Na véspera da grande eleição persevero e ainda tento encontrar entusiasmo. Não sei se foram os onze anos de Brasília que me deixaram refratária à política ou se é o desencanto com os candidatos existentes. Fico bem triste com o despreparo e a confusão que continuam a fazer entre o público e o privado.
A única certeza que tenho é contrária ao voto obrigatório. Nós que esperamos tanto para votar, não deveríamos ser obrigados a exercer nosso direito se não existem candidatos que mereçam nosso voto. É triste, eu sei. Para piorar eu estou impressionada com as diversas justificativas das escolhas que ouço, nenhuma delas caracterizada pela condição meritória dos candidatos, em sua maioria desprovidos da natureza, da vocação e da capacidade para a nossa efetiva representação.
Reproduzo o texto de Ivan Lessa publicado na bbc. Bom humor é e sempre será essencial.
" As eleissão
Peço vênia para discordar. De uma porção de coisas, feito um candidato a deputado.
" As eleissão
Peço vênia para discordar. De uma porção de coisas, feito um candidato a deputado.
Como todo mundo sabe (é, vocês quatro) em matéria de votar, eu sou menos que principiante apesar da idade avançada. Nunca votei em minha vida. Porque era obrigatório. Proibiam de pastar na grama da praça, eu ia lá e me fartava. Proibiam de conversar com o motorista do ônibus, eu vivia puxando papo. A juventude é rebelde e eu era jovem.
Com os anos, a conjuntura do país viu que votar não estava mesmo com nada e deixaram essa frescura para lá. Só aí me deu vontade de votar. O moleque em mim amadurecera mas não aprendera nada. Deixaram-me, os “homi”, 21 anos sem pedir minha presença diante de uma urna eleitoral, por mais modesta que fosse.
A vida é dura. Por mais que a gente faça, acabamos aceitando suas sacanagens. Não é assim que se faz? Não é pra votar? Tudo bem. Entraram na minha. Não voto mesmo. De repente, como no esplêndido soneto do Vinícius, de repente, não mais que de repente, como quase tudo que se passa em nossa torrão, deram de novo para votar.
Aí a colher de chá virou chuá, conforme se dizia, na época de Getúlio e depois dos generais. Não se podia sair de casa sem uma escrutinização tendo lugar em plena via pública. Só dava altissonante alto-falante, cartaz na parede, discurso na esquina, digressões nos meios de comunicação e, principalmente, opinião. Opinião, opinião, opinião. Argumentos? Pouquíssimos. Palpite? Assim, ó, à beça!
Daí que chegamos a 2010. Eleição seguiu-se a eleição, com um pequeno impeachment no meio, feito a azeitona no martini seco. Pela parte que me toca, nada me tocou. Mudei de casa, estado, país. Não votando. Talvez para matar saudades da juventude perdida, aquela propalada aurora de nossa vida, nem passei perto de urna, presidente, mesário, esses bibelôs todos.
Agora, nesta quinta-feira, no dia em que digito estas mal informatizadas linhas, leio na primeira página virtual de nossas folhas que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não se decidiu se será necessário ou não para o eleitor levar, além do título, um documento made in Brazil que estampe foto do indivíduo que vai cumprir seu deverzinho cívico.
Parece que a indecisão é só pra me chatear. O negócio é complicar. Deve dar um dinheirão. A paranóia ronda aqueles de minha idade e em tudo vejo complôs e intentonas pessoais. Eu ia até o consulado brasileiro aqui, no domingo, dia 3, para votar. Só porque descobri, com um imenso atraso, confesso, que os analfabetos não só podem mas como são obrigados a votar. Minha alma é incapaz de um bê-a-bá. Ao dever cívico, pois, raciocinara este vosso criado.
Sim, no Brasil, o voto é obrigatório. Conto o fato para dois ou três amigos ingleses no pub, mostro o recorte da propaganda eleitoral da Mulher-Pera. Faço o maior sucesso. Dizem, em sua língua arrevesada, que eu sou “um pândego” e um “tremendo gozador”, que, em inglês, são duas expressões bem mais divertidas do que minha tradução.
Agora, quando, depois do sucesso de meu anedotário e da foto da Mulher-Pera, assim que me pagaram o próximo pint de lager, eu vou em frente e, sempre com base em nossa altaneira realidade (cada vez mais próxima de uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas), procuro abafar ainda mais e revelo: sim, votar é obrigatório, agora bacana mesmo é que analfabeto vota, mas não pode ser candidato. Impossível descrever a reação de Tom, Dick e Kevin. Viraram os olhos vermelhos, caíram do banco, entornaram a cerveja. Mas, e isso é importantíssimo, a próxima rodada me sai inteiramente grátis.
Não é culpa minha, não é safadeza, não é falta de patriotismo. É bebida fermentada de graça e vontade de agradar. Uma espécie de cartão-postal do Rio com o Corcovado e o Pão de Açúcar pelos quais optei como ilustração.
Agora, o que eles pedem para ver de novo é a Mulher-Pera. Só para ser diferente, tiro do bolso a outra foto que guardo para ocasiões especiais: a do palhaço Tiririca, acompanhada de minhas devidas elucidações. Palhaço aqui é coisa séria. Tom, Dick e Kevin, com uma inesperada frieza, se despedem e vão cuidar de suas vidas.
Onde foi que errei? Onde foi que erramos todos?"
Imagem obra de Saul Steinberg
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