Sobre o esquecimento do que significa ser um verdadeiro jornalista.
Sobre a responsabilidade de ser um verdadeiro jornalista.
Sobre o raro verdadeiro jornalista.
“A pequena Capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria é uma das tantas jóias arquitetônicas de Ouro Preto. O exterior despojado não prepara o visitante para a opulência barroca do seu interior. O campanário fica afastado do corpo da igreja e nada tem de imponente. Os sinos da Capela de Padre Faria badalam em concerto com os outros sinos da região, cantando as horas e os eventos, e não soam nem melhor, nem pior do que os outros.
Mas os sinos da Capela do Padre Faria têm uma história diferente dos outros, Quando Tiradentes foi enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro todos os outros celebraram a notícia. Afinal, tratava-se da execução de um traidor, de um inimigo da sociedade. Os sinos de Ouro Preto festejaram o castigo exemplar de um réprobo e o triunfo da legalidade sobre a rebeldia. Mesmo que o toque festivo não tivesse sido recomendado às igrejas pela Coroa, a celebração se justificaria. Mas os sinos da Capela do Padre Faria destoaram do concerto. Tocaram sozinhos, uma batida fúnebre pelo martírio de Tiradentes.
Não conheço bem a história e não sei o que motivou as badaladas subversivas. Um pedido de secretos simpatizantes da Inconfidência? Apenas uma manifestação de piedade cristã? Um sineiro bêbado? Não sei. Minha tese preferida é que alguém responsável pelos sinos teve um vislumbre histórico. Teve a presciência que ninguém mas teve e ordenou o toque plangente, em homenagem precoce ao futuro herói e pelo ocaso do poder colonial que seu sacrifício desencadearia.
Nossa Senhora do Rosário serviria como padroeira, não de quem consegue adivinhar a História mas de quem vê além das mesquinharias do cotidiano e entende o momento que está vivendo. Jornalista, principalmente, deveriam ir regularmente em romaria à pequena capela e pedir a bênção dessa Nossa Senhora do Contexto Maior, o que lhes daria um sentido de História. Pois somos dados a badalar em conjunto o que não tem importância, ou fato errado, e a menosprezar a batida diferente dos que vêem mais longe. Ou tentam.
Os sineiros de Ouro Preto não tinham como saber que estavam festejando a morte de um herói. Faltava-lhes a perspectiva histórica para entender o momento e só cumpriram o que se esperava deles. Estão perdoados. Mas que nos sirvam de lição.”
Luis Fernando Veríssimo
sábado, 12 de abril de 2008
quarta-feira, 9 de abril de 2008
Histoire du discours amoureux
– Je t’aime.
– Moi aussi.
– Je sais.
– Je sais que tu le sais.
– Je sais que tu sais que je sais que tu le sais.
– Et moi je sais que tu sais que je t’aime.
– Je sais que tu le sais et tu sais que je sais que tu sais que je le sais, et tu sais que je sais que tu sais que je t’aime.
– Je sais que tu le sais et tu sais que je sais que tu sais que je sais que tu sais que je t’aime, et je sais que tu sais que je sais que tu sais que je sais que tu le sais.
– Et tu aimes que je le sache?
– Oui, j’aime savoir que tu le sais, j’aime que tu saches que je sais que tu m’aimes, j’aime savoir que tu m’aimes et j’aime savoir que tu le sais.
– Et moi j’aime savoir que tu sais que je sais que tu aimes savoir que je t’aime.
– Je sais et j’aime aimer savoir que tu aimes savoir que tu saches que je sais que tu sais que j’aime aimer savoir que tu saches que je sais que tu m’aimes.
– J’aime savoir t’aimer.
– J’aime aimer savoir que tu saches aimer que je sache t’aimer.
– J’aime savoir que tu aimes savoir que je le sache.
– Et moi j’aime aimer que tu aimes le savoir.
– Je sais que tu m’aimes et j’aime savoir que tu sais que je le sais.
– Je t’aime.
– Je sais.
– Je le savais.
– Moi aussi.
– Je sais.
– Je sais que tu le sais.
– Je sais que tu sais que je sais que tu le sais.
– Et moi je sais que tu sais que je t’aime.
– Je sais que tu le sais et tu sais que je sais que tu sais que je le sais, et tu sais que je sais que tu sais que je t’aime.
– Je sais que tu le sais et tu sais que je sais que tu sais que je sais que tu sais que je t’aime, et je sais que tu sais que je sais que tu sais que je sais que tu le sais.
– Et tu aimes que je le sache?
– Oui, j’aime savoir que tu le sais, j’aime que tu saches que je sais que tu m’aimes, j’aime savoir que tu m’aimes et j’aime savoir que tu le sais.
– Et moi j’aime savoir que tu sais que je sais que tu aimes savoir que je t’aime.
– Je sais et j’aime aimer savoir que tu aimes savoir que tu saches que je sais que tu sais que j’aime aimer savoir que tu saches que je sais que tu m’aimes.
– J’aime savoir t’aimer.
– J’aime aimer savoir que tu saches aimer que je sache t’aimer.
– J’aime savoir que tu aimes savoir que je le sache.
– Et moi j’aime aimer que tu aimes le savoir.
– Je sais que tu m’aimes et j’aime savoir que tu sais que je le sais.
– Je t’aime.
– Je sais.
– Je le savais.
terça-feira, 8 de abril de 2008
Aprender com os cães a ser melhor e mais humano
"Em meu livro mais recente, A felicidade é aqui, afirmo que os animais irracionais vivem em um estado natural de saborear a vida, do qual a razão nos priva por entrar em conflito com as emoções.
Resumindo: mantenha o coração sempre aberto ao amor, saboreie cada momento da vida e não se deixe atrapalhar pela cobiça e pela ambição."
Um amigo me enviou estes conselhos de um cão para o bem viver.
Temos bastante a aprender com eles...
1. Quando alguém que você ama chega em casa, corra ao seu encontro.
2. Nunca perca uma oportunidade de ir passear de carro.
3. Permita-se experimentar o ar fresco do vento no seu rosto.
4. Quando tudo estiver a seu favor, pratique a obediência.
5. Mostre aos outros que estão invadindo o seu território.
6. Tire um cochilo no meio do dia e se espreguice antes de levantar.
7. Corra, pule e brinque todos os dias.
8. Tente viver bem com o próximo e deixe as pessoas tocarem você.
9. Não morda quando um simples rosnado resolve a situação.
10. Em dias quentes, tome bastante líquido e procure deitar-se na sombra.
11. Quando você estiver feliz, dance e balance todo o seu corpo.
12. Não importa quantas vezes o outro te magoar, não se sinta culpado. Volte e faça as pazes novamente.
13. Aproveite o prazer de uma longa caminhada. Aproveite os lugares!
14. Alimente-se com gosto e entusiasmo, mas coma só o suficiente.
15. Seja leal e nunca finja ser o que você não é.
16. E o mais importante de tudo: quando alguém estiver triste, fique em silêncio. Basta ficar por perto.
Resumindo: mantenha o coração sempre aberto ao amor, saboreie cada momento da vida e não se deixe atrapalhar pela cobiça e pela ambição.
Nova versão, tamanho menor para caber no jornal. (230 toques).
Em meu livro mais recente, A felicidade é aqui, afirmo que os animais irracionais vivem em um estado natural de saborear a vida, do qual a razão nos priva por entrar em conflito com as emoções. Um amigo me enviou estes conselhos de um cão para o bem viver.
1. Quando alguém que você ama chega em casa, corra ao seu encontro.
2. Nunca perca uma oportunidade de ir passear de carro.
3. Permita-se experimentar o ar fresco do vento no seu rosto.
4. Mostre aos outros que estão invadindo o seu território.
5. Tire um cochilo no meio do dia e se espreguice antes de levantar.
6. Corra, pule e brinque todos os dias.
7. Tente viver bem com o próximo e deixe as pessoas tocarem você.
8. Não morda quando um simples rosnado resolve a situação.
9. Quando você estiver feliz, dance e balance todo o seu corpo.
10. Não importa quantas vezes o outro te magoar, não se sinta culpado. Volte e faça as pazes novamente.
11. Alimente-se com gosto e entusiasmo, mas coma só o suficiente.
12. E o mais importante de tudo: quando alguém estiver triste, fique em silêncio. Basta ficar por perto.
Resumindo: mantenha o coração sempre aberto ao amor, saboreie cada momento da vida e não se deixe atrapalhar pela cobiça e pela ambição."
Luiz Alberto Py
domingo, 6 de abril de 2008
Mario Benedetti
"Suelta de palomas
soltar realmente
Soltar una paloma
no siempre es algo fácil
de imaginar
la paloma es la clave
de tantos suenõs
artesanales
si no dice paloma
piensa espíritu santo
piensa paz
por eso
soltar una paloma
es siempre algo difícil
de imaginar
quizá exista una sola
maneira de lograrlo
soltar realmente
una paloma"
"Teoría de conjuntos
Cada cuerpo tiene
su armonia y
su desarmonía
en algunos casos
la suma de armonías
pude ser casi
empalagosa
en otros
el conjunto
de desarmonías
produce algo mejor
que la belleza"
sábado, 5 de abril de 2008
Saudade vazia e tristeza plena. O nada.
Hum, trava a língua, trava.
Trava e busca fora o que vai por dentro.
Trava a língua para não devolver o gosto amargo do fel, fel, fel
Trava a língua para não devolver o mesmo sapo entalado na garganta.
Sapo-príncipe-polichinelo.
"A Alegria na tristeza.
O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se "Alegría de la tristeza" e está no livro "La vida ese paréntesis" que, até onde sei, permanece inédito no Brasil. O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la.
Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado.
E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.
Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada."
Martha Medeiros
Trava e busca fora o que vai por dentro.
Trava a língua para não devolver o gosto amargo do fel, fel, fel
Trava a língua para não devolver o mesmo sapo entalado na garganta.
Sapo-príncipe-polichinelo.
"A Alegria na tristeza.
O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se "Alegría de la tristeza" e está no livro "La vida ese paréntesis" que, até onde sei, permanece inédito no Brasil. O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la.
Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado.
E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.
Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada."
Martha Medeiros
quinta-feira, 3 de abril de 2008
Deveria ser proibido
quarta-feira, 2 de abril de 2008
Saudade
Por muito tempo saudade é a palavra mais ouvida, mas confesso que não entendo como tanta saudade sentida, ainda não é assumida para ser de fato feliz. Talvez a saudade tão dita tenha sido leviana, ou, essas sete letras foram emprestadas para dizer coisa distinta – não há coerência.
O verdadeiro significado da saudade se encontra no texto a seguir. Todos sabem, é impossível se enganar. Eu sinto muita saudade dos que foram; dos meus mortos e do vivo sem existir. A saudade só pode ser extinta – no mínimo diminuída – com a presença dos saudosos, mas quando isso ficou tão difícil, quando se complicou tanto o natural fluir, surgiu a necessidade de excluir a saudade de outro jeito, não sei qual.
Rezar e chorar
'Ao morrer, reencontramos nossos mortos queridos. Eles nos acolhem em seu meio. Não nos vemos mergulhados no vazio do nada, mas na plenitude de uma vida verdadeiramente vivida. Adentraremos um sítio penetrado pelo amor, iluminado pela verdade.' Karl Jaspers
O verdadeiro significado da saudade se encontra no texto a seguir. Todos sabem, é impossível se enganar. Eu sinto muita saudade dos que foram; dos meus mortos e do vivo sem existir. A saudade só pode ser extinta – no mínimo diminuída – com a presença dos saudosos, mas quando isso ficou tão difícil, quando se complicou tanto o natural fluir, surgiu a necessidade de excluir a saudade de outro jeito, não sei qual.
Rezar e chorar
'Ao morrer, reencontramos nossos mortos queridos. Eles nos acolhem em seu meio. Não nos vemos mergulhados no vazio do nada, mas na plenitude de uma vida verdadeiramente vivida. Adentraremos um sítio penetrado pelo amor, iluminado pela verdade.' Karl Jaspers
Nos últimos anos, a vivência da perda irremediável conduziu-me a uma descoberta fora do comum. Levou-me ao entendimento que chorar é uma forma de rezar.
Choro, logo rezo; diria elegantemente um cartesiano. Rezo, logo choro; diria um estruturalista com gosto pelas esclarecedoras reversões que ajudam a descobrir dimensões ocultas; e a relativizar verdades e crenças estabelecidas. Relaciono-me de modo contraditório com todos que fazem parte de minha vida direta e indiretamente; de todos aqueles que, de algum modo, alcancei por minhas ações ou reações (que círculo imenso, Deus meu!); e logo compreendo que a todos e a cada um eu devo alguma coisa do mesmo modo que todos têm dívidas para comigo. No fundo, jaz soberano e, hoje em dia, um tanto envergonhado, o verbo amar que se desdobra em lágrimas e em palavras de agradecimento – de graças - de saudação, de confiança, de dor e de reconhecimento pela vida consciente da sua gratuidade e dos seus limites.
Choro, logo rezo; diria elegantemente um cartesiano. Rezo, logo choro; diria um estruturalista com gosto pelas esclarecedoras reversões que ajudam a descobrir dimensões ocultas; e a relativizar verdades e crenças estabelecidas. Relaciono-me de modo contraditório com todos que fazem parte de minha vida direta e indiretamente; de todos aqueles que, de algum modo, alcancei por minhas ações ou reações (que círculo imenso, Deus meu!); e logo compreendo que a todos e a cada um eu devo alguma coisa do mesmo modo que todos têm dívidas para comigo. No fundo, jaz soberano e, hoje em dia, um tanto envergonhado, o verbo amar que se desdobra em lágrimas e em palavras de agradecimento – de graças - de saudação, de confiança, de dor e de reconhecimento pela vida consciente da sua gratuidade e dos seus limites.
O amor reconhecido nos faz ver que somos todos parte de uma pequena teia de elos sociais imperativos que, com o tempo, transforma-se num amplo oceano de laços opcionais. Por meio de marés imponderáveis, esse mar de conexões opcionais, transformam-se, por sua vez, em laços cruciais – do tipo: eu não vivo sem ela (ou ele), inventando a matéria-prima apanhada pela palavra saudade. Essa palavra-categoria luso-brasileira que, como nenhuma outra, convoca, reconciliando, choro e prece.
Dela, disse um Joaquim Nabuco relativizador e antropológico, sensível conhecedor das diferenças profundas entre sociedades e culturas, não o abolicionista e o político, para uma platéia americana no Colégio Vassar, em 1909:
‘Mas como traduzir um sentimento que em língua alguma, a não ser na nossa, se cristalizou numa única palavra? Consideramos e proclamamos esse vocábulo o mais lindo que existe em qualquer idioma, a pérola da linguagem humana. Ele exprime as lembranças tristes da vida, mas também suas esperanças imperecíveis. Os túmulos, trazem-no gravado como inscrição: saudade. A mensagem dos amantes entre eles é saudade. Saudade é a mensagem dos ausentes à pátria e aos amigos. Saudade, como vedes, é a hera do coração, presa às suas ruínas e crescendo na própria solidão. Para traduzir-lhe o sentido, precisaríeis, em inglês, de quatro palavras: remembrance, love, grief e longing. Omitindo uma delas, não se traduziria o sentimento completo.
No entanto, saudade não é senão uma nova forma, polida pelas lágrimas, da palavra, solidão.’
A marca desse estado, no qual até os afagos e o carinho dos amigos do coração tornam-se inúteis, é o choro como reza e a reza como choro. Pois em ambos está contida a experiência fundamental quando nos confrontamos com as situações fora de controle: com as negativas que nos roubam o pai, o filho, o amante, o irmão e o amigo; ou com as moléstias que corroem as pessoas amadas. Reza e choro tentam responder aquele porquê aconteceu justamente conosco. Um porquê imperativo, desejoso de saber (para legitimar o que é percebido como mérito, pecado ou omissão) as razões do sofrimento; esse tema central na discussão dos sistemas religiosos realizada por Weber.
O choro-reza é tão verdadeiro para a criança que tem o chocolate negado pelos pais; quanto para o adulto que passa pela dor irremediável da perda de pessoas amadas.
No soluço que nos sacode o peito e nos faz gemer de dor pela nossa condição de miséria e finitude, há o reconhecimento de que somos incompletos, perdidos, frágeis e fáceis de atingir porque tudo o que temos é relativo e passageiro.
Existe um sentido de humildade e de reconhecimento da perda de controle revelada no choro e na oração. Em ambas, há um render-se diante das frustrações do mundo ou da verdade muito mais perturbadora de que o mundo é mesmo um vale de lágrimas – um abismo arbitrário de frustrações e de perdas. Nas suas resplandecências, as lágrimas, como as rezas, deixam ver o que, ao fim e ao cabo, jamais iremos ter o que queríamos; que os outros não nos amam como gostaríamos que nos amassem; que não mereceríamos sofrer aquele (ou este) golpe da sorte ou da vida; e que nada segue como nos romances, óperas, filmes e peças teatrais. Que, enfim, nem tudo é tão trágico ou nobre, mas que – como compensação - nada é tão feio ou sórdido porque tudo passa e os sinos dobram saudando, como diz Thomas Mann, o espírito da narrativa, ou essas lágrimas que no momento em que eu escrevo este texto, são derramadas pelo meu querido irmão Renato que morreu nesta última sexta-feira santa.
Texto escrito por Roberto da Matta.
A marca desse estado, no qual até os afagos e o carinho dos amigos do coração tornam-se inúteis, é o choro como reza e a reza como choro. Pois em ambos está contida a experiência fundamental quando nos confrontamos com as situações fora de controle: com as negativas que nos roubam o pai, o filho, o amante, o irmão e o amigo; ou com as moléstias que corroem as pessoas amadas. Reza e choro tentam responder aquele porquê aconteceu justamente conosco. Um porquê imperativo, desejoso de saber (para legitimar o que é percebido como mérito, pecado ou omissão) as razões do sofrimento; esse tema central na discussão dos sistemas religiosos realizada por Weber.
O choro-reza é tão verdadeiro para a criança que tem o chocolate negado pelos pais; quanto para o adulto que passa pela dor irremediável da perda de pessoas amadas.
No soluço que nos sacode o peito e nos faz gemer de dor pela nossa condição de miséria e finitude, há o reconhecimento de que somos incompletos, perdidos, frágeis e fáceis de atingir porque tudo o que temos é relativo e passageiro.
Existe um sentido de humildade e de reconhecimento da perda de controle revelada no choro e na oração. Em ambas, há um render-se diante das frustrações do mundo ou da verdade muito mais perturbadora de que o mundo é mesmo um vale de lágrimas – um abismo arbitrário de frustrações e de perdas. Nas suas resplandecências, as lágrimas, como as rezas, deixam ver o que, ao fim e ao cabo, jamais iremos ter o que queríamos; que os outros não nos amam como gostaríamos que nos amassem; que não mereceríamos sofrer aquele (ou este) golpe da sorte ou da vida; e que nada segue como nos romances, óperas, filmes e peças teatrais. Que, enfim, nem tudo é tão trágico ou nobre, mas que – como compensação - nada é tão feio ou sórdido porque tudo passa e os sinos dobram saudando, como diz Thomas Mann, o espírito da narrativa, ou essas lágrimas que no momento em que eu escrevo este texto, são derramadas pelo meu querido irmão Renato que morreu nesta última sexta-feira santa.
Texto escrito por Roberto da Matta.
Felicidade
terça-feira, 1 de abril de 2008
Não sejas demasiado justo
Essa encruzilhada simples entre o certo e o errado, entre o lado da vida e o da morte, só acontece nos textos de lógica
Era um debate sobre o aborto na TV. A questão não era "ser a favor"ou "contra o aborto". O que se buscava eram diretrizes éticas para se pensar sobre o assunto. Será que existe um princípio ético absoluto que proíba todos os tipos de aborto? Ou será que o aborto não pode ser pensado "em geral", tendo de ser pensado "caso a caso"? Por exemplo: um feto sem cérebro. É certo que ele morrerá ao nascer. Esse não seria um caso para se permitir o aborto, para poupar a mulher do sofrimento de gerar uma coisa morta por nove meses?
Um dos debatedores era um teólogo católico. Como se sabe, a ética católica é a ética dos absolutos. Ela não discrimina abortos.
Todos os abortos são iguais. Todos os abortos são assassinatos.Terminando o debate, o teólogo concluiu com esta afirmação: "Nós ficamos com a vida!"
O mais contundente nessa afirmação está não naquilo que ela diz claramente, mas naquilo que ela diz sem dizer: "Nós ficamos com a vida. Os outros, que não concordam conosco, ficam com a morte..."
Mas eu não concordo com a posição teológica da igreja -sou favorável, por razões de amor, ao aborto de um feto sem cérebro- e sustento que o princípio ético supremo é a reverência pela vida.
Lembrei-me do filme a "Escolha de Sofia". Sofia, mãe com seus dois filhos, numa estação ferroviária da Alemanha nazista. Um trem aguardava aqueles que nele seriam embarcados para a morte nas câmaras de gás. O guarda que fazia a separação olha para Sofia e lhe diz: "Apenas um filho irá com você. O outro embarcará nesse trem..." E apontou para o trem da morte.
Já me imaginei vivendo essa situação: meus dois filhos -como os amo-, eu os seguro pela mão, seus olhos nos meus. A alternativa à minha frente é: ou morre um ou morrem os dois. Tenho de tomar a decisão. Se eu me recusasse a decidir pela morte de um, alegando que eu fico com a vida, os dois seriam embarcados no trem da morte... Qual deles escolherei para morrer? Acho que a ética do teólogo católico não ajudaria Sofia.
Você é médico, diretor de uma UTI que, naquele momento, está lotada, todos os leitos tomados, todos os recursos esgotados.
Chega um acidentado grave que deve ser socorrido imediatamente para não morrer. Para aceitá-lo, um paciente deverá ser desligado das máquinas que o mantém vivo. Qual seria a sua decisão? Qual princípio ético o ajudaria na sua decisão? Qualquer que fosse a sua decisão, por causa dela uma pessoa morreria. Lembro-me do incêndio do edifício Joelma. Na janela de um andar alto, via-se uma pessoa presa entre as chamas que se aproximavam e o vazio à sua frente. Em poucos minutos as chamas a transformariam numa fogueira. Para ela, o que significa dizer "eu fico com a vida"? Ela ficou com a vida: lançou-se para a morte. Ah! Como seria simples se as situações da vida pudessem ser assim colocadas com tanta simplicidade: de um lado a vida e do outro a morte. Se assim fosse, seria fácil optar pela vida. Mas essa encruzilhada simples entre o certo e o errado só acontece nos textos de lógica. O escritor sagrado tinha consciência das armadilhas da justiça em excesso e escreveu: "Não sejas demasiado justo porque te destruirás a ti mesmo..."
Texto escrito por Rubem Alves e publicado em 01.04.08, na Folha de São Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0104299805.htm
Era um debate sobre o aborto na TV. A questão não era "ser a favor"ou "contra o aborto". O que se buscava eram diretrizes éticas para se pensar sobre o assunto. Será que existe um princípio ético absoluto que proíba todos os tipos de aborto? Ou será que o aborto não pode ser pensado "em geral", tendo de ser pensado "caso a caso"? Por exemplo: um feto sem cérebro. É certo que ele morrerá ao nascer. Esse não seria um caso para se permitir o aborto, para poupar a mulher do sofrimento de gerar uma coisa morta por nove meses?
Um dos debatedores era um teólogo católico. Como se sabe, a ética católica é a ética dos absolutos. Ela não discrimina abortos.
Todos os abortos são iguais. Todos os abortos são assassinatos.Terminando o debate, o teólogo concluiu com esta afirmação: "Nós ficamos com a vida!"
O mais contundente nessa afirmação está não naquilo que ela diz claramente, mas naquilo que ela diz sem dizer: "Nós ficamos com a vida. Os outros, que não concordam conosco, ficam com a morte..."
Mas eu não concordo com a posição teológica da igreja -sou favorável, por razões de amor, ao aborto de um feto sem cérebro- e sustento que o princípio ético supremo é a reverência pela vida.
Lembrei-me do filme a "Escolha de Sofia". Sofia, mãe com seus dois filhos, numa estação ferroviária da Alemanha nazista. Um trem aguardava aqueles que nele seriam embarcados para a morte nas câmaras de gás. O guarda que fazia a separação olha para Sofia e lhe diz: "Apenas um filho irá com você. O outro embarcará nesse trem..." E apontou para o trem da morte.
Já me imaginei vivendo essa situação: meus dois filhos -como os amo-, eu os seguro pela mão, seus olhos nos meus. A alternativa à minha frente é: ou morre um ou morrem os dois. Tenho de tomar a decisão. Se eu me recusasse a decidir pela morte de um, alegando que eu fico com a vida, os dois seriam embarcados no trem da morte... Qual deles escolherei para morrer? Acho que a ética do teólogo católico não ajudaria Sofia.
Você é médico, diretor de uma UTI que, naquele momento, está lotada, todos os leitos tomados, todos os recursos esgotados.
Chega um acidentado grave que deve ser socorrido imediatamente para não morrer. Para aceitá-lo, um paciente deverá ser desligado das máquinas que o mantém vivo. Qual seria a sua decisão? Qual princípio ético o ajudaria na sua decisão? Qualquer que fosse a sua decisão, por causa dela uma pessoa morreria. Lembro-me do incêndio do edifício Joelma. Na janela de um andar alto, via-se uma pessoa presa entre as chamas que se aproximavam e o vazio à sua frente. Em poucos minutos as chamas a transformariam numa fogueira. Para ela, o que significa dizer "eu fico com a vida"? Ela ficou com a vida: lançou-se para a morte. Ah! Como seria simples se as situações da vida pudessem ser assim colocadas com tanta simplicidade: de um lado a vida e do outro a morte. Se assim fosse, seria fácil optar pela vida. Mas essa encruzilhada simples entre o certo e o errado só acontece nos textos de lógica. O escritor sagrado tinha consciência das armadilhas da justiça em excesso e escreveu: "Não sejas demasiado justo porque te destruirás a ti mesmo..."
Texto escrito por Rubem Alves e publicado em 01.04.08, na Folha de São Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0104299805.htm
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