Santo Agostinho escreveu que, entre as tentações, uma das mais perigosas era a “doença da curiosidade”, que nos levava a tentar descobrir os segredos da natureza, “aqueles segredos que estão além da nossa compreensão, que em nada nos beneficiarão e que o homem não deve tentar saber.” Foi, em outras palavras, o mesmo conselho que Deus deu a Adão e Eva no paraíso, advertindo-os a não comer o fruto da árvore do saber para não contrair a doença.
Eva – sempre elas – não se agüentou e comeu o fruto proibido. Resultado: o homem perdeu o paraíso da ignorância satisfeita e está, desde então, tentando descobrir que diabo de lugar é este em que o meteram, esta bola girando entre outras bolas num espaço imensurável, sem manual de instrução. Santo Agostinho e outros tentaram nos convencer a aceitar os limites do conhecimento. Tentar compreender mais longe só nos traria perplexidade e angústia e nenhum benefício. Mas a doença já estava adiantada demais.
A fase mais aguda da doença da curiosidade chegou com a inauguração, esta semana, num subterrâneo na fronteira da Suíça com a França, do tal acelerador gigante que jogará prótons contra prótons em condições inéditas para tentar produzir a origem de tudo, liberar uma subpartícula atômica que até agora só existe em teoria e chegar mais perto de descobrir como funciona o universo.
Quer dizer, os descendentes de Adão e Eva pretendem levar a rebeldia do casal ao máximo e espiar por baixo do camisolão de Deus. Segundo alguns, o que o novo acelerador também pode trazer é um castigo terminal pela desobediência humana: o desaparecimento num buraco negro não só dos cientistas envolvidos e de alguns suíços e franceses na superfície, mas do mundo todo. Como você e eu, que não temos nada a ver com a história, atrás.
O cataclismo é improvável, mas mesmo que a insubmissão do homem não seja punida, resta a outra questão posta por Santo Agostinho, a do beneficio. Que proveito, salvo para a vaidade científica, trará descobrir o que pretendem? Quanto mais se sabe sobre o funcionamento do universo mais aumentam a perplexidade e a angústia por não saber mais, por jamais se poder compreender tudo – pelo menos não com este cérebro que mal compreende a si mesmo.
Mas a toxina daquela fruta era forte e ainda age no organismo. E a doença é incurável.
Luis Fernando Veríssimo
Imagem de Eisenstaedt
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