Alteramos a máxima cartesiana “penso, logo, existo” para “penso, logo, incomodo” e, às vezes, através de nossos pensamentos nos tornamos eficientes no auto-incomodo.
Este tema surgiu em conversa entre amigas queridas, mestras da fluidez, da leveza, do ânimo e do entusiasmo e, também, exímias provocadoras de libertadoras catarses - o perdão.
Parece fácil, não? Afinal, perdoar presume vontade e querer perdoar deveria ser suficiente, mas não é.
Em primeiro lugar considere o indivíduo e seus amalgamas, seus valores e limitações, suas crenças, sua totalidade complexa. O senso comum ou o bom-senso tem sua importância, porém, entre a ofensa ou tristeza recebida e a capacidade de perdoar pode haver um abismo.
Todos sabem que o impacto do mal recebido é proporcional à intimidade permitida e quanto mais íntimo o agressor, mais contundente sua atitude negativa e mais complexo o perdão.
Em segundo lugar considere o arrependimento de quem causou o mal e projete o pior cenário: O causador do mal é incapaz de sentir empatia e não reconhece o prejuízo por ele causado, logo, não sente qualquer arrependimento.
Ora, se a ofensa foi causada por pessoa íntima incapaz de sentir-se arrependida, o perdão pode situar-se anos luz de distância e para acontecer exigiria os empenhos e desprendimentos da Madre Teresa e da Irmã Dulce somados.
Como se vê, perdoar pode não ser fácil.
É necessário perdoar? Sim, e esta é afirmação plena de “se" e “depende". Regra geral perdoar é necessário para libertar-se e seguir adiante, embora, é possível seguir adiante sem perdoar.
Em particular ao cristão que professa a oração primária e nela acredita, a incapacidade de perdoar, no mínimo, gera a incongruência no momento do perdão solicitado: “perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos aos nossos ofensores”, opa! Mas aquela ofensa é imperdoável, então, Senhor, por favor perdoe todo o mal que eu causei e desconsidere a minha incapacidade de perdoar o mal recebido, pedido que poderia ser complementado com a mágoa nossa de cada dia nos dai hoje, pois não? Não é à toa que a incapacidade de perdoar pode prejudicar a própria fé e aumentar ainda mais a abrangência negativa da ofensa recebida: “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas” (Mateus, 6:14-15) - os que têm fé necessitam do perdão do divino, necessitam perdoar para serem perdoados.
Assim, o dilema persiste e se amplia: Como perdoar quem não se arrepende e como não perdoar se também peço perdão?
O perdão é libertador: Libera o ofendido e lhe retira o mal recebido (ou deveria retirar-lhe o mal recebido) e libera o agressor da culpa. No entanto, o perdão presume o total esquecimento? Ele é incondicional? E a questão inicial: Como perdoar quem não se arrepende? O perdão pode ser confundido com tolerância ou permissão?
Cá entre nós, se já não bastasse toda a tristeza recebida, você ainda assume a incumbência de resolver todos os dilemas correlatos e as questões filosóficas e éticas que há milênios afligem a humanidade?
Simplifique sua vida e apazigue sua mente com solução solitária e eficaz: Perdoe a você mesmo e liberte-se. Liberte-se da culpa e de todo o sofrimento inútil. Liberte-se. Imagine a quantidade imensa de pessoas que deixam irmãos, amigos, filhos, pais, amantes desaparecem de suas vidas antes de trocarem preciosas palavras de clemência e absolvição, imagine a quantidade imensa de assuntos mal resolvidos que poluem nossa vida emocional, liberte-se. Você mesma pode terminar todos os assuntos dentro de si e isso é essencial. Trata-se de um ritual libertador: Represente mentalmente uma conversa entre almas, o acerto e o perdão celebrado em outra dimensão, ofereça e peça perdão e aos poucos você se sentirá eximida e fora desse acerto, você perceberá que a sua participação no relacionamento negativo findou e com ele terminaram todas as tristezas inacabadas e ocas. E se no futuro surgirem pensamentos e sentimentos tristes, é para o local desse ritual libertador que você os mandará. É para isso que existem os rituais, com eles criamos lugares seguros nos quais descansam nossos sentimentos mais profundos de alegria ou trauma, sentimentos que não precisamos carregar.
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domingo, 4 de março de 2012
O perdão
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