foi decorado com uma poltrona antiga para que as pessoas tenham seus sapatos engraxados com conforto.
Quase todos os empregados dos escritórios próximos – e são muitos - deixam nessa esquina seus sapatos para conserto. Outro dia, um senhor mal humorado reclamou sobre a ocupação da “rua pública” pelo mais novo empreendedor.
Nesses meses percebi o jeito do sapateiro, que passou do tímido para o seguro com desenvoltura.
Gosto daquela imagem. Gosto da ação positiva e honesta que transpõe a dificuldade e a lamúria.
Calçadas e pedestres
Calçadas estreitas, desniveladas, esburacadas e irregulares. Movimentadas. Calçadas movimentadas e estreitas. Não, bandos que insistem no andar vagaroso e concentrado, não. Pode parecer agradável o caminhar lento de pessoas que, lado a lado, conversam calmamente e ocupam toda a largura da calçada. Parece agradável. Mas não para quem quer passar em outro ritmo, sem conseguir.
Bufês impacientes
Não adianta virar e revirar a bendita folha de alface para tentar descobrir se existe alguma coisa além da alface. Se você optou por arriscar uma cisticercose, abandone o hábito de permanecer cinco minutos diante da travessa com folhas cruas. Por favor, deixe o papo furado para depois da balança e não empaque mais ainda a fila. Suco, refrigerante, água, cerveja, chá gelado... Para alguns tudo isso junto e à disposição pode gerar grave dilema existencial.
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