sábado, 4 de fevereiro de 2012

O exercício da poesia, a busca verbal de finalidade desconhecida, a percepção das palavras

É duro escrever sobre descobertas áridas e aprendizados tão cruéis quanto necessários, pedaços feridos desprendidos, arrancados, cicatrizados e outros cuidados com o zelo do distanciamento e do tempo curadeiro, a constatação que o fim, ah, o nosso fim independe do nosso entendimento e até mesmo do nosso querer.
Recentemente e no momento certo, tudo parece estar ligado ao momento certo, iniciei a leitura do livro de Andrew Solomon, “O demônio do meio-dia uma anatomia da depressão” e enfeito suas páginas com adesivos coloridos, minhas bandeirolas pessoais que definem quais ideias e frases merecem releitura, quais devem ser repensadas e assimiladas com mais atenção. Esta não será leitura fácil, caracterizada pela fluidez habitual, mas um bom desafio para concordar, discordar, se entristecer, descobrir e concluir: É isso! Não é apenas isso! 
“A depressão é a imperfeição no amor. Para podermos amar, temos que ser criaturas capazes de se desesperar ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar ou receber afeição. É a solidão dentro de nós mesmos que se torna manifesta, e destrói não apenas a conexão com os outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente apenas consigo mesmo. Embora não seja nenhum profilático contra a depressão, o amor é o que acolchoa a mente e a protege de si mesma” ou a rasteira inicial, o primeiro soco no estômago, o empurrão violento e inesperado da pessoa amada que estatela a moça preterida no chão. A moça não merecia ser empurrada, ninguém merece ser empurrado.
Considere o temor que o desconhecido provoca, porque pouco sabemos sobre a depressão, e acrescente a dificuldade de encontrar bons profissionais de saúde que saibam lidar com essa enfermidade. Sim, a depressão é doença; um desequilíbrio químico dizem alguns (tudo é química, já repararam?) estigmatizado socialmente pela nossa imensa ignorância, nosso estúpido preconceito. Há o risco de, com o tempo, tornar-se a genérica “virose" dos diagnósticos médicos imprecisos e limitados - eu temo a futura banalização da depressão.
Fatores genéticos e o meio externo colaboram para o desenvolvimento da depressão, mas não são preponderantes. A tristeza profunda e momentânea não pode ser confundida com a depressão, muito menos o comportamento menos positivo ou otimista diante das agruras da vida. Seria bom (ou desastroso) se todos tivessem o leve, positivo e alegre modo tralalá conectado tempo integral, o que não é humano tampouco normal, porque a minha reação diante de alguma circunstância não é igual a reação de outra pessoa, cuja reação difere da terceira. Somos complexos e parte da nossa complexidade é decorrente da nossa formação, da nossa vida familiar, dos valores assimilados e tantas outras variantes possíveis. É o que faz com que os estudos sobre a depressão apontem possibilidades e parametros por vezes arbitrários e ineptos, afinal, lidamos com o complexo estado de espírito para o qual a equação C1 (MHPG) - C2 (VMA) + C3 (NE) - C4 (NMN + MN) / VMA + C0 = escore tipo D agrupa lindamente um monte de letrinhas sem qualquer nexo e define mostrengos esquisitos como o 3-metoxi-4-hidroxifenilglicol, que nada mais é do que um composto que os não depressivos teriam em seus xixis. No entanto é quase impossível determinar até que ponto uma experiência específica conduz a um tipo de depressão.
A minha experiência, e só posso expor a minha experiência, inicia pela influência da depressão de alguém extremamente próximo, respeitado e amado: Minha mãe era depressiva e, às vezes, a depressão dela me fundeava, diminuía o meu "joie de vivre”; dedicar-se em demasia ao trabalho foi fuga (estudo recente determinou que o excesso de trabalho causa depressão) e também necessidade de suprir a limitação da equipe e dos recursos geridos por tantos anos; credulamente relacionar-se com pessoa abusiva deixaria a mais forte das criaturas depressiva; o enfrentamento solitário de doença grave pode ser motivo de depressão, assim como a descoberta parcial de informações fundamentais sobre si. Sem dúvida foi um amontoado de fatores costurados pela vida com esmero e criatividade ímpares. Um único desses elementos seria suficiente e o conjunto deles foi insuportável. E, cá entre nós, é mais do que dispensável o insensível e descabido comentário “você é forte”, porque para determinadas circunstâncias ninguém é.
No meu processo de cura desconsiderei o clínico geral que nos assiste em todos os males e pesquisei o psiquiatra mais adequado (não o neurologista, mas o psiquiatra). Cumpri religiosamente todas as orientações, afastei os focos e pessoas negativas, tomei os medicamentos nas dosagens prescritas: Venlafaxina, fumarato de quetiapina, bupropiona e cloxazolam. Remédio para dormir, para levantar, para viver e foi toda essa química usada para equilibrar a química do meu cérebro, que me fez tocar o fundo do abismo e nele me aconchegar até recuperar o fôlego para iniciar a subida à superfície. Cuidado! A medicação ajuda mas por si não cura, o esforço pessoal do enfermo é fundamental. Recuperar a fé foi essencial e não desacreditar do amor também. Após um ano, a depressão severa e incapacitante deixou de ocupar todo o espaço e desistiu de comandar minha vida. 
Para enfrentar a depressão considero importante a assunção da enfermidade da mesma maneira que alguém faria ao, por exemplo, comentar ser diabético ou alérgico a pelos de animais. Eu tenho depressão ou eu sou depressivo dito com a mesma normalidade do eu sou hipertenso, sem qualquer desconforto social. O depressivo não é mais fraco que os demais ou desequilibrado, como acreditam os preconceituosos e ignorantes. Procure o auxílio que estiver ao seu alcance e se afaste das causas da sua depressão, ou, no mínimo, diminua a influência que possuem sobre você. Engordar é uma das consequencias da depressão, não salutar é óbvio, mas inicie a arrumação do seu interno para depois se ocupar do exterior. Tenha paciência, aceite seu próprio carinho e dedicação. O tempo é fundamental para a cura assim como o amor. 
Para fortalecer a recuperação exercite o reconhecimento do seu próprio comportamento, das suas reações, e aprenda a se prevenir contra a depressão.
E aqui vai uma afirmação de entendimento temeroso, mas não menos verdadeiro: Se a depressão é a exaustão e a aridez emocional, o ausentar-se de si mesmo, a decadência e o caos, também é nascimento ou renascimento. É o refazer-se da ruína, uma das mais valentes e belas lições de vida. 

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