quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Ana Miranda

"Viste a menina pálida
Que ao baile não foi bailar?
Chorou toda a madrugada
Desmaiada no espaldar
Sapatinho de veludo
Mamãe me mandou ficar
Veio o moço capa e espada
Veio o ímpeto do dia
O travesseiro de pena
E toda a melancolia
Da janela sempre aberta
Passando a vida acolá

"O amor já é de si
Um grande arrependimento."

Debruçada no convento
Só não passa pensamento
Devaneio enfim não passa
E a chama que sempre arde
Ela reza e quer amar
Mas o amor não permite
Porque vive no limite
Abnegado tormento
O lamento não aceita
Não suporta a gelidez
De um vento sublunar
Receita de pão-de-ló
Forno de rosca caseira
Menina despedaçada
Bordando pano de prato
O pé fora do sapato
O tapete a desfiar

O tapete dos meus sonhos
Teus pés a cariciar"

* * *

"As rédeas da liberdade
Antes que passe a tarde
Antes que cesse o vento
A vida nunca é tarde
A vida nunca é solteira
A vida é uma brincadeira
Que se brinca sem brincar
Debaixo da laranjeira
Atrás do fogão a lenha
O muro de uma açucena
A queda da buganvília
A florzinha do jasmim
A vida nunca é pequena
Pequeno é o seu altar"

* * *

"Na igreja e na cozinha
Na panela a fumegar
Mexendo em tachos de cobre
Os doces de uma rainha
Morando em minha cintura
Nossa Senhora de Fátima
Nossa senhora da lágrima
Nossa senhora da cura
Nossa senhora do mel
Nossa senhora de pátina
Nossa senhora do esmero
Nossa senhora cristal
Minha senhora, socorro
Quase morro"

* * *

"E quando ali retornarmos
Verás que nunca nos fomos
Pois o lugar onde estamos
O lugar onde estaremos
É sempre o lugar que somos"

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