quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Os tribalistas - Velha infância

Conceitos

Para ela, o amor nunca termina.
Para ele, é um conceito abstrato.


"Os amantes" de John Cassavetes,
com Gena Rowlands.

Vocês, quem?


"Não quero assustar ninguém, mas vou contar. Já tive contato com um extraterrestre.
Desconfiei quando ele disse 'Vocês são engraçados...' e eu perguntei:
- Vocês quem? Vocês brasileiros? Vocês carecas? Vocês míopes? Destros?
Cardiopatas? Torcedores do Internacional?
E ele respondeu:
- 'Vocês, gente'.
E me confessou (já tinha bebido um pouco) que não era deste mundo, era de outro, e estava prospectando o Universo inteiro atrás de um planeta para ser colonizado pelo seu. Achava que tinha, finalmente, encontrado este planeta. Era a Terra. No seu relatório, recomendaria que a Terra fosse ocupada e sua principal riqueza natural explorada, pois era o que faltava no planeta do qual viera. Diria no relatório que não seria problema invadir a Terra, pois estávamos recém-começando a usar o laser como arma, e ainda não descobríramos o poder destrutivo do kiwi, e seríamos facilmente dominados. Perguntei qual era a riqueza natural que nós tínhamos e eles não e o extraterrestre respondeu 'A poesia'. E perguntou:
- Você sabe que a Terra é o único planeta do universo conhecido em que as pessoas dão nome aos ventos?
Fiquei lisonjeado com aquilo, pensando ' Taí, somos todos poetas e não sabíamos' e perguntei se não havia poetas no planeta deles. Claro que não, disse ele. Ou como eu imaginava que eles tinham se tornado uma civilização tão avançada?

Luis Fernando Verissimo

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Feliz fé

”Cantiga dos pastores


À meia noite no pasto,
guardando nossas vaquinhas,
um grande clarão no céu
guiou-nos a esta lapinha.
Achamos este Menino
entre Maria e José,
um menino tão formoso,
precisa dizer quem é?
Seu nome santo é Jesus,
Filho de Deus muito amado,
em sua caminha de cocho
dormia bem sossegado.
Adoramos o Menino
nascido em tanta pobreza
e lhe oferecemos presentes
de nossa pobre riqueza:
a nossa manta de pele,
o nosso gorro de lã,
nossa faquinha amolada,
o nosso chá de hortelã.
Os anjos cantavam hinos
cheios de vivas e améns.
A alegria era tão grande
e nós cantamos também:
Que noite bonita é esta
em que a vida fica mansa,
em que tudo vira festa
e o mundo inteiro descansa?
Esta é uma noite encantada,
nunca assim aconteceu,
os galos todos saudando:
O Menino Jesus nasceu"


Adélia Prado

Feliz esperança

"No presépio


Minha alma debate-se, tentada à tristeza e seus requintes. Meu pai morto não vai repetir este ano: ‘Nada como um frango com arroz depois da missa’. Minha irmã chora porque seu marido é amarradinho com dinheiro e ela queria muito comprar uns festões, uns presentinhos mais regalados, ô vida, e ele acha tudo bobagem e só quer saber de encher a geladeira com mortadela e cerveja.
Talvez, por isto, ou porque me achei velha demais no espelho da loja, sinto dificuldades em ajudar Corália. Queria muito chorar, deveras estou chorando, às vésperas do nascimento do Senhor, eu que estremeço recém-nascidos.
Estou achando o mundo triste, querendo pai e mãe, eu também. Corália disse: você é tão criativa! E sou mesmo, poderia inventar agora um sofrimento tão insuportável que murcharia tudo à minha volta. Mas não quero. E ainda que quisesse, por destino, não posso. Este musgo entre as pedras não consente, é muito verde. E esta areia. São bonitos demais! À meia-noite o Menino vem, à meia-noite em ponto. Forro o cocho de palha. Ele vem, as coisas sabem, pois estão pulsando, os carneiros de gesso, a estrela de purpurina, a lagoa feita de espelhos. Vou fazer as guirlandas para Corália enfeitar sua loja. A radiação da ‘luz que não fere os olhos’ abre caminho entre escombros, avança imperceptível e os brutos, até os brutos, banhados. Desfoco um pouco o olhar e lá está o halo, a expectante claridade, em Corália, em Joana com seu marido e em mim, também em mim que escolho beber o vinho da alegria, porque deste lugar, onde ‘o leão come a palha com o boi’, esta certeza me toma: ‘um menino pequeno nos conduzirá’.”



Adélia Prado

Poema de natal


Aos meus pais

Lembrados, visitados e acarinhados hoje, pelo meu filho e por mim.

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos coraçõesS
e deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.”


Vinicius de Moraes

domingo, 23 de dezembro de 2007

Peace train


"Now I've been happy lately,
thinking about the good things to come
And I believe it could be,
something good has begun.


Oh I've been smiling lately,
dreaming about the world as one
And I believe it could be,
some day it's going to come.


Cause out on the edge of darkness,
there rides a peace train.
Oh peace train take this country,
come take me home again.


Now I've been smiling lately,
thinking about the good things to come
And I believe it could be,
something good has begun.


Oh peace train sounding louder.
Glide on the peace train

Come on now peace train

Yes, peace train holy roller.
Everyone jump upon the peace train
Come on now peace train.


Get your bags together,
go bring your good friends too
Cause it's getting nearer,
it soon will be with you.


Now come and join the living,
it's not so far from you
And it's getting nearer,
soon it will all be true.


Oh peace train sounding louder

Glide on the peace train
Come on now peace train

Now I've been crying lately,
thinking about the world as it is
Why must we go on hating,
why can't we live in bliss.


Cause out on the edge of darkness,
there rides a peace train
Oh peace train take this country,
come take me home again.


Oh peace train sounding louder
Glide on the peace train
Come on now peace train

Yes, peace train holy roller
Everyone jump upon the peace train
Come on now peace train"

Cat Stevens

Mais uma véspera de natal

Neste natal praticaremos a suave e terna liberdade.
É muito ruim quando o natal vem pleno de obrigações,
comportamentos preestabelecidos, etiquetas e convenções.
Se quisermos mudar de idéia os ingredientes para a folia
em casa estão à disposição.
Alguns convites e dois considerados – de pessoas queridas
que há anos nos acompanham.
Meu filho optou pelo primeiro.
Eu o acompanho.
Somos livres.
Kazantzakis conceituou a liberdade com precisão e poesia impressionantes.
Estender as mãos, meu filho. É isto que faremos neste natal.
Com dignidade, sem que a mão esquerda saiba o que a direita faz.

Milkshake de chocolate

Almocei com dois autodenominados 'machos de respeito'.
Confesso que fiquei impressionada com o modo de pensar
desses espécimes cada vez mais raros e especiais.
Confesso também que pensei: Onde foi que erramos?
O espírito natalino impediu-me de praticar a retórica afiada.
A bem da verdade assimilo o que ouvi.

Sabedoria de harpia

E ? Faço o que com isso?
Fora de contexto, sem perspectiva, fora de propósito, faço o que com isso?
Regatear carinho e bem querer por tanto tempo é coisa de gente muito estranha.
Certas coisas independem de tempo, espaço ou situação.
Eu digo que amo, pois, diga que ama também.
Não espere dois, três dias, por que o encanto cansado desaparece e a essência se perde, junto com seu melhor.
Fica a sopa de letrinhas fria e indigesta a dizer o nada.
A caixa carinhosamente guardava cada suspiro, aceno e olhar.
Ficou vazia, como cada suspiro, aceno e olhar que estavam guardados.
O melhor aprendizado do tempo permite maior sabedoria e o reconhecimento de absurdo e precioso desperdício.

Cabelos cacheados

Os cabelos são cacheados.
Não quero cabelos lisos.
De que valem cabelos lisos e idéias enroladas dentro da cabeça?

Café

Eu não gosto de café.
Eu tomo café com chocolate, açúcar, creme para ter o menos gosto possível de café.
O café desta semana merece especial deferência. Veio com suporte, sábias
palavras e generosidade. Colorida generosidade; prateada para ser mais exata.
Bem querer que retorna, fortalece e faz crescer a origem.

Cordeiro e quiche

Não é nada para quem sabe e gosta, mas é tudo para quem é aprendiz.
Prendi os cabelos e resolvi preparar minha primeira quiche de queijo.
Livro de receitas? Não.
O PC conectado sobre a mesa da cozinha, com a receita recém recebida por e-mail a desafiar a ousadia da tela de cores vivas.
O bom de receita é incrementá-la e emprestar toque pessoal que faça diferença.
Usei noz moscada, manjericão e alguns tipos diferentes de queijos.
A massa ficou mais tempo na geladeira e a temperatura do forno foi desconsiderada.
O mesmo fiz com a paleta de cordeiro – tenra, pequena, do jeito que gosto, sem o forte odor de bicho grande e velho.
Para o cordeiro usei ramo das ervas que aprecio e pus a peça em marinada por mais tempo. Ousada. Ficou muito boa, mas sem o sabor especialíssimo do cordeiro preparado pela minha mãe. Para chegar àquela perfeição são necessários muitos anos de treino e costeletinhas, pernis e paletas s
em fim.
Aprendi o segredo do correto uso do papel alumínio para o cordeiro.
Em verdade acho que gosto de compartilhar o espaço chamado cozinha com que entende.

A confraria dos pescoços especiais

Há dois dias, enquanto tomava meu delicioso, gelado e doce suco de melancia e escolhia o agrado de chocolate e canela para meu filho, deixei o cão amarrado do lado de fora da super casa de pães.
Ao sair encontrei uma mulher alegre e carinhosa, que fazia a maior folia com o cão.
Encantada parei para curtir a brincadeira e iniciamos agradável conversa que durou bastante tempo, as duas, ali, em pé na calçada, numa agradável tarde de começo de verão.
Falamos sobre o cão, o bem que sua presença faz e com gestos elegantes, discretos, apresentamos nossos pescoços, as duas confreiras da nova e especial irmandade dos sinais verticais na região entre o tronco e a cabeça.
O meu, bem mais recente, completou sete meses; o dela, mais respeitoso e solene, a considerar a hierarquia que existe em qualquer associação, ocorreu há doze anos.
Desatendida toda coincidência e mantida e mansidão das ações que ocorrem sem mais nem por que e enriquecem a vida da gente, desde que os corações estejam abertos e as mentes receptivas, reconheço que identifiquei na alegre, vivaz e simpática Vânia – motociclista de primeira ordem – uma parte minha que resgato e a certeza que, realmente, o sinal do pescoço identifica especial sina e confere passagem por interessante portal
Compartilhar generosamente experiências e conhecimentos permite a elucidação de dúvidas muitas vezes desconsideradas por profissionais especializados que deveriam, por ofício, entender o que ouvem e saber sobre o que falam.
Às vezes, o jaleco caiado se transforma em armadura sem cor, que reflete todo tipo de luz e nada retém ou absorve.
Não digo que o advogado criminalista deve ser preso para melhor defender seus possíveis clientes, nem que os médicos devem ter a pele queimada para melhor entender seus pacientes traumatizados, mas é imprescindível considerável dose de compaixão e solidariedade. Honestidade. Competência.
Algumas rotas errantes serão corrigidas.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Amor e neurociência

Esclarecimento banal sobre conhecimento que cada ser, verdadeiramente pensante, traz dentro de si. Amar faz bem e estar perto da pessoa amada é essencial. O resto, simplesmente, não existe. As marcantes prolactina e ocitocina relembram que a química é fundamental e independente - surge quando bem entende e permanece por vontade própria. Certas coisas não são controláveis, nem substituíveis.


"Definir o amor tem sido assunto reservado aos poetas. Mas a neurociência, quem diria, já pode dar os seus pitacos - ao menos para explicar por que amar e ser amado são desejos tão fortes e presentes em nossa espécie. Considerados inviáveis dez anos atrás, dada a subjetividade do assunto, exames do cérebro de voluntários que contemplam imagens da pessoa amada ou a abraçam são hoje em dia bem aceitos pela ciência. Esses estudos mostram de que é feita a experiência do amor pelo cérebro. A presença do ser amado ativa o sistema de recompensa, trazendo sensações de prazer, felicidade e bem-estar como um todo, que, de quebra, nos ensinam a associar a tais sensações positivas o objeto de nosso amor e nos fazem querer continuar em sua presença e até ansiar por ela. Essa ânsia é especialmente intensa quando o amor é reforçado por sexo - o bom sexo, voluntário e prazeroso, que, com o orgasmo, leva à liberação de hormônios como a ocitocina, que ativam ainda mais o sistema de recompensa. Se o amor é correspondido, a presença da pessoa amada é também calmante. Mesmo longe de levar ao orgasmo, um abraço já aumenta a liberação de ocitocina, que, além de estimular o sistema de recompensa, reduz a atividade das estruturas do cérebro responsáveis pelo medo e facilita a aproximação. Abraços amorosos nos deixam menos temerosos e desconfiados e, por conseguinte, mais confiantes no outro, otimistas e dispostos a abaixar a guarda. Sentir-se amado é um grande ansiolítico. Quem de fato recebe a atenção e os cuidados do objeto do seu amor não se sente sozinho e tende a ter respostas mais saudáveis ao estresse, inclusive com a produção de quantidades menores do hormônio cortisol - aquele responsável pelos estragos do estresse crônico. Receber um abraço dessa pessoa já basta também para diminuir instantaneamente o nível de cortisol no sangue. Até o sexo é ansiolítico, por levar, com o orgasmo, à liberação de prolactina - uma grande responsável pela sensação de bem-estar e relaxamento físico e mental que se seguem. Dar apoio moral é uma grande demonstração de amor, crucial para manter saudável a resposta ao estresse de quem o recebe. Mas dar carinho a quem se ama é a mais inequívoca demonstração de amor, tão importante que conta com um sistema de nervos específico para detectá-la. Por isso, não basta amar; é preciso fazer o outro se sentir amado."


(Suzana Herculano-Houzel é neurocientista e professora da UFRJ. Texto publicado em 20.12.07, na Folha de São Paulo.)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Jingle bells

"Jingle bells, jingle bells
Jingle all the way,
Oh what fun it is to ride
In a one-horse open sleigh"

Feliz natal, feliz ano novo, vida nova, tudo de bom, bom dia, tudo bem? eu te amo, olá, bom final de semana, blá blá blá blá blá blá blá blá.

Avalanche de compromissos, presentinhos, lembranças, confraternizações,
pseudo trocas, excessos, carências, viagens, teatros, camuflagens, tristezas e angustias travestidas de esperança, quereres, assanhamentos, ansiedades, intrusões.
Esta época do ano e a carga que surge com as datas pré-determinadas para, obrigatoriamente, tentar ser feliz e renovar a dispensa de desejos, vontades, comandos e desmandos em prol de cada umbigo.

Neste acerto de contas que vem com o final de cada período, quero o melhor para todos que durante o ano inteirinho estiveram presentes, juntos, ao lado, secaram lágrimas, deram abraços fortes, foram humanos, olharam com firmeza e dedicação, compartilharam segredos, definiram solidariedade, torceram, fizeram carinho, oraram pela cura, puxaram orelhas, compreenderam, dedicaram-se, ofertaram-se, entregaram-se, compartilharam-se com verdade, honestidade e sem qualquer contrapartida. É para estes, minha boa vibração.

Igualmente, para os desvalidos, solitários, desesperançados, maltratados, injustiçados e desconsiderados, para que não recebam doações culposas e hipócritas, mas para que conquistem a condição de prevalecer suas dignidades.

A fartura aparente sobre as mesas está impregnada pela carestia da circunvizinhança. Este não é, de fato, o real espírito.

O natal e o ano novo acontecem dentro de cada um, sem datas específicas, sem rituais ou sortilégios. Começam pela paz interna, fluem pela fé e sempre resultam em milagre.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Debaixo das Oliveiras

"Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras.

O mês em que a brisa me pôs nas mãos
uma harpa de folhas
e a terra me emprestou
sua flauta e sua lua.
Maré viva. Meu sangue atravessado
por um cometa visível a olho nu
tangido por satélites e aves de arribação
navegado por peixes desconhecidos.

Este foi o mês em que cantei
como quem morre e ressuscita
no terceiro dia
de cada sílaba.

O mês em que subi a uma colina
dentro de minha casa
olhei a terra e o mar
depois cantei
como quem faz com duas pedras
o primeiro lume. Palavras
e pedras. Palavras e lume
de uma vida.

Este foi o mês em que fui a um lugar santo
dentro de minha casa.
O mês em que saí dos campos
e me banhei no rio como quem se baptiza
e cantei debaixo das oliveiras
as mãos cheias de terra. Palavras
e terra
de uma vida.

Este foi o mês em que cantei
como quem espelha ao vento suas cinzas
e cresce de seu próprio adubo
carregado de folhas. Palavras
e folhas
de uma vida.

O mês em que a mulher
tocou meus ombros com sua graça
e me deu a beber
a água pura do seu poço.
Este foi o mês em que o filho
derramou dentro de mim
o orvalho e o sol
de sua manhã.

O mês em que cantei
como quem de si se perde e reencontra
nas coisas novamente nomeadas.

Este foi o mês em que atravessei montanhas
e cheguei a um lugar onde as palavras
escorriam leite e mel.
MILAGRE MILAGRE gritaram dentro de mim
as aves todas da floresta.

Então reparei que era o lugar do poema
o lugar santo onde cantei
entre mulher e o filho
como quem dá graças.

Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras."

Manuel Alegre

Obrigada, meu amigo Jorge Uzueli, por sempre me ensinar tantas coisas importantes.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Paradoxos

"O homem brilha pela ausência


Creio que, das cartas que tenho recebido, a de Jandira é uma das mais interessantes. Ela explica, às primeiras palavras, a natureza do seu drama: 'Acontece comigo uma coisa interessante. Brigo muito com Adalberto. E só acho, verdadeiramente, graça nele na sua ausência.' Aparentemente, o caso de Jandira é extraordinário. Uma mulher que prefere o bem-amado longe! Uma mulher que não deseja vê-lo! E, no entanto, este é um caso bastante comum. Direi mais: - a maioria das mulheres acha mais encanto no ausência que na presença do seu namorado, noivo ou esposo. Absurdo? Paradoxo? Não nada disso. Pura e simples evidência de todos os dias. E o fenômeno me parece lógico e natural. Senão, vejamos. Nós sabemos que todos os homens amam, inclusive os esquimáus. Portanto, milhões e milhões de homens. Dentro dessa quantidade tremenda - quantos homens cultos, inteligentes, interessantes? Uma minoria ínfima, irrisória. No caso da população brasileira, por exemplo. Digamos que tenhamos, no Brasil, vinte milhões de homens. Seria pedir muito querer vinte milhões de galãs de fitas de cinema. Impossível, absolutamente impossível. Se todo mundo fosse interessante, haveria uma valorização súbita e irresistível do homem desinteressante. E, por um motivo muito simples: é que ele se tornaria raro, excepcional, ultracotado. Mas, por enquanto, o que existe, multiplicado por não sei quanto, é o namorado ou noivo ou esposo desinteressante. Chegamos, então, a um ponto crucial: que deve fazer a mulher de um cidadão nessas condições? Antes de mais nada, não nos cabe nem mesmo direito de desejar que o chamado homem desinteressante desapareça. Porque assistiríamos a um espetáculo tenebroso; ou seja: o súbito despovoamento do mundo. Logo, ele deve sobreviver. E as mulheres são obrigadas a apelar para esse tipo de homem, porque o outro quase não existe. Conheço mulheres que nascem, criam-se, envelhecem e morrem, sem, jamais, terem visto um indivíduo que, do ponto de vista amoroso, seja ótimo. Muito bem. Digamos que eu me apaixone por um cidadão assim. Não posso achar a mínima graça na sua presença, porque ele é desinteressante. Tenho dois caminhos: ou deixar as coisas como estão, ou romper com ele. Mas romper não resolve nada. Porque deixo um cidadão sem encanto, e vou achar outro, nas mesmas condições (salvo a hipótese, improvável, de uma descoberta sensacional). Que faço eu? Se a presença do meu amado não me empolga, nem nada, apelo para a sua ausência. Recurso infalível! Sob a sua presença, eu o vejo como ele é, na realidade. Quero dizer, limitado, sem espírito, sem inteligência e, às vezes, feiísssimo. Já na ausência, tudo muda. Vejo-o não como ele é, mas como eu o quero, pois o que funciona é a minha livre criadora imaginação. Componho, para mim mesma, para meu regalo especial, a imagem de um homem fabuloso, que nada tem a ver com o meu amado; ou por outra, é o meu amado, mas exaltado, transfigurado, superaperfeiçoado. Eis por quê, na maioria dos casos, os homens ganham tanto com a ausência. O caso de Jandira pode se enquadrar perfeitamente nesses termos. Ela gosta de um homem que, de corpo presente, não a consegue impressionar, não consegue lhe transmitir nenhuma sensação de deslumbramento. Já que ela não deseja acabar com o romance, deve ver o menos possível o seu namorado e procurar valorizá-lo, durante a ausência. É a única solução para o caso."

Myrna


("O consultório sentimental de Nelson Rodrigues" - Diário da Noite, 1949)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Rumi

“Se alguém lhe perguntar como se desvela
a mais perfeita sensação do gozo,
eleve os olhos e diga

Assim.

E quando alguém mencionar
a graça do céu noturno,
suba no telhado, dance, e diga

Assim?

Se alguém quiser saber o que é
o espírito, ou a essência de Deus,
incline a fronte em sua direção,
mantenha o rosto colado

assim.

E quando alguém evocar a velha poesia
das nuvens que, aos poucos, encobrem a lua,
afrouxe pouco a pouco os nós da tunica.

Assim?

Se alguém quiser saber como Jesus
levantou os mortos das tumbas,
não tente explicar o milagre.
Beije seus lábios.

Assim. Assim.

E quando alguém perguntar
o que é morrer por amor,
faça um sinal

aqui.

Se alguém quiser saber quão alto é,
hesite, e meça com seus dedos
os espaços entre as rugas da sua testa.

Deste tamanho.

A alma às vezes larga o corpo,
e então retorna. Se alguém não acreditar,
volte para a minha morada.

Assim.

Quando os amantes sussurram,

estão contando a nossa
história

Assim.

Eu sou um céu onde espíritos vivem.
Mergulhe neste azul profundo
onde a brisa espalha segredos

Assim.

Quando alguém perguntaro que
há de se fazer,
acenda a vela em suas mãos.

Assim.

Como o perfume de José
chegou a Jacó?

Shhhhhhh!

E como retornou
o suspiro de Jacó?

Shhhhhhh!

A brisa suave limpa os olhos.

Assim.

Quando Shams retornar de Tabriz,
seu rosto há de mostrar-se atrás da porta,
e nos surpreenderá.

Assim.”

Obrigada, amigo Felipe, pelo lindo poema.

Sentimos mais Rumi e aprendemos algo
sobre os dervishes em Kônia, na Turquia.

Sensorial

Certos prazeres sutis e suaves são tão plenos e intensos,
que me fazem duvidar do real significado de certas palavras.
No puro mundo sensorial tudo deixa de ser.

Agregar

Certas pessoas têm a capacidade de agregar.
Outras dispersam.

Preguiça gostosa

Domingo é o dia do melhor almoço-conversa que temos.
Sair de casa? Preparar gostosuras?
Carne vontade de comer carne gostosa com certos acompanhamentos.
Picanha para ser mais precisa.
Você leva o cão para o banho e eu cuido do almoço.
Sim, cuidei do telefonema para o almoço e arrumei a mesa do jeito
que merecemos.
Surpresa!

Condimentados affairs

Feijoada rápida em sábado calorento
não é das melhores coisas nesta vida.
Feijoada boa é acompanhada por papo
gostoso, bebidinhas e tempo de sobra.

Materna e filial

Dedicamos-nos amorosa condescendência.
Mantive a imagem por uma semana, antes de mostrá-la ao meu filho.
A manutenção da imagem é prova suficiente do quanto sou humana e falível.
Bem sei o quanto este tema o chateia porque me faz sofrer.
Por me amar ele não quer que eu sofra.
Mesmo assim, não se esquivou de analisar cada detalhe.
Conhece.
Expôs o que viu.
Aprendeu a ver mais do que eu.
Oferece o que sente com mais clareza do que eu.

Materna

A pouca diferença entre mãe e filho permite vivências similares.
O filho deixa de ser filho e a mãe deixa de ser mãe – como se

fosse possível – e nos tornamos melhores amigos.

sábado, 8 de dezembro de 2007

War is over ! We want it











A melodia do meu samba põe você no lugar

"Me larga, não enche
Você não entende nada
Eu não vou te fazer entender
Me encara de frente
É que você nunca quis ver
Não vai querer, não quer ver
Meu lado, meu jeito
O que eu herdei de minha gente
Nunca posso perder
Me larga, não enche
Me deixa viver
Me deixa viver
Me deixa viver
Me deixa viver
Cuidado, oxente!
Está no meu querer poder fazer você desabar
Do galho
Nem tente
Manter as coisas como estão por que não dá
Não vai dar
Quadrado, demente
A melodia do meu samba põe você no lugar
Me larga, não enche
Me deixa cantar
Me deixa cantar
Me deixa cantar
Me deixa cantar
Eu vou clarificar a minha voz
Gritando nada mais de nós
Mando meu bando anunciar
Vou me livrar de você
Harpia, aranha
Sabedoria de rapina e de enredar, de enredar
Galinha, pirata
Minha energia é que mantém você suspenso no ar
Pra rua, se manda
Sai do meu sangue, sanguessuga
Que só sabe sugar
Pirata, malandro

Me deixa gozar
Me deixa gozar
Me deixa gozar
Me deixa gozar
Vadio, vampiro
O velho esquema desmorona desta vez pra valer
Tarado, mesquinho
Pensa que é o dono, eu lhe pergunto
Quem lhe deu tanto axé?
À toa, vadio
Começa uma outra história aqui na luz deste dia D
Na boa, na minha
Eu vou viver dez
Eu vou viver cem
Eu vou viver mil
Eu vou viver sem você
Vadio, vampiro
O velho esquema desmorona desta vez pra valer
Tarado, mesquinho
Pensa que é o dono, eu lhe pergunto quem lhe deu tanto axé?
À toa, vadio
Começa uma outra história aqui na luz deste dia D
Na boa, na minha
Eu vou viver dez
Eu vou viver cem
Eu vou viver mil
Eu vou viver sem você
Eu vou viver sem você
Na luz desse dia D
Eu vou viver sem você. "

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

From you have I been absent in the winter



"Then hate me when thou wilt, if ever, now,
Now, while the world is bent my deeds to cross,
Join witn the spite of fortune, make me bow,
And do not drop in for an after-loss.
Ah, do not, when my heart hath' scaped this sorrow,
Como in the rearward of a conquered woe;
Give not a windy night a rainy morrow,
To linger out a purposed overthrow.
If thou wilt leave me, do not leave me last,
When other petty griefs have done their spite;
But in the onset come, so shall I taste
At first the very worst of fortune's might;
And other strains of woe, wich now seem woe,
Compared with loss of thee, will not seem so."

Shakespeare

domingo, 2 de dezembro de 2007

Tepelatia

Ando em fase na qual o verbo deve ser acompanhado pela ação.
Em certos casos, mais ação do que verbo.
Não, ainda não desenvolvi a capacidade telepática para saber o que vai pela cabeça dos outros.
Nem quero desenvolver. Algumas vezes essa descoberta é ruim.
Não, nunca quis convivências fugazes e vazias por que a vida é muito mais do que isso.
Não, continuo a não admitir a perda de preciosas oportunidades para resgate.

Reincidência

Mas era justamente sobre isso mesmo que você reclamava, não?
Que coisa! Comprou reincidente gato por lebre.
Certos comportamentos não mudam.























Let's have a party

Em casa sempre fizemos as coisas pelo outro e quando as coisas são feitas pelo outro, ainda mais num círculo tão restrito, ocorre o retorno que, muitas vezes, é mais intenso e pleno de carinho do que o nosso próprio dedicar.
Igualmente, cultivamos muito o respeito mútuo. Com naturalidade consideramos o espaço, as coisas, os sentimentos, os gostos e quereres do outro e fortalecemos a saudável convivência que, dificilmente, será encontrada em outro lugar. Praticamos a querência.
Mesmo quando sabemos que o outro está errado em suas escolhas e ações, nosso julgamento não nos impede de sempre manter o mesmo comportamento: O respeito e a dedicação permanecem, até aumentam.
Assim, em constante processo, as qualificações de cada um, servem para suplantar os defeitos do outro.
Sem dúvida, tudo isso e um pouco mais, nada mais é do que praticar o amar que se torna correlato do permanecer; assim, do amor incondicional e respeitoso que é demonstrado, alimentado, prevalece e se firma, surje a única e exclusiva causa do prosseguir e do persistir.
Reconheço não existir relacionamento melhor do que este, que se expande e contagia os que estão próximos, que passam a integrar nosso núcleo familiar e a compartilhar parte dos mesmos privilégios.
Desde que voltamos para nossa cidade, não havíamos aberto nossa casa para os que nos são queridos; mas como tudo tem seu tempo certo, passadas enfermidades e pesares, aproveitamos datas distintas pelo mesmo motivo. Arregacei as mangas e disse para meu filho que comemoraríamos a entrada do ultimo mês do ano e ele, com seu divertido jeito, convidou seus melhores amigos para comemorarmos meu aniversário.
Elaboramos a lista de convidados com a preocupação de recebermos pessoas afins em quatro núcleos diferentes, para que todos se sentissem bem e partimos para os detalhes.
Reconheço que desde garota os detalhes do preparo de um encontro me encantam. Gosto muito de arrumar a casa, ofertar coisas gostosas, criar afinidades entre as diferenças e conferir aos detalhes parte do que sou.
Quero que todo o ambiente interaja sem que ocorra a perda da possibilidade de se manter algum diálogo mais reservado. Escolho as músicas de fundo, dou especial atenção ao colorido dos tapetes e complementos, à iluminação, às flores, às velas, ao arejamento, ao aroma (lógico que me preocupo em aspergir deliciosa água de flores provençais, ou, libanesas, em ritual que pratico com muito carinho), à circulação, ao conforto e ao segundo ambiente para maior diversão – jogos sempre são bem-vindos – e às particularidades de cada um. Quero que a minha casa se torne extensão da casa dos meus convidados o que somente é possível quando as pessoas se sentem confortáveis e bem-vindas. Penso na melhor refeição, no sabor e na facilidade que quero que desfrutem, sem que tenham que praticar qualquer malabarismo para ingerir o alimento. Preocupo-me em ter alimentos frescos e opções para todos os gostos porque, mesmo sem que eu saiba, cada vez mais meus amigos se tornam vegetarianos, ou, abandonam a carne vermelha (eu não), além de bebidas que satisfaçam – ah! Filho, que prazer reconhecer que as bebidas ficaram sob sua responsabilidade e você me superou.
Enquanto circulava para me certificar que todos estavam bem ouvi comentários sobre nossas amizades que duram anos. É verdade. Enquanto apresentava alguns convidados, me dei conta que nos acompanhamos, no mínimo, há mais de vinte anos. Outro reconhecimento: Eu mesma estou mais à vontade, a ponto de compartilhar imagens e matar a saudade de alguns, e chamar minha amiga querida para juntas cortarmos as frutas da incrementada salada – qual fruta combina melhor com qual e o suco fresco de laranja no final - enquanto conversávamos sobre melões, tapete e o guarda-chuva italiano cheio de detalhes de minha mãe.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Táticas e estratégias

"Minha tática é
olhar-te
aprender como és
querer-te como és


minha tática é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível


minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
mas ficar-me em vós


minha tática é
ser franco
e saber que és franca
e que não nos vendamos
simulacros
para que entre os dois


não haja cortina
nem abismos

minha estratégia é
por outro lado
mais profunda e mais
simples
minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites"


Mario Benedetti

Balão

Errou na mão. Errou feio na mão.
Foi tamanha a ausência que acostumei a não sentir tanta falta.
Se fosse equânime - o mínimo - eu ainda estaria na palma da mão.

Átomos dançantes

Ando boba, boba de tudo. Meio anestesiada, meio etérea. Talvez faça parte do binômio brisa marinha e iceberg, a leveza suave permeada pelo duro gelo compacto. Há dois dias quebrei por dentro. Quando quebro choro sem parar. E quanto mais tento estancar o aguaceiro, mais choro.
Puxa, será que você não entende o mecanismo do choro? Será que você não percebeu que ainda não sucumbiu de vez, por que deixa a alma aguar? Quer dizer, você não deixa, mas sua alma é rebelde.
Várias vezes me disseram que sou marcante. Não sei bem o que isso significa. Sei que há algum tempo faço esforço danado para passar desapercebida, ensimesmada que estou (não sou). Às vezes incomodados sem querer. Pessoas incomodadas incomodam ainda mais. Sinceramente, não quero incômodo algum.
Foi a primeira vez que vi isso: Grupinhos se formaram para me encher de carinho, ânimo, presentes, cartões e mágicos dizeres. Gosto muito de ler o que as pessoas escrevem.
As rosas, estas rosas, são as mais belas que já ganhei. Há muito tempo não vejo rosas com esta qualidade: Cabo longo e perfeito, pétalas que parecem veludo e cor forte, densa. Até pensei se eram de verdade... Que absurdo! Tomar o artificial pelo natural. Desta vez não chorei. Mas vi duas queridinhas chorarem e isso não esperava.Certas coisas que acontecem em determinados cenários merecem registro. Subverter os cenários é uma das gostosas brincadeiras.
Acho que de alguma forma sou marcante, embora não faça absolutamente nada para ser.


"A franja da encosta
Cor de laranja
Capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem
A lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam
Madruga
Reluz neblina
Criança cor de romã
Entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo
Ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto
Explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato
Lábios cor de açai
E aqui trem das cores
Sábios projetos
Tocar na central
E o céu de um azul
Celeste celestial."